"Se não puderes lutar contra o inimigo, junte-se a ele"
Peripécias do Canibal
Daniela Popovich
Fotos: tripulação do Canibal
15 Fev 2006

28 e 29 de janeiro
Foi um fim de semana maravilhoso na Ilha de Chico Manoel, com boas amizades, churrasco e muito riso. Voltamos para casa no domingo com as energias renovadas. Meu marido e filho iriam na 2ª feira seguinte para Rio Grande para curtir uma longa velejada de mais ou menos 30 horas pela Lagoa dos Patos. Eu ficaria em casa porque “longas velejadas” não são a minha praia...

Chegada a 2ª feira havia muita excitação por parte deles e com o passar das horas, acompanhando os preparativos e telefonemas combinando os detalhes, o meu plano de ficar em casa foi por água abaixo (ou para cima). Havia outros barcos fazendo este mesmo percurso e faltava tripulação para fazer esta empreitada. Ficaram tristes e pesarosos pois a vontade e alegria em fazer essa viagem era muito grande. Eu, quietinha no meu canto, observava os rostos... cada vez mais murchos.

Na 2ª feira à tarde estava decidido que eles não iriam mais. Minha mente entrou em ação. Não podia deixar de pensar no assunto. Tinha o diabinho no ombro direito e o anjinho no esquerdo, ambos falando no meu ouvido. Um dizia: Deixa para lá, é problema deles, fica na tua, tranqüila, lendo um bom livro, pedindo pizza e assistindo TV, comendo pipoca... O outro sussurrava: Vai Dany, não seja comodista. Se você for junto, vai ser uma alegria enorme para tua família porque vão realizar a tal sonhada viagem. Só depende de você... Vai nessa... Vai ser legal...

Assim, sucumbi ao diabinho! E o fiz por amor, só para ver os rostos dos meus amores bem sorridentes e para curtir a companhia deles. Esses “minutos” preciosos acompanhando pessoas queridas, talvez sejam um pouco amargos para mim, mas se não os aproveito neste momento, nunca mais voltarão...
Com a cara e a coragem, olhei para eles e disse: - Eu vou junto!

Foi uma explosão de alegria e entusiasmo. Foi até contagiante! Preparamos tudo na mesma hora, meio às pressas e saímos de Santa Cruz do Sul já à noite, alegres, rumo a Porto Alegre para embarcar, e na 3ª feira, sair cedo de manhã, junto com os outros barcos, iniciando nossa grande aventura.

Como é bom ter amigos!
Fiquei muito mais feliz e tranqüila sabendo que acompanharíamos o veleiro My Way do nosso amigo Pedro Boletto. Sosseguei por saber que a parte noturna seria feita seguindo uma tripulação mais experiente.

Foi uma navegada e tanto! A enorme lagoa parecia um laguinho tranqüilo e sereno. Muitas estrelas brilhantes nessa noite de lua nova, nos forneciam a luz suficiente, a leve brisa nos empurrando... Uma incrível paz de espírito me invadiu e tomou conta do meu ser. Se não tivesse vindo, teria perdido uma oportunidade de ouro para minha alma.

Tudo correu às mil maravilhas. Chegamos de manhã cedo na entrada do Canal da Feitoria, que sempre deve ser percorrido de dia. Estava um sol maravilhoso e vento calmo. Para a minha surpresa, vimos que a Marinha tinha retirado a maioria das estacas de redes de pescadores e recolocado as bóias de sinalização, permitindo uma boa visibilidade do canal. Nossa ultima passagem pelo canal foi com chuva e pouca visibilidade, muita correnteza e um leve encalhe. Foi muito estressante.

Chegamos no Rio Grande Yacht Club à tarde. A recepção foi muito calorosa e ratificou sua fama. Em apenas alguns minutos, estávamos “em casa”. Conhecemos toda a tripulação do My Way, o Cap. Boletto, João Pedro e o Emilio do Clube de Tapes. Também tripulava o nosso amigo Danilo Chagas Ribeiro. Nesse meio tempo, chegou também o veleiro Riacho Doce do Cmt. Paulo Silveira, que velejou sozinho, descendo a Lagoa. Na mesma noite, juntamos as carnes, os vinhos, as excelentes pingas do Paulo e fizemos um churrasco maravilhoso, curtindo a noite de Rio Grande. Inesquecível.

