Redescobrindo o Guaíba numa velejada de Tiradentes
Diário de bordo
José A. T. Campello

Cavando um feriadão em 21/04/05, colocamos o Aventura em mais uma incursão exploratória velejando pelos confins do Guaibão. Principalmente àqueles colegas que não estão familiarizados com este potencial hídrico, fizemos um roteiro dos detalhes geográficos destas águas agradecendo mais uma vez à natureza por este belo manancial sempre a nossa disposição.

Partimos Fernando (filho), Lucas(sobrinho) e eu ás 12:15hs do dia 21/04 lamentando a falta de companhia de outros Day Sailer, mas também curtindo grandes expectativas em dia ensolarado acompanhados de 150 Optmist que disputavam o Campeonato Sul-Brasileiro organizado pelo Clube dos Jangadeiros. A grande quantidade destes pequenos veleiros mostra o sucesso desta classe introdutória dos futuros velejadores deste Brasil afora.

Arroio Araçá
Rumamos em dia de vento Sul de média intensidade num contravento direto ao Arroio Araçá, praticamente num único bordo com o proprietário ao timão. Às 17:00h, próximo a entrada e após umas 15 milhas percorridas, topamos com 5 veleiros de porte perfilados a contrabordo provavelmente avaliando as possibilidades de entrada na foz. Na delicada investida cruzamos com 1 O´Day que saia de suas entranhas. Como fazia alguns anos que não visitava o Arroio e era a 1ª vez com o DS Aventura, pensando nos amigos Fábio Beck e Ari Schneider, proprietários respectivamente de um Velamar 24 (1,30m) e 1 Sud 27,5 (1,60m), abrimos toda a bolina e utilizamos os indicativos da rota (4 Waypoints) de Geraldo Knippling, experiente velejador do Guaíba. Imaginamos que carregado como estávamos nosso calado atingisse (1,20cm). Entramos sem toques no leito. Lá dentro para nossa surpresa, nenhum veleiro entrara.

Bem, por aquela noite o arroio seria nosso sem necessidade de conquistas. Após escolher calmamente uma boa barranca montamos o acampamento e apreciamos uma rica massa a escalope de salame preparada por Lucas e Fernando enquanto degustávamos um Cabernet Sauvignon. Cedo na manhã, tivemos a visita de uma lancha e um navegador solitário num caiaque, vindo da Barra do Ribeiro de onde partira às 5:00h e levara 2,5 para adentrar o Arroio e seguir em direção à distante nascente. Que bela disposição!!! Ao sairmos não resistimos e tentamos reencontrá-lo subindo o arroio por mais de 30 minutos sem qualquer pista do navegador. O arroio é comprido, profundo e tortuoso, estreitando em várias ocasiões, voltando a alargar novamente em outras. Há mais de um cotovelo de 180º.

Costa do Salgado
Na saída encontramos 6 veleiros ancorados ao largo da praia e do saco do Salgado. Entre os mais notáveis o Entre Pólos, o Moicano, o Sea Wind. Ao cruzarmos próximo a Foz, jazia um Martinique 25 ancorado no meio do estreito canal de entrada. Seus proprietários haviam entrado arroio a dentro num inflável. Seu Eco-batímetro mostrava 1,60m no painel externo. Saímos também sem toques rumando para o morro do Côco do outro lado da margem à cerca de 10 milhas. Após percorrer a praia, cruzamos a coroa do Salgado na raiz, a motor e com bolina recolhida para só então iniciamos a velejada sob vento Sul com o Fernando timoneando em diagonal rumo a praia das Figueiras onde ancoramos o Aventura a 0,5m da praia pela popa.

Morro do Côco/Marina de Itapuã
Durante a rápida exploração da prazeirosa praia, delimitada pelas pedras, caminhamos pela suas areias em meio a velhas Figueiras. Não vimos nem escutamos os famosos bugios, mas chamou-nos a atenção a bela construção que se sobressai no topo do morro de mais de 100m dominando estrategicamente todo o panorama do Guaíba naquele ponto.

