Velejada às águas verdes
De Porto Alegre a lagoa do Casamento
(15 a 23 de julho de 2006)

Tau Golin

Há meio ano vinha combinando com a Tina (Christina Silveiro), do veleiro Forest, uma navegada na lagoa do Casamento. Sou fascinado pela história da região, que conheço mais por alguma documentação e alguns relatos de navegadores. Ainda não existe uma história sistematizada do lugar. Geralmente, apesar do encantamento dos observadores, permanece a ausência de trabalhos que totalizem a importância e a sua riqueza histórica. A lagoa do Casamento, de certa forma, é o núcleo de uma complexa ocupação humana em uma geografia que compreende desde o Morro de Itapuã até o São Simão; e, desta linha imaginária de oeste, até a planície costeira. Nesse espaço, desde tempos remotos, se pratica o trânsito humano por terra e água, tendo como apoio logístico e de permanência, diversas ilhotas.

Dada a sua importância, seria imprescindível o surgimento de uma narrativa que trate dos primei-ros povoadores pré-colombianos, os índios canoeiros (coletores e agricultores), que com suas pirogas, feitas de um único tronco, desbravaram e dominaram a região. Por milhares de anos, eles foram os donos daquelas paragens e tinham na pesca parte substancial de sua alimentação.

O conhecimento dos nativos foi apreendido pelos mestiços e povoadores de origem européia e a-fricana, mamelucos e cafuzos, e, mais tarde, pelos ribeirinhos que se instalaram em suas margens. A beleza selvagem do lugar aumenta a sua inacessibilidade pelas dificuldades impostas à navegação. Ainda hoje, são poucos os que se aventuram naquelas bandas. Ali, se não tiver o auxílio de um pescador, os planos de nave-gação são irrefutáveis. Ultimamente, o uso do GPS facilitou bastante. Mas como se sabe, o GPS não navega. Não desvia bancos de areia submersos, não entra prudentemente em canaletes, etc. Os baixios e os bancos são os principais percalços a serem superados.

Com a Tina capitaneando, as dificuldades se converteram em navegadas seguras e confiantes na observação do lugar.
Outra especulação interessante diz respeito às refregas navais, na verdade pequenas escaramuças, manobras à vela e remo, em que piratas, corsários e rebeldes, conseguiam singrar onde as forças do Estado não penetravam. Negros quilombolas e fujões conseguiam escapar do suplício e da condição de cativos por dominarem esses espaços. Os quilombos organizados em suas margens e ilhas desenvolveram um tipo social ainda invisível na historiografia sul-rio-grandense: a de negros pescadores-agricultores, cujo saber se converteu em um modo de vida dos ribeirinhos até nossos dias. Essas formas de sobrevivência e sociabilidade também eram características dos índios canoeiros. Se levarmos em conta essa herança de técnicas marinheiras e agricultoras, a história social da região avança para tempos antanhos.

Não com muita dificuldade, um nadador pode passar do Pontal do Abreu até a margem leste, no Pontal do Anastácio, em determinadas épocas do ano, caminhando pelos bancos de areia e tendo que nadar relativamente pouco. Em tempos de esportes de aventura, fica o desafio...

Talvez a cultura dos nativos, quilombolas e ribeirinho, tenha influenciado o desejo de Garibaldi de abandonar o funil do Camaquã, onde era vulnerável por terra e teve seu pequeno estaleiro e barcos destruí-dos, para a outra margem da lagoa dos Patos e pelas águas e regiões do São Simão, do Banco das Desertas, do Banco do Abreu e da lagoa do Casamento.

Os lanchões de baixo calado eram as embarcações preferidas, ao lado de adaptações de faluas e sumacas. Vale lembrar que Garibaldi passou as Desertas, banco de areia submerso e de baixa profundidade, que se estende por várias milhas (conhecia ele o canalete em sua raiz junto ao continente?), o Pontal do A-nastácio, o canal do Furado, entrou nas águas da lagoa do Casamento, desviou o banco de arreia que nasce na ponta do norte e seguindo para o sudeste que quase chega à ponta da Ilha Grande, prosseguiu até o rio Capivari, colocou os lanchões Seival e o Farroupilha em carretas e chegou à barra do Tramandaí.

O canalete do Abreu, nosso deslumbre contemporâneo, seria de conhecimento dos corsários italia-nos, que, na tradição dos aventureiros, com piores embarcações e armamentos, conseguiam fugir da perse-guição colonial e, depois, imperial?
Sabe-se, igualmente, que Garibaldi instalou-se no São Simão para montar um estaleiro depois da derrota de Santa Catarina. Ao contrário do que se pensa de que o seu porto preferencial seria o atual Barqui-nho, o corsário italiano pensava em operar pelo oeste de São Simão, contando com os refúgios e bancos de areia de proteção, feitos trincheiras, para proteger-se de seus perseguidores. Nada disso seria possível sem contar com o conhecimento, digamos, milenar dos ribeirinhos.

Garibaldi passou a residir no São Simão, porém, depois de meses de espera, a madeira para cons-trução de seus barcos nunca chegou. Conseqüentemente findou o sonho de constituição de uma marinha rebelde.
Para enveredar para aquelas paragens embarquei as orientações do mestre Geraldo Knippling (Magana), reli as navegadas feitas por ali divulgadas no www.popa.com.br, em especial do Manotaço, do Danilo Ribeiro, a carta e os waypoints organizados pelo Luiz Portinho (Karuana) e mais as informações da Tina. Tinha na memória, também, as longas conversas e relatos do pessoal da Marina do Lessa, núcleo de conhecedores daquelas bandas, especialmente o Jorge Lessa (Tarumã), o Pachecão e o Kako (Sabiá), e do comandante Adriano Machado (Passatempo), também de Belém Novo, cujo avô foi pescador naquelas águas.

Mesmo estando com a Tina, no caminho ficou mais uma vez comprovado que nunca se deve de-pender exclusivamente de uma "nau capitânea" como conhecedora do rumo e do destino. Apanhados por um nevoeiro espesso na lagoa dos Patos, ficamos sem visibilidade um do outro durante duas horas.

Viajando de Passo Fundo, no dia 15 de julho de 2006, cheguei no ICG às 16:00. Minha intenção era seguir no próprio sábado para Itapuã para participar do jantar do Clube Náutico à noite. Primeira surpre-sa. Na semana anterior tinha solicitado uma revisão do motor ao Chicão e não o encontrei no Kaingang. Em seguida fui informado pela marinheira Xuxa que o Chicão andava envolvido com a formatura do filho na PUCRS. Liguei e só ouvi um bah!, longo e sonoro, com aquela entonação de quem cometeu uma falha. Tu-do bem, não é sempre que se forma um filho. E combinamos que me entregaria o motor no outro dia, cedo.
Assim, sacrifiquei a janta com a turma de Itapuã. O Bortolazo também não tinha conseguido a-prontar a vela mestra nova.
Começava bem...

Entretanto, no domingo, no raiar das 9:00, apareceu o formando e o outro filho do Chico com o meu 15 HP.
Navegando em solitário, zarpei às 10:30. Tinha em torno de 20 milhas náuticas pela frente. (Milha náutica, unidade de distância: 1.852 metros) Tempo enfarruscado. Vento sudeste fraco, com algumas rajadi-nhas. No caminho, a partir do Clube Jangadeiros à Ipanema deu uma apertadinha, mas foi definhando e fi-cou minguado na Ponta Grossa. Baixei a genoa, calcei no motor, passei a Ponta Grossa entre o continente e as Baleias. Em seguida o ventou voltou e possibilitou velejar até a Ponta do Arado. Cortei caminho pelo estreito entre a Ponta dos Coatis e a ilha Chico Manoel. Em seguida, apertou o sudeste.

No contra-vento, com velocidade de 4 a 5 nós (medida de velocidade, equivale uma milha náutica por hora: 1.852 m/h), prossegui rumo a ilha das Pombas. Nesse instante, escutei o contato por rádio VHF entre o Passatempo e o Sabiá. Momentos depois, chamei o Sabiá e o Kako me informou que estavam retor-nando da lagoa do Casamento. Depois, soube pelo Adriano que não conseguiram entrar na sanga Helena e dormiram fora.
Em seguida cambei para bombordo e velejei direto ao farolete do canal do arroio Estância, onde se localiza o Clube Náutico Itapuã em sua margem esquerda.

O Clube estava de ressaca. O Betinho (Dom Ricardo) despertou com os meus gritos para a como-dora Tina ("Você não atende o rádio e não liga o celular, mulher!"). O Neguinho das Gurias troteava pelo trapiche com seu passinho pretensamente sedutor e o Ronaldinho tentava reinstalar outro rádio, emprestado, pois o do clube tinha estragado. Atraquei e, depois, das preliminares, acertamos que, feitas as previsões, zarparíamos no outro dia com os dois barcos: eu, no Kaingang; e a Tina, a Polaca e a Sandrinha, no Forest; dois veleiros da classe O´Day 23. Enquanto as gurias esquentavam duas lasanhas e bebíamos o meu "fran-cês", um vinho de mesa importado, mas honesto, ultimamos os preparativos. Concordando que, antes de seguir para a lagoa do Casamento, visitaríamos o Walter na Ilhota da Ponta Escura.

No outro dia (17, segunda-feira), cedo, a Tina foi buscar combustível. Enchemos os tanques de 20 litros e estocamos igual quantidade. Ao todo, cada barco estava abastecido com 40 litros.
Largamos amarras às 11:00. Com um vento fresco de sudoeste deu para velejar até próximo ao canal. Às 13:00 estávamos literalmente boiando, apenas com algumas baforadinhas. Ligamos os motores, com a grande em cima. Pegamos as coordenadas do Geraldo Knippling (S 30º 20.80 | W 051º 03.79) e ru-mamos para o poço (RM 255º), livrando o banco de areia do norte da ilha do Junco. Desse ponto (S 30º 21.44 | W 051º 05.17), colocamos as proas para o RM 214º até paralelo a Ponta Escura (S 30º 21.90 | W 051º 05.37). E, logo em seguida, para o Bira, entrada do canal da Ilhota (S 30º 22.47 | W 051º 05.70).

Na passagem, falamos com o Walter, morador da Ilhota, que prometeu nos visitar mais tarde no nosso ancoradouro. Seguimos pelos canaletes internos e "atracamos" entre os aguapés.
O lugar ainda conserva aspectos selvagens, com muitos pássaros, capivaras e jacarés. O peixe é que anda escasso. Há três meses o Walter não coloca redes, argumentando que não vale o trabalho. Entretan-to, procurou estabelecer uma segunda fonte de renda com a criação de abelhas e produção de mel na Ponta Escura. No meio da tarde, o Walter e o João Carlos apareceram. Como a Ilhota não tem água potável, fomos com eles buscá-la em um poço artesiano localizado na Serrinha, na Ponta Escura, furado por um grupo de campistas de Itapuã, que ali conservam um acampamento. A entrada entre a vegetação é impercebível. Ali, os dois encheram quatro cambonas e as carregaram no barco de pesca do Walter.

No caminho, especulamos sobre as condições de navegação interna da costa. O Walter esclare-ceu sobre cuidados e revelou um canal usado por ele para sair entre a Ilhota e o continente da Ponta Escu-ra/Serrinha, sem precisar retornar ao canal dos navios ou contornar o banco entre a Ilhota e a ilha do Junco, para sair à lagoa dos Patos. Portanto, encurta o caminho consideravelmente para quem vai da Ilhota para qualquer ponto da lagoa dos Patos.
Resolveu nos mostrar.

Da Serrinha rumamos em direção ao Farol de Itapuã até a "estaca", que assinala o antigo canal, e que não foi removida. Permanece apenas em torno de três palmos acima da lâmina dágua e foi "marcada" pelos pescadores com um pedaço de plástico preto. No entanto, conforme a condição do tempo ela é enco-berta. Por se tratar de lugar fundo, quase na rota para a Barba Negra, consubstancia-se como sério perigo à navegação. Essa área está assinalada no croqui do Geraldo Knippling com uma marca e a legenda "obstrução".

Da "estaca", o Walter rumou para sudoeste da Ilhota. Chegando próximo dela, manteve a distância de 30 a 40 metros da margem até seu noroeste e, dali, colocou a proa no sul da ilhotinha a oeste (RV +- 310º); chegando próximo ao junco, a deixando para bombordo, rumou para o norte, e entrou no canal princi-pal entre a Ilhota da Ponta Escura e o continente. No caminho, eu e a Tina nos escabelávamos por andar de turista. Havíamos deixado os GPSs nos veleiros e, para compensar, fazíamos marcações visuais e por refe-rências, pensando em sair por ali, no outro dia, para o farolete das Desertas.

Fomos até a Ilhota conhecer a coleção de bonzais do João Carlos, feitos especialmente com espé-cies nativas. As arvorezinhas foram o deleite das gurias. De sobra, ainda mostrou diversos troncos e madei-ras esculpidos pela natureza, recolhidos nas margens do Guaíba. A ilhota, que antigamente era um areal, somente com vegetação rasteira, está ficando assobradada devido a plantação de muitas espécies nativas e frutíferas. Inclusive as figueiras estão podando o topete e estrangulando alguns eucaliptos alienígenas anteri-ormente plantados.
A Ilhota está virando um jardim!

Nos recolhemos aos veleiros, transportados pelo Walter, ao anoitecer. Por sorte, havia deixado o Kaingang fechado. Nuvens de mosquitos envolviam os barcos, comemorando a chegada de carne nova. Fiz da toalha um catavento na portinhola da gaiúta, espalhando a mosquitana, e joguei-me para dentro e me en-cerrei. Apareci só no outro dia.
Nesse dia 18 (terça-feira), despertei ao clarear do dia. Cevei o chimarrão, aguardei o despertar das gurias, no veleiro ao lado. Uma bruma espessa cobria tudo com seu manto. Há 50 metros todos os quadran-tes eram brancos. Depois de saciado do verde caamini, a erva moída da tradição indígena, desjejuei maçã e banana. Peguei o bote do Forest e entrei no nevoeiro para fotografar a natureza e os nossos barcos vestidos de véu. De repente, movimento nas vizinhas, cheiro de torrada e café. A seguir, aprontamos os veleiros para partir. A previdente Tina, antes de partirmos, querendo preservar o couro do amigo, emprestou-me um mos-quiteiro sobressalente.
O nevoeiro borrava a nossa rota pelo canal do Walter, prospectado no dia anterior. Por segurança, optamos retornar pelas coordenadas da chegada até o canal principal do Guaíba, montando a ilha do Junco, deixando-a, nessa manhã, pelo nosso boreste.

Quando ingressamos no Guaíba, percebemos que a situação era adversa, ao arrepio e pelo fio da adaga, como dizia um índio gaudério. Aumentava a densidade da neblina e diminuía a visibilidade. Já no canal, na Ponta da Fortaleza, conversei com a Tina pelo rádio VHF e resolvemos fazer uma varredura para constatar se não havia navio nos canais de Itapuã e do Campista, ou na iminência de singrá-los. Em seguida, fiz a chamada geral e ninguém respondeu. Minutos depois, o prático de um navio de bandeira panamenha, nativo de Palmares, pediu para copiá-lo.
A Tina entrou na conversa e ficamos sabendo que estavam ancorados na lagoa dos Patos, há duas milhas do farol de Itapuã. Aguardavam dissipar um pouco o nevoeiro para entrar no canal de Itapuã e no Guaíba, pois a visibilidade era mínima. Entendiam a nossa preocupação e, por certo, nos julgavam prudentes.

Para quem conhece o canal entre as pontas de Itapuã e da Fortaleza, nas condições em que nave-gávamos, sabe que ele se converte em lugar perigoso no encontro de um veleiro com um navio. O baixio de oeste é agravado pela coroa dos Holandeses; e, para o leste, das coroas do Albano e do Campista. Ou seja, a margem para manobrar para fora do canal é mínima. Invariavelmente, navegadores não acostumados à regi-ão, ao fugirem dos navios, acabam encalhados.
Em tais condições fizemos o trajeto pelo GPS e com o olho no ecobatímetro. Ao despontar a Ponta de Itapuã, orçamos (manobra de aproximação, reduzindo o ângulo, em relação à linha do vento contrário) para a Ponta da Espia e navegamos ao largo das praias do Tigre e de Fora. Do Morro de Itapuã desciam ra-jadas de vento que forçavam o atravessamento do barco mesmo com genoa 3. Em seguida, o vento constante possibilitou uma navegada confortável.
Pelo rádio combinamos velejar paralelo à costa, com o Morro da Grota a bombordo e, depois, ru-mar direto para o farolete do Banco das Desertas. O nevoeiro havia dissipado um pouco, o sol fresteava en-tre as nuvens e era possível sentir o dia de mormaço, com temperatura alta para um dia de inverno, passando dos 20º e içando para os 28º, a máxima do dia.

Repentinamente, algo inusitado.
Fomos envolvidos por um nevoeiro que reduziu a visibilidade de 500 metros para menos de 50. O Kaingang navegava mais junto à costa, no visual do Forest, à distância de 300 metros. De forma instantânea, estávamos sós dentro da bruma. Mantivemos o rumo, acreditando tratar-se de uma densidade localizada e passageira. Entretanto, ao tempo que navegávamos para o sudeste, a branquidão engrossava. A lagoa dos Patos transformou-se em uma sauna. Entramos em contado pelo rádio e anotamos os rumos que fazíamos e as coordenadas em que nos encontrávamos. As gurias estavam mais à oeste e à frente. Porém, como rumá-vamos para um mesmo ponto, formando uma cunha, combinamos que, se não nos encontrássemos no cami-nho, o Forest esperaria no farolete das Desertas.

A Tina seguia calçada no motor. E eu, sempre que podia, ia poupando gasolina, pois o meu 15 HP gastava quase o dobro (dois litros por hora) do seu 8 HP e tínhamos a mesma quantidade de combustível. Usava vela mesmo com vento fraco, ligando o motor somente quando a velocidade baixava durante algum tempo dos 3 nós. Tais cuidados para uma navegada de 13,7 milhas náuticas (25.372,4 km) até o farolete e mais 12,6 mn (23.335,2 km) das Desertas ao canalete do Abreu, onde pernoitaríamos, para alguns seria um suplício. Mas eu andava sem tempo, abstraído em pensamentos. Duas horas depois, entre a bruma, o Forest mostrava, ao longe, sua imagem desmaiada para, logo, sumir, repetindo a cena várias vezes, como se esti-véssemos em um filme de fantasmas. A Tina havia decidido convergir mais para bombordo e reduzir a velo-cidade.

Nos encontramos há três milhas do farolete das Desertas. Quando chegamos nele, aproveitei para marcar as coordenadas por fora (S 30º32.626´ | W 050º50.365´), livrando o banco para quem ruma para o farol tanto de Itapuã como do Pontal do Abreu, pois havia encontrado pequenas variações em outros woi-ponts, alguns levando para cima do banco.

Contornamos a sinalização da ponta das Desertas e rumamos para o canalete, uma pequena passa-gem para a lagoa do Casamento no Banco do Abreu (S 30º22.097´ | W 051º03.265´).
Tarde sem vento. Calor. Dia atípico de inverno: 28º. Tivemos que motorar. Chegamos no canalete do Abreu ao anoitecer. A aproximação se deu em direção ao bosque de eucaliptos, com o marco geodésico entreposto, conforme o croqui do Manotaço.

Se não existissem relatos anteriores seria de assustar. Sobre o banco, a profundidade oscila entre 0,90 e 1,2 m. Na extremidade do Pontal do Abreu existem três ilhotas mais salientes. Entretanto, pelo ângulo da derrota de aproximação, o Pontal parece ser indivisível, e vai despontando, aos poucos a ilhota de sudeste e a abertura entre ela e a ilhota-do-meio, a maior. Apesar de convidativa, essa passagem é "falsa". A "verda-deira" é a formada pelo canalete entre a ilhota-do-meio e o Pontal. A noroeste da "do meio" existe uma ter-ceira ilhota, tendo entre elas um canalete assoreado. Deve-se deixá-la também por boreste. Na entrada do canalete do Abreu, as três ilhotas ficam para boreste.
As duas passagens entre as três ilhotas mais salientes são assoreadas.

Ingressamos no canalete margeando os juncos da ilhota-do-meio. Contornamos o Pontal e passa-mos o primeiro canaletinho a bombordo. Podemos denominá-lo de "falso" porque, apesar de fundo no início, é rasinho e une o canal principal à lagoa dos Patos, sem a possibilidade de navegação. Na verdade, forma uma ilhotinha, geralmente desconsiderada, mas que pode induzir ao seu ingresso. Prosseguimos e, a seguir, convergindo para o sul-sudeste (bombordo), entramos juntinho ao junco (de bombordo) na "sanga verdadei-ra". Seguimos uns 80 metros e atracamos no barranco de taquarinhas, unhas de gato, juncal e algum aguapé.

O Forest foi amarrado em um galho e o Kaingang em um fecho de taquarinhas.
Essa parte do Pontal, a bombordo da entrada do canalete verdadeiro, merece esclarecimento con-ceitual. Em que pese estar vigorando a nomenclatura de "sanga do Abreu", na verdade, todos os caminhos são canaletes, pois não existe nascente. A "sanga do Abreu" sai no "canalete falso", que se une à lagoa dos Patos. Ambos alternam as correntes conforme as alterações do meio ambiente, correndo ora para a lagoa dos Patos, ora para a do Casamento.
Dessa forma, a rigor, à oeste do canalete principal de entrada, para quem chega das Desertas, tem mais duas ilhotinhas.

Assim que atracamos, aproximamos as popas, passamos cabos nos cunhos, intercalando uma de-fensa para proteger os barcos. Anoitecia. O dia agarrava-se na sua derradeira luminosidade. O astro rei nos deu um pôr-do-sol melancólico e, a noite, por fim, nos envolveu.
Desde a montada do farolete das Desertas vinha preparando um quilo de charque para fazer o car-reteiro que havia prometido às gurias. Deu para passar três águas para abrandar o sal. Para comemorar nossa inserção naquele cenário mágico, abri mais uma garrafa de vinho francês de mesa, honesto e de bom preço, mais barato e infinitamente superior algumas produções locais, que mais gasta em mídia do que na enologia, além de especular com o sentimento regionalista para captar consumidor. Quem gosta de vinagre é radiche!

Abrindo os trabalhos, continuei a comportada devassa na caixa que tinha embarcado em Porto Alegre. Socializei o néctar com a tripulação do Forest. Transportei o fogão de duas bocas para o cockpit e o charque foi para uma rápida fervura. Mesmo com os cuidados anteriores, o excesso de sal prometia atrapa-lhar a janta. Joguei a água fora e passei a carne para a fase da fritura. Quando pronta, adicionei o arroz, mais uma friturinha com cebola, medida de água a preceito, panela tampada, uma celebração de vinho a Dionísio para quem ficara distante e à perspectiva dos nossos estômagos. Cumprido o ritual, foi servido molhadinho. Silêncio abismal! Ouvia-se apenas a bicharada miúda do Pontal e os uuuuuuhhhhhhh!... das gurias enchendo o ancoradouro.

Comedidamente, esgotamos a segunda garrafa de vinho e nos recolhemos para descansar, depois de uma navegada que iniciara, cedinho, na ilhota da Ponta Escura.
A semana prometia ser esplêndida. Mas, em seguida, começaram as edições ininterruptas da Ma-rinha, através das estações Porto Alegre Rádio e Osório Rádio, captadas pelos nossos rádios VHF de nave-gação. Alertava para ventos de força 7 (velocidade entre 50 a 61 km/h) e mar grosso para a área Alfa, a vigo-rar da madrugada do dia 19 até o dia 20. Embarcações não deveriam sair ao mar. O aviso valia do paralelo 30º para o sul. Apesar de estarmos em águas internas e teoricamente abrigadas, navegávamos próximos à costa atlântica, por dentro do continente, dentro da região de alerta geral.

Particularmente, sou desconfiado com dia quente no inverno. Carrego as palavras de um velho pescador. Em tom de profecia costumava dizer que era como um sugador de maus presságios trazidos pelas massas de alta pressão. No concreto, os anúncios da Marinha figuravam incompatíveis com a calmaria, o dia quentíssimo, e o céu estrelado do Pontal do Abreu.

No dia 19 (quarta-feira), o meu relógio biológico resolveu antecipar ainda mais o meu despertar. Acordei às 4:15. Liguei o rádio portátil AM de 12 faixas, inclusive com ondas curtas, instrumento indispen-sável para conectar o navegador com o mundo. Sintonizei numa das duas potentes emissoras da capital. E só confirmei a minha opinião sobre a inutilidade das previsões de tempo, apesar de feitas seguidamente durante a programação.
Os dois dados fundamentais jamais são referidos, ou seja, a força do vento e as condições do mar, pois são eles que informam situação de perigo. Chuva, temperatura, neve, "orientações" sobre uso de guar-da-chuva ou roupa são complementares. Não fazem sequer interpretação da leitura do barômetro.
Os avisos da Marinha e as previsões dos meteorologistas emitidos ao mesmo tempo para a mesma área pareciam uma fábula demente.

Além disso, comprova-se uma indisfarçável disputa de beleza entre os "analistas" do tempo, onde os temas vulgares e de humor tomaram o centro dos boletins. São "profissionais" insensíveis aos milhares de indivíduos cujas existências estão relacionadas com o tempo. Por óbvio, a previsão do tempo, como um ser-viço, deveria se preocupar com - oh!, grande conclusão - quem está no tempo, não exclusivamente com os urbanos, abrigados pela infra-estrutura e circulação das cidades. Para a cabecinha dos meteorologistas, chu-va ainda é mau tempo. A mentalidade classe média ainda vai nos afogar...

Navegando em pensamentos, enquanto não vinha sinal de vida do Forest, tomei mate com erva moída grossa, li, coloquei algumas coordenadas no GPS, lavei a louça do carreteiro da noite anterior e a roupa.
Nessa manhã, depois de concluir que se tratava de um entupimento crônico, resolvei dedicar uma ode a pia do O´Day. Rendi minha homenagem ao Pinga Fogo, que trocou a última mangueira e declarou que tudo funcionaria perfeitamente por gravidade. Pois cheguei à conclusão que, contando com o auxílio de al-guma bolhinha de ar, a pia do O´Day revogou, para espanto da Física e das forças do Universo, a força da gravidade. Maldição, água de pia de O`Day parece ter seu nascedouro na cabeça de uma mula e só desce quando quer. Gravidade, adernagem do barco, espichar e nivelar a mangueira, nada funciona. Pia de O´Day rege sua vontade pelos mistérios do acaso.

O discurso do Pinga Fogo me deixou com a cara de um antigo vereador do PTB que protestava pe-la demora na construção de uma ponte no Toropi. Convocado o departamento de estrada do governo, o en-genheiro responsável foi atropelado pelo edil. Não tendo mais como convencer o petebista com argumentos técnicos, disse-lhe que o que estava impossibilitando a execução do projeto era a lei da gravidade. No ato, o edil apartou: "Então, vamos revogar esta lei!" Vendo em que ninho se metera, o engenheiro retorquiu: "Mas, vereador: é uma lei do finado Getúlio Vargas". Bom, nesse caso, a Câmara aceitava os argumentos...
Pois, agora, pasmem!, o O´Day, com o conluio do Pinga Fogo, revogou a lei da gravidade. Conclusão, o Pinga - ou mesmo o O´Day - pode ser vereador...

Depois de terminar a harmonização dos acordes de minha sinfonia a pia, pois um vanerão poderia acabar em pranchaços de facão naquela maldita, tentei adotar a segunda sugestão do Pinga Fogo. Depois de meia hora, quando a Tina botou a juba descabelada para fora da gaiúta, eu já estava papudo assoprando uma mangueira que havia enfiado na pia. Outra bela orientação do Pinga Fogo, o homem que mais entende de O´Day. Imagino o que podem fazer com a gente quem desenvolve experimentações nos nossos pobres bar-cos. Mas perdôo o Pinga porque posso não ter contribuído na homologação da lei da gravidade, porém aca-bei fortalecendo minha capacidade pulmonar. Frente à cena, a Tina me contou a sua experiência com a pia do Forest, preferindo abandoná-la, adotando uma bacia. Foi o que fiz. Procuro um destino, agora, para aque-la mangueira que paguei os tubos nas Ferramentas Gerais, está me ouvindo Pinga Fogo?

A seguir comentamos os avisos da Marinha da noite e que não cessavam durante a manhã. Então, em razão da ameaça de ventos fortes, resolvemos fazer uma navegada curta e nos abrigarmos na sanga Pi-menta.
Saímos do canalete do Abreu e, acompanhando a costa, rumamos para o norte-noroeste. Particu-larmente, não gosto de entrar em sanga, apesar delas representarem o ingresso em lugares belíssimos e ex-clusivos. No geral, as bocas das sangas são assoreadas. É comum o encalhe. E, mesmo, com a alteração no nível da água, ficar preso dentro delas, esperando condições favoráveis para poder sair.

Na entrada da Pimenta se cumpriu a regra. O Forest encalhou na entrada devido à colocação de uma bandeira de rede de pesca no local mais profundo. Aproximei-me, mudei a bóia de lugar, joguei um cabo e puxei o veleiro para dentro da sanga, que tem boa profundidade, com poços de até 3 m. Seguimos e, há 150 m, na primeira curva para boreste, atracamos na barranca, ficando completamente abrigados.

Fizemos rápida prospecção no entorno. Escolhemos o lugar para o fogo na reversa de um barran-co, complementado por um matinho de boa proteção interna. Ali seria praticado o ritual de um quarto de ovelha, da marca da Polaca, sacrificada e importada desde a fronteira. Como estávamos pessimamente aparelhados, incorporamos o espírito da gauchagem e nos esbaldamos no improviso. Nada de carvão. O negócio seria na lenha. As gurias fizeram uma primeira coleta pelas margens e nos caponetes ao redor, onde encontraram alguns tocos de puro cerne, trazidos pelas águas.
Com o facão da Tina, de inofensivo fio, porém que pode matar de tétano ao mínimo arranhão dada a colônia de ferrugem, fizemos um buraco no chão. Para compensar o esforço, a Sandrinha trouxe a primeira caipirinha. Cortamos algumas forquilhas para sustentar os espetos e a grelha. Logo, umas cervejinhas gela-das. Prendemos fogo, encostamos os espetos para um assado ao estilo fronteiriço - na labareda. Assador que se presa faz seu trabalho entre 45 minutos à uma hora. Toda carne temperada apenas com sal que ultrapassar esse tempo no fogo é outra coisa. Precisa do artifício de temperinhos, salmorinhas para não secar e tirar o ranço da gordura que não pinga (e que verte incessantemente no churrasco gaúcho), voltinhas de espetos e tantos outros penduricalhos que, ao cabo, fica tanto tempo nessas frescuras que, talvez, não precise sequer de fogo. O próprio sol poderia fazer o serviço. "Assador" que tem medo, que fica com os espetos de longe, tipo gato escaldado, que teme "tourear" a carne no fogo, que vá lidar com forno, dizia um velho campeiro de Tiaraju, pelas bandas de São Gabriel. Isso que ele não conhecia microondas, pois poderia ampliar os argu-mentos de sua sentença.

Toda receita se resume em uma prova: o paladar. Sobre isso que se manifestem as gurias!
Depois do churrasco jiboiamos um pouco, conversamos, recolhemos os cacarecos e aproveitamos para fotografar. Defumado com matizes de graxa de ovelha, joguei-me novamente na sanga. Xampu e sabo-nete no lombo, mas os olhos nos aguapés. "Há muito deixei de brigar com jacaré", lembrei-me da frase de um atochador que tomava banho apenas de gamela. Quando voltei ao convés, entrou um velho pescador com o seu auxiliar na Pimenta, passou por nós, e convergiu a bombordo na segunda curva da sanga. Fora recorrer as redes (os espinhéis?). No retorno, sem peixe, encostou a contra-bordo no Kaingang para uma charla. Logo manifestou sua admiração em relação aos veleiros.
Queria saber de onde éramos e aumentou seu espanto quando soube que eu vinha desde Porto A-legre. Pediu informações sobre o funcionamento das velas e, logo, especulado, fez descrições sobre o lugar. Respondeu que sua graça era Feijó. Ofereceu sua casa e, se desse peixe no outro dia, nós também comería-mos. Queixou-se da vigilância do dono das terras, que não deixava ninguém pescar, despediu-se, deu mani-vela no motor e seguiu seu cotidiano, constante e eterno. Não, sem antes, virar sua velha cara açoitada pelo tempo para o Forest e iluminar-se com a sua tripulação na faina. Eta mundo velho!, deve ter chispado um raio de poesia em sua cabeça.

Em seguida larguei o mosquiteiro sobre a gaiúta. Não pelas picadas, pois tenho couro grosso, mas pelos zunidinhos azucrinadores que me dão nos nervos, lembrei da gabolice de outro sujeito garganta. Ao anoitecer, me recolhi. Fiz um chá de hortelã, a moda de janta, para rebater a carne de ovelha. Liguei o rádio AM para ouvir impressões sobre o mundo. Depois da Voz do Brasil acompanhei a jornada esportiva e dei uma cuidada no Inter, que ganhou de 2 a 0 dos equatorianos da LDU. Nenhum comentário sobre às condi-ções do tempo. O futebol era tudo, o mundo seu sentido...
Às 23:25, Porto Alegre Rádio e Osório Rádio retomaram com mais intensidade os avisos de vento forte e mar grosso na área Alfa. Poderia sobrar para nós uma beirada, atracados na Pimenta, dentro da latitu-de 30º. (Ancoradouro da Pimenta: S 30º17.085´ | W 050º47.034´)

No dia 20 de julho de 2006 (quinta-feira) acordei às 4:00. Como não gosto de dormir dependurado em barranca, permaneci, à noite, perscultando com o radar de um olho entreaberto. Liguei o rádio AM e deixei-me ficar, sonolento, no leve balancinho do barco, com a água da correnteza batendo na popa. Às 6:00 resolvi levantar, fazer o chimarrão e esperar o dia amanhecer. Ele chegou com a algaravia da bicharada. Veio-me uma imagem de criança, com a minha vó Laura Torres ouvindo a característica do programa de rádio do Canário Alegre: “Tatu bola se atirou n´água, nem o casco ele molhou, lambari deu uma risada, ca-pivara não gostou...” Jacus caminhavam solenes na barranca, próximos à borda. Os biguás recortavam o céu. O João Daniel (Jodan), mediador do grupo Velejadores do Guaíba, que acha que um biguá já incomoda, teria enlouquecido...

Ao clarear, o vento norte começou a tremular a bandeira do Brasil atada no backstay.
Às 7:30 passou o pescador Feijó com seu auxiliar metido em um macacão-de-tempo verde-abacate. Cumprimentou e dobrou a curva da sanga. Quando retornou seguiu direto. Tudo indica que não deu peixe. Aproveitando a cena, o Paulo Coelho escreveria uma obra que se poderia chamar A triste figura do pescador na curva do rio, e aumentaria a sua conta bancária em mais alguns milhões. Fiquei apenas obser-vando a melancolia do velho pescador na geografia tristonha da manhã como um quadro que parece ir se apagando no tempo.

Do Forest nenhum sinal de vida no cockpit. Resolvi lavar o Kaingang e algumas peças de roupa. Icei o tormentim (vela pequena de proa para vento forte) para secar que havia usado no dia anterior. Depois, troquei-o pela genoa 3, deixando-a sobre o convés, para levantá-la quando saísse à lagoa. Por fim, movimen-to das gurias. Tomaram café com as costumeiras torradas e se aprontaram para zarpar. Tirei mais algumas fotografias e nos colocamos em movimento. O vento norte do amanhecer, à meia manhã, firmara do nordes-te. Temperatura de 18º em pleno inverno. Perfeito para velejar.

Na saída da Pimenta, entretanto, pequeno problema. A Tina, autoridade em sanga, passou chutada pelo assoreamento da entrada/saída, limpando o fundo do casco na areia. Eu vinha atrás, na manha. Por ób-vio, encalhei. O Forest retornou, lançou-me um cabo e me puxou para fora.
Nossa primeira pernada seria até o rio Morto. Teríamos que despontar o Banco do Furado, no meio do caminho. Com rumo verdadeiro 112º, montamos o banco 3,8 milhas adiante, e convergimos para nosso destino, arribando (contrário de orçar; consiste em abrir o ângulo da proa em relação à linha do vento contrário) um pouco mais para nosso bombordo, para percorrer a costa da Ilha Grande, fotografar os juncais e os cavalos "selvagens".
Às 11:10, os avisos da Marinha alertavam para ventos fortes na área Alfa até a latitude 35º. Ao contornar o Banco do Furado, passamos a encontrar muitas redes e barcos de pescadores.

À meia-tarde, chegamos no Rio Morto, com uma barra de baixio assustador. Demos pouquíssimo seguimento, observando permanentemente o ecobatímeto. Já dentro, a profundidade aumentou, porém a quantidade de tocos no fundo, pontilhando a tela do sonar, é de tirar a paciência.
A Tina lançou âncora e o Kaingag encostou a seu bombordo. As gurias ofereceram a cachacinha com butiá que vinham bebericando. Bordo a bordo, preparou-se o almoço, iscas de filé, com arroz, batata palha e, para beber, guaraná.
Como ainda tínhamos tempo, decidimos pernoitar na sanga Helena. Suspendemos o fundeio e zarpamos.

Cruzei o canal Monjolo, entre a Ilha Grande e a Fazenda das Almas, à vela. Superando o baixio da entrada noroeste, sua profundidade é impressionante. Em alguns trechos chega a 10 m. Na saída do Monjolo rumamos para o Sul, empopados e com vento fraquíssimo. Pelo rádio VHF, a Tina sugeriu que atravessás-semos a lagoa e velejássemos até a sanga Cavalhada. Assim, mudávamos nosso lugar de pouso, aproveitan-do para uma velejadinha de través no final da tarde. Viramos as proas para o sudeste e prosseguimos. Em seguida, o vento, virando para o nordeste, foi apertando gradativamente.

Chegamos, por fim, na sanga Cavalhada. A Tina fez a primeira tentativa de entrada, e encalhou. Deu atrás e tentou novamente, um pouquinho para boreste; insistiu mais para bombordo. Faltava sanga e não tinha calado. Lancei âncora, aguardando o resultado daquelas investidas da Tina na foz da Cavalhada. O Forest, como um Quixote, investia, encalhava e cumprimentava o continente. Por fim, a Tina desistiu e se aproximou para conversarmos. Poderíamos pular na água, procurar um lugarzinho mais fundo naquele asso-reamento, adernar pela adriça e ingressar. No entanto, tudo que entra precisa sair. Se baixasse a água poderí-amos não sair no outro dia. A velejada poderia virar um prolongado confinamento naqueles cafundós. Anoi-tecia. O vento norte-nordeste entrava direto na pequena enseada onde estávamos. Teríamos que buscar uma reversa mais favorável. Decidimos retornar ao Monjolo. Com a força do vento aumentando, empreendemos a volta, já dentro da noite, velejando apenas pela bússola e pelo GPS. As redes eram nossa maior preocupa-ção. Na metade do caminho, sem enxergar, bati em uma bóia que raspou pelo costado de bombordo.

Enfim, o negrume dos contornos da Fazenda das Almas e da Ilha Grande se delinearam, baixamos velas, e entramos a motor na boca do Monjolo. Fundeamos nas coordenadas S 30º24.225´ | W 050º37.488´.
Aumentei o cabo de ancoragem e, remando com o leme, aproei na popa do Forest. Apesar do aper-to na travessia, resolvemos comemorar as 34 milhas náuticas navegadas no dia com uma janta. Descarnei o que tinha sobrado do quarto de ovelha do dia anterior, piquei e passei a Tina para dar continuidade ao man-jar. A comandante do Forest colocou em uma forma, adicionou seu tempero especial (dizem que guardado dentro de um baú centenário), e levou ao forno com queijo coalho. Depois de pronto, a fornada foi servida com uma guarnição e pãezinhos tostados. Tudo regado a vinho francês, que ninguém é de ferro. Algo de fazer inveja a um abade glutão. Alimentados, porém cansados, não aumentamos a conversa. Às 22:30 retor-nei ao Kaingang, soltei a amarra e encurtei o cabo da âncora para não batermos caso viéssemos a girar du-rante a noite com a mudança do vento. Dormi de gaiúta aberta, premiado por um céu que foi estrelando completamente com o avanço da madrugada.

No dia 21 (sexta-feira) despertei às 5:00. Liguei o rádio AM e permaneci deitado mais uma hora. Durante a noite, os veleiros tinham girado, por força da correnteza, e invertido as posições, aproando para o noroeste. Mais uma vez teríamos vento na cara, pois havíamos decidido passar a próxima noite novamente no Pontal do Abreu para, dali, retornar a Itapuã. Do nosso ancoradouro até a sanga onde dormiríamos a dis-tância é de 18 mn em linha reta. Entretanto, teríamos que despontar o Banco do Furado e velejar dando bor-dos até a margem oposta do Jacarezinho, quando pegaríamos vento favorável até nosso destino.

Ao clarear do dia iniciou o movimento de pescadores no Monjolo. Passavam perto para examinar os veleiros. O esvoaçar de biguás e garças expressavam a grandeza do lugar.
Às 10:00, levantamos âncoras e zarpamos. Atravessamos o Monjolo e, ao sair em sua boca de no-roeste, cambamos para a ponta norte da Ilha Grande. Velejamos até próximo da costa e cambamos para nos-so bombordo em direção da Ilha do Furado, onde cambamos, novamente, rumo a Ponta do Jacarezinho. Des-sa margem, se prolonga um banco de areia de profundidade baixíssima, que se estende quase até a ponta da Ilha Grande. Embarcações de maior calado têm apenas o canal formado por esse banco e a ponta da ilha, além do canal Monjolo, para chegar em Palmares do Sul. Na verdade, esse banco e a Ilha Grande dividem a lagoa do Casamento ao meio.

A quantidade de bancos de areia, baixios, canaletes e ilhotas fazem da lagoa do Casamento espaço náutico de muitos labirintos, cujo domínio ou desconhecimento dos navegadores a povoam de histórias e lendas.
Nessa pernada, o vento apertou e a onda cresceu. Diversas redes cortavam a lagoa do Casamento. Muitos barcos de pescadores recorriam as redes no leito de água verde.

Da raiz do banco, o Forest seguiu junto à costa e o Kaingang, mais pelo meio, rumou para o cana-lete do Abreu.
Ao chegar no Pontal, às 15:00, fizemos uma recorrida entre as ilhotinhas para fotografar. Aprovei-tei para realizar diversas marcações de coordenadas. Depois entramos no canalete-ancoradouro e atracamos na margem. Enquanto a Tina se encarregou do almoço-janta, juntamente com a Polaca e a Sandrinha, de bote e a remo, fui explorar a "sanga" que segue para a lagoa dos Patos, mas que, ao se encontrar com o "ca-nalete falso", forma uma barra falsa.
Retornamos ao Forest, onde fumegava uma massa com galinha que, aquela hora, era uma verda-deira tortura. Mal sabia eu o que me reservava tal guloseima. Em seguida, as gurias resolveram remar até a barranca da alagada do marco geodésico e explorar seu entorno.

Fiquei no Kaingang fazendo a faina de bordo.
Aproveitei para tomar um banho de convés com baldadas de água tirada da “sanga”.
Enquanto as gurias seguiam em expedição, a massa e seus temperos colocaram-me sério questio-namento estomacal que me levou a três sessões filosofantes durante a noite, intercaladas com canecas de chá de camomila e dois Buscopan. Na madrugada, prevendo o que poderia acontecer na longa navegada progra-mada para o dia, procurei garantir a situação com um Imosec. Remédios para filosofias intempestivas são indispensáveis ao velejador. Quando as gurias retornaram batendo remo e passaram junto ao Kaingang, ini-ciava o primeiro embate metafísico. Velejar não é somente enquadramento de pôr-do-sol, flutuar em um cartão postal, imagens amorfas mostradas aos amigos. Singrar é enfrentar também outras tempestades.

No dia 22 (sábado), depois de uma noite intercalada de desafios socráticos, aristotélicos e metafí-sicos (desarranjo não dá chance à dialética), levantei definitivamente às 6:00. Preferi não dar chance aos elementos insurrecionais que tramavam clandestinamente nas profundidades de minhas entranhas e troquei o chimarrão matinal pelo composto de chá de camomila e hortelã. Desatracamos e partimos às 7:30. Até o farolete das Desertas teríamos 12,6 mn.
A saída do canalete do Abreu e a navegação pela sua costa é um pouco assustadora. Percorre-se em torno de 1,2 mn por cima do banco, com profundidade de 0,90 a 1,20 m. O mais prudente é entrar na lagoa dos Patos e acompanhar a costa no sentido oeste até uma linha imaginária entre o bosque de eucalip-tos, o marco geodésico, em terra, e o farolete das Desertas, rumando para esse ponto.

Quando ingressamos na lagoa dos Patos com vento norte-noroeste, apesar de fraco, parecia que te-ríamos uma bela velejada de través e/ou 3/4 de popa. Entretanto, sua força foi minguando para uma brisa, obrigando-nos a ligar os motores. Logo o sol tornou a manhã agradável. Tirei a camisa em pleno dia de in-verno e fui curtindo o couro, de bermuda e pé no chão.
Às 10:30 montamos as Desertas. Parecia que o vento, com seu humor inconstante, nos esperava nessas coordenadas.
O vento ficou na cara e prometia uma velejada de muitas cambadas, com o barco rolando um pou-co em virtude da bolina encalacrada no patilhão devido à encalhada. No ano passado coloquei um cano de aço inox por dentro do cano de pvc por onde corre o cabo da bolina. Assim solucionei um ponto frágil do O´Day, pois a fricção do ferro que normalmente se usa para baixar a bolina termina causando infiltração de água. Com o passar do tempo, a bolina de fibra também incha e, acrescida a contribuição de peixes, areia e outros entulhos, etc., quando encalacra é um pesadelo. Para quem não precisa manter o projeto original de-vido as exigência de medidas para regatas, uma solução é reforçar o eixo, transpassando o patilhão, e colocar uma bolina de ferro.
Que monstro daria o rebento da cruza da bolina com a pia!?

Do farolete das Desertas até a bóia de entrada do canal de Itapuã, próxima ao farol, são 13,7 mn em linha reta. As cambadas, para navegar em zigue-zague, aumentaria o percurso em torno de 40%. Com a proa ora no rumo do Morro da Formiga, ora no Morro da Grota, fomos avançando. Depois de uma hora, o vento aumentou e a onda começou a crescer. Aquele quadrante já tinha me presenteado com 55 nós em um Bruma 19 há anos. Não desejava ser surpreendido novamente, mas permaneci com a grande sem rizar e com a genoa 3.
A Tina, com sobra de gasolina, calçou no motor, cambou para o lado das Desertas, deu uma forra na vela grande, e pegou a reversa do Morro da Grota para se proteger.

Subjetivamente tinha a vontade de testar o O´Day na lagoa dos Patos, com ventos acima da pru-dência e velado. Carregava uma frustração. Retornara desde o través do farolete do Barba Negra à praia do Sítio, em uma lestada de verão, solidário com a companheirada que não estava para aventura. Agora, sozi-nho, era a hora. Lacrei a gaiúta e fui avançando apenas à vela. Tinha espaço para correr com o tempo se fosse necessário...
Motor ligado em mau tempo, quando a rabeta sai para fora da onda, devido ao seu barulho no va-zio, cria um ambiente ainda mais alarmante. É como a trilha sonora de uma tragédia.

Tomadas as providências, logo o zunido do vento no aumento das rajadas começou a desprender as cristas das ondas. Com pouco espaço entre elas, as ondas da lagoa parecem um batalhão com fileiras em ordem crescente, correndo em sua direção para lhe atropelar. Três delas, além de tudo, passaram sobre o convés. E o O´Day resoluto, fazendo de 5 a 7 nós na orça. Como não tenho estação de vento, a sua força é calculada no "olhômetro", observando seus efeitos na natureza. No outro dia, ao chegar no Iate Clube Guaí-ba, o Ademir Gigante, que estava navegando no Guaíba no mesmo momento, me informou, fundamentado naquela parafernália eletrônica do Entre Pólos: "deu 32 nós" (59 km/h). Bueno, para mais ou para menos, na lagoa foi em torno disso. Para o causo ficar melhor poderia até dar uma aumentadinha... Obviamente sem transformar brisa em furacão como se lê por aí.

Cheguei no farol à vela, observando um navio que vinha contornando a ilha do Junco. Calcei no motor, entrei no canal, passei o farol e convergi a boreste para livrar o navio, rumo ao Morro do Campista. Nesse momento, fui chamado pela Tina que já estava próxima ao Clube Náutico Itapuã. O veleiro Piazito, para fugir do mesmo navio, saiu do canal pelo oeste. Encalhou e, quando desadernou, cravou meio metro de sua quilha de 1,60 no baixio. Pedia socorro. A Tina solicitou que desse uma olhada.

Entrei em contato com o Sílvio, que estava sozinho no Piazito, batendo e girando sobre a própria quilha como um pião. Baixei as velas e rumei para o ponto de encalhe a motor. Novamente, pelo rádio, soli-citei que ligasse também o motor e, forçando, tentasse girar a proa para o canal, rumo a Ponta da Fortaleza, e levantasse as duas velas. Aproximei-me observando o ecobatímetro: 0,90, batendo levemente no fundo na cava da onda. Lancei-lhe um cabo, que ele prendeu no cunho de proa, e tentei rebocá-lo. Fiz várias tentati-vas. Nada! O Piazito nem mexia e a estrutura do cunho de popa do Kaingang ringia, parecendo na iminência de estourar. A solução era a clássica: adernar o Piazito para diminuir seu calado. Já tinha passado por isso na coroa do Ceroulas, na seca do ano passado, e somente sai com o socorro do Jorge Lessa, o guardião do Ara-do.

Solicitei ao Sílvio que ele tirasse o cabo do cunho de proa e atasse na adriça, que tentasse fazer pegar o motor para auxiliar e ficasse com o rumo na Pedreira. Dei motor deitando o Piazito pelo tope do mastro, gritando para que o Sílvio não poupasse motor. Quando o veleiro começou a se mover rumo ao ca-nal, um sorriso brilhou em seu rosto. Já safo, larguei o cabo da minha popa, pedindo-lhe que me devolvesse depois. E, ao fim da tarde, com a gasolina quase no cheiro, rumei a motor para o Clube Náutico Itapuã. Chamei o Neguinho das Gurias pelo rádio VHF e solicitei que arrumasse uma vaga. Para o dia já estava bom.

Cheguei na boca da noite. O CNI estava lotado. Com o veranico em pleno inverno, o pessoal foi à água. Sem box, atraquei o Kaingang na linha dos palanques de amarração de popa, ficando com a saída para o trapiche pelo convés do Dom Ricardo. Depois de três dias exclusivamente "flutuando" pisei em terra fir-me. As gurias do Forest preparavam um churrasco para esperar os familiares. Logo, chegaram os maridos da Sandrinha e da Polaca com as proles. Demos início à outra navegada, a da culinária, com o Neguinho manejando os espetos, enquanto fazíamos relatos resumidos da viagem, regados a cerveja gelada e um lastro de queijo provolone. Antes da janta tomei aquele, mas aquele banho! Comi e furtivamente fui me recolhendo para o Kaingang para estirar o "cadáver". O balanço das ondas foi substituído pelo sacolejar dos grupinhos de fank e rock que faziam um show sofrível na prainha ao lado do clube. Seguro no CNI, nenhum som "ba-te-estaca" conseguiu substituir meu sono.

Durante a noite, o vento virou e entrou do Sul, com o tempo fechado. Como de costume, no dia 23 (domingo), acordei chamando o dia, fiz o chimarrão e fiquei observando o que poderia dar aquela virada. Ao ir para o trapiche, muitos já tinham desistido de retornar às suas marinas navegando. Deixariam ali os barcos para buscá-los em outra oportunidade. Ainda tinha que abastecer, mas o Silvio do Piazito se ofereceu para retribuir a gentileza do auxílio na desencalhada e cedeu-me 10 litros de gasolina. Alguns alarmistas, olhando para o Sul e para as ondas de Itapuