10ª Passagem pelo Cabo São Tomé
por Átila Bohm
 

Fui contratado para levar um barco de Ubatuba-SP para Salvador-BA. Durante a negociação com o proprietário do barco avaliei que seria trabalhoso, devido à estação do ano em que predomina os ventos NE. A resposta foi algo em que meditei muito “O marinheiro tem que Ter Fé”.

No dia 07 de dezembro saímos de Ubatuba com forte vento Leste (contravento), tivemos de arribar na enseada do Abraão, Ilha Grande. Nesta região é comum calmaria, porém o vento só aumentara...Assim, decidimos jogar ferro, um pouco antes do por do sol, e descansamos até as 03:00 da manhã quanto o vento parou. Levantamos o ferro e seguimos rumo ao Rio de Janeiro.

Ao entardecer do dia 08, nossa posição era entre Niterói e Ponta Negra, estávamos novamente orçando com 2º rizo na vela grande e um pouco mais de um metro de genoa aberta. Devido à forte correnteza só conseguíamos algum avanço com bordos próximo a praia.

As 02:00 da manhã do dia 09 começamos a sentir uma mudança de temperatura do vento com rajadas quentes e cheiro de terra, o vento começou a rondar para terra e as ondas diminuírem. Ao raiar do dia entramos no Boqueirão do Cabo Frio onde ancoramos e aproveitei para fazer a revisão do motor, com 25 h desde a partida. Enquanto isso, João José foi à praia apanhou alguns mexilhões para garantir o almoço, que por sinal ficou de dar água na boca. Descobri que haviam quebrado os parafusos de um dos calços do motor, assim sendo zarpamos para o Porto do Forno, vila de pescadores do Cabo Frio, e com a ajuda de um torneiro da região conseguimos resolver o problema de forma rápida. Em quatro horas estávamos com o motor 100%. O vento rondou para SW com aproximadamente 10 nós, raridade esta que não poderíamos perder, rapidamente levantamos ancora e partimos rumo ao famoso Cabo São Tomé.

Dia 10 ao amanhecer faltavam apenas 5 milhas para o Cabo São Tomé, navegávamos com SW, vela grande mais motor. Decidimos passar o Cabo entre o banco de areia e a praia, e em menos de uma hora deixamos o farol pelo través. Nas 10 passagens pelo cabo sempre tive ventos favoráveis, mas esta foi especial, a temperatura estava agradável e o céu belíssimo. Com previsão de ventos e correnteza contra, vali-me da fé que as coisas vão dar certo. Aproveitar as oportunidades de vento, saber a hora certa de sair e ter fé, são ingredientes importantes para os marinheiros.

Dia 11, calmaria. Amanhecemos próximo a Barra do Riacho, 30 milhas ao norte de Vitória, já sentíamos a correnteza contrária o barco perdeu mais ou menos um nó de velocidade. À tarde estávamos com a grande no 2º rizo e a metade da genoa aberta com a proa para o Rio Doce, ao por do sol com vento de NE demos o bordo a 2 milhas da praia ao sul do Rio Doce.

Dia 12 as 01:00 estávamos novamente dando o bordo próximo à praia só que desta vez poucas milhas ao norte do Rio Doce, percebemos que próximo a praia as ondas eram menores e o barco andava melhor. Adotamos a seguinte tática: bordo para praia até a profundidade de 15 metros e bordo para fora até a profundidade de 25 m. Antes do amanhecer o vento rondou para N, por sorte estávamos próximo a praia, viramos de bordo e aproveitamos o bom ângulo para o bordo do mar. As 14:00 fiquei preocupado pois já estávamos afastados da terra e o vento não rondava para o NE o que possibilitaria um bom ângulo para voltar para a terra. A velocidade do barco caia e o vento aumentava, já não sabíamos se o barco não andava por causa da correnteza, ondas altas ou muito vento. Resolvi tirar a genoa e poupar o material. Ao cair da tarde o vento rondou para NE e demos o esperado bordo para a praia, abrimos a metade da genoa, João José disse – É, o São Pedro quando viu que tiramos a genoa chegou a conclusão que a gente ia ganhar no cansaço.

Ao amanhecer estávamos próximo a praia dando o bordo para o NE com o vento terral, bom progresso. As 11:00 largamos o ferro na Coroa Vermelha, lindíssima ilha cercada por recifes que fica a 100 milhas ao norte do Rio Doce (dois dias atrás), desembarcamos e tivemos a sorte de encontrar o farol com a porta aberta, subimos para dar uma espiada. O visual foi fantástico, podíamos ver os recifes de Sebastião Gomes, recifes de Nova Viçosa e a própria ilhota e seu anel de recifes.

Pit Stop em Caravelas, abastecer rever amigos e fazer uma boa janta. 22:00 levantamos ferro, porem quando chegamos na Barra do Tomba (Acesso ao Rio Caravelas), recebemos o NE na cara. Demos meia volta e ancoramos próximo à barra. João José perguntou: – Vamos dar um cansaço no São Pedro?

Dia 15 as 05:00 parou o vento, levantamos ferro e proa para o próximo cabo, Belmonte, não foi necessária maior preocupação, pois as 14:00 soprava um E, o barco andava bem com 2º rizo na grande e G2. Para uma navegada mais confortável nos afastamos da costa e foi possível perceber que perdemos um nó de velocidade em função da correnteza.

Com um bom vento E (orça folgada), cruzamos o Farol da Barra em Salvador as 19 h. do dia 17 de dezembro.

[popa] Nas fotos acima, Átila com Erica, a tripulante preferida ainda com 3 anos.

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Passamos o ano novo no Arquipélago de Tinharé, foi fantástico.
Passamos por Morro de São Paulo e ancoramos na Ponta do Curral, praia de areia branca calma com os cajueiros e as pitangueiras curvadas de tantas frutas. Depois fomos a Vila do Galeão que fazia parte do esquema de proteção da cidade de Cairú, em morro de São Paulo tem o forte e em Galeão no topo de um outeiro (monte) da onde se avista a barra e o Canal de Tinharé.

Em Cairú uma surpresa, além da arquitetura colonial tem o convento de São Francisco que é fantástico, da biblioteca do convento que data de 1600 é possível avistar a Igrejinha de Galeão, fechando assim o esquema que garantia a segurança da cidade. Na foto anexa aparece o prédio que até hoje serve de entreposto comercial de piaçava.

Além disto a culinária é de primeira linha, muita moqueca, ostra, siri catado, caranguejos e etc..
Tudo isto com um bom vento leste e água a 26º e transparente.

 

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