Este local teria sido um Seminário outrora. Sem chegar a adentrar a mata devido à pretensão de dormirmos na praia da Faxina no lado oposto do Guaíba nos dirigimos à marina da Vila de Itapuã para em breve parada, reforçar nosso estoque de víveres posto às pressas antes da partida. Após 2 milhas tranqüilas costeando a extensa e privilegiada costa, que une o morro à Vila, atracamos ou melhor, aterramos na marina. Lembramos dos amigos Rodrigo Beheregaray e seu (Asterix), autor de matérias sobre a região, e da Tina organizadora de vários eventos na Marina, proprietária do famoso O´Day Forest que não estava fundeado na marina. As 16:30h deixávamos o canal de acesso, tínhamos pela frente quase 10 milhas, a maior extensão entre as margens do Guaíba. Logo adiante a bombordo se escondia a ilha das Pombas de difícil visualização mesmo de dia, em seguida foi tomando forma a notável ilha do Junco, enquanto o branco do Farol de Itapuã brilhava pelo través contra o sol poente. A profunda enseada se aproximava lentamente enquanto escurecia o horizonte, as cores se fundiam em manchas acinzentadas sob a parca luz remanescente.


Praia do Côco

Praia da faxina
Chegamos quando a lua cheia já substituía o sol no firmamento. Topamos com a presença de um veleiro Delta 32´ancorado ao largo, o Sea Wind, enquanto deixávamos o registro de nossa proa nas areias da praia. Logo uma vistosa fogueira foi armada pelo Lucas e alimentada por mim e pelo Fernando com restos de galhos de coqueiros e centenas de juncos secos, a noite estava fria mas o fogo nos magnetizava enquanto aquecia o espírito.
Próximo a arbustos nativos montamos nossas barracas em meio a muitas pegadas de animais não domésticos na areia. O jantar veio fortalecedor, merecido e gostoso, massa regada à sardinha, salsichas, molho de tomate, acompanhado de uma boa cerveja, repondo todas energias.

Ao amanhecer, a praia apresentou-se com surpreendentes águas límpidas, o dia entretanto estava nublado, agravado por forte cerração. Ao sairmos pelas 10:15h me desviei para não passar por cima dos restos da fogueira, quando parei para localizá-la me espantei. Seria sonho, não havia qualquer vestígio da fogueira! Claro, o Ocenólogo/ecólogo Fernando "agira" de manhã cedo. Jamais houvera tal fogueira nas lindas areias da praia. Rumávamos com o DS Aventura, impulsionados pelo persistente vento Sul entre cavalgadas e salpiques de água, à margem oposta completamente invisível, em busca do Arroio do Lami atrás do morro do Cego na reserva de mesmo nome, onde uma única vez vira uma vela enfunada se deslocando por detrás das árvores, acumulando muita curiosidade. No canal de navegação, cruzarmos com o Veleiro Auguri II.

Arroio Lami/Iha Chico Manuel/Jangadeiros
Às 12:45h exploramos este pequeno, raso, abandonado, mas belo arroio, impossibilitado à grande maioria dos barcos e com desembarque proibido em suas margens alertado em placas de aviso do Ibama. Sua foz é desproporcionalmente larga para um arroio de médio porte, cuja largura se afina precoce e abruptamente. Nota-se logo uma grande quantidade de galhadas cravadas em seu leito, o que torna a navegada perigosa. Avançamos com muito cuidado até onde era possível girar, o que não tardou. Ao redor há um alagado com uma bela residência que nos perguntamos se não seria do antigo proprietário destas terras. A reserva Biológica do Lami, que em 2002 teve incorporado o Morro do Cego possui 215ha e protege a fauna, jacarés, bugios, tartarugas, capivaras e lagartos, além da mata ciliar. Vimos apenas algumas garças.

Após lanche embarcado utilizando o tampo da gabine como mesa, rumamos já retornando para a Ilha Chico Manuel, objetivando uma parada técnica nas terras do clube co-irmão. Lá batemos um papo com o amigo Eduardo Secco Hofmeister, o Ferrugem, que curtia com a família e amigos este pequeno paraíso tão bem conservado pelo Clube Veleiros.

Na saída, mal sabíamos que até a Ponta Grossa faríamos uma ruidosa motorada pela falta completa de vento.
No final, ainda arrancamos uma suave e restauradora velejada, como consagração daqueles 3 belos dias. Em meio a um singular por do sol e um rarefeito papo sobre aviação, navegamos as últimas milhas suavemente até o Jangadeiros, sob o timão do Lucas, embalados pela última lestada do entardecer.

Chegamos às 18:h de 23/04 após aproximadamente 60 milhas percorridas, em meio à festa de encerramento e entrega de prêmios da gurizada ainda com direito a churrasco na companhia dos colegas Flávio e Dirceu do Magnum 19 que participavam do evento.

Salve o herói Tiradentes que permitiu a redescoberta destes paraísos instalados tão próximo de nossos lares.
Perdoem a narrativa esticada, mas a velejada deixou aquele astral gostoso e prolongado que desejamos compartilhar com você.

Bons ventos a todos

Campello - Aventura

 

 

 

 

 

 

 

 


06 Mai 2005 Emilio Oppitz
Leitura muito gostosa. Agradável e que nos faz navegar junto.
Emilio

07 Mai 2005 Carlos Altmayer Gonçalves Manotaço
Cabe um elogio ao espírito aventureiro desta equipe, que mesmo num barco pequeno, navega longe. Meu primo, Leonardo Altmayer, do Rio Grande Yacht Club, certa feita navegou a Lagoa Mirim de ponta a ponta no "Respingo", um day-sailer igual ao "Aventura". Passou 37 dias a bordo. Acompanhou-o outro amigo num "lightning de 7 meses"; cada um num barco. O que conta mesmo é a vontade de velejar. Nos anos 1.968 e 70, velejavamos pelo Guaíba em dois barcos classe Jangadeiros, belas velejadas e excursões foram feitas com estes barcos simples.
"Respingo" está em Macaé, com sua irmã Suzana, dando boas velejadas e segue ensinando pessoas a velejar.


07 Mai 2005 Geraldo Knippling
Parabéns pelo espírito de aventura. Os barcos menores muitas vezes são os "maiores", pois nos levam a lugares onde os outros não podem chegar, permitindo um convívio mais íntimo com esta nossa exuberante Natureza, longe dos tumultos urbanos e da falta de segurança da nossa conturbada metrópole. Felizmente ainda há muito por descobrir.
Abraços,
Geraldo Knippling

08 Mai 2005 Francesco Colombo
Parabens. Vale aquele velho ditado: nos menores barcos estão as maiores alegrias e prazeres. Francesco (Saint Tropez).

04 Out 2005 Paulo Louremço
Gostaria de fazer uma ressalva ao comentário do amigo Manotaço. Eu sou o amigo do Leonardo Altmayer, também do Rio GRande Yatcht Club, e a referida excursão foi feita em 1980 o Leonardo em um antigo barco de madeira escamada chamado Sereia e eu no Andejo, uma versão menor do Lightning, "Blue J" de 4,13m X 1,56m, construido por mim entre 1978 e 79. Fomos pela costa oeste da Lagoa Mirim e voltamos pela costa leste. Apesar da simplicidade dos barco, dormíamos no cockpit sob uma lona, de algodão é claro, foi umas das melhores excursões da minha vida. Em 1981 fomos novamente, eu no Odin, O´Day 23´, e o leonardo no Respingo, Day Sailer, o Leonardo retornou de Jaguarão e eu fui até Santa Vitória do Palmar retornando em companhia do amigo Henry Pierre, do RGYC.
Abraços, Paulo Lourenço.

 

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