Foi sorte ou azar?
Em Rio Grande, encontramos o Guilherme Streb, um skipper muito conhecido por sua prática e conhecimento do litoral brasileiro, que leva e traz veleiros para qualquer parte do mundo. Foi uma raridade encontrar com ele por aí porque, como dizem os “experts”, no verão as frentes frias do sul não duram mais que um ou dois dias, dificultando a velejada para o norte. Ele estava lá há uma semana, esperando virar o tempo. Só que essa “virada” do vento ia virar o meu sossego novamente.

Meu filho e meu marido começaram a se entusiasmar com a idéia de aproveitar para seguir uma nova “estrela guia” e subir até Florianópolis. É lógico que eu falei que não iria e voltaria de ônibus, para o aconchego do meu lar, mas... repetiu-se o mesmo problema de tripulação. Só duas pessoas a bordo para enfrentar sozinhas as duas noites e três dias de velejada no mar era pouco. Eles até iam encarar o mar só os dois pois a vontade de aproveitar uma oportunidade rara assim era muita. Pensei... Pensei... E afinal decidi novamente me juntar a eles.

A travessia da Lagoa tinha sido tão boa e eu estava tão tranqüila que essa paz me levou a encarar junto esta empreitada. Não sabíamos ao certo quando partiríamos pois aguardávamos a saída do veleiro Vida, do Guilherme. No sábado estreamos a churrasqueira do nosso barco, na companhia do Paulo Silveira e dos seus vinhos e pingas deliciosas. Fomos dormir de madrugada e bem alegrinhos... Na manhã seguinte escutamos uma voz bem perto do barco. Era o Guilherme com o Vida a um metro de nós, gritando: Andreas, estou saindo!! Segundos depois, estávamos os três de pijama, feito formigas frenéticas, retirando as amarras e manobrando para desatracar. Deve ter sido uma cena ridícula para quem estava de fora. Espero que ninguém tenha tirado fotos...
Assim se iniciava nossa primeira aventura no mar.

5 de fevereiro: Floripa, aqui vamos nós!
Saímos da barra de Rio Grande com sol e brisa leve de noroeste. Mar azul lindo, com poucas ondas. Velejávamos a uma velocidade de 7 a 9 nós a 2 milhas da costa.

Perto da costa, com vento noroeste, não se formam ondas. Foi uma velejada esplêndida. Rápida e calma. Foram duas noites e três dias olhando a popa do veleiro Vida. Nem posso dizer se o mar estava bom ou ruim pois a minha meta era não perder de vista a minha estrela guia.

Só quando a viagem terminou, ao chegar ao Iate Clube Veleiros da Ilha em Florianópolis, é que pude contar os hematomas nas minhas pernas e nos glúteos. Não sei se o mar estava bom ou ruim porque foi a primeira viagem no mar e não tenho como comparar. Mas tenho certeza de uma coisa: vou fazer tudo de novo! Valeu muito a pena deixar os receios e os medos de lado para poder fazer esta experiência. A cada momento minha mente repetia: veleiro foi feito para navegar e não naufragar. Com certeza, o comportamento dele no mar transmite segurança e solidez.

Sem sombra de dúvida, é muito melhor navegar no mar que nas ondas da lagoa. O movimento das marolas é bem mais suave e constante e à noite normalmente o vento diminui e suaviza a navegada, favorecendo o romantismo. É uma experiência imperdível. Pegar carona no vento é uma sensação maravilhosa. Sabemos que poderá tardar mas é certeza que chegaremos ao destino. Velejando, aprendemos a ver como a vida pode ser tão simples e também a ver o mundo com outros olhos, um mundo sem fronteiras, com gente nova, amigos, etc. Enfim, um mundo totalmente novo, descoberto ao sabor salgado das ondas...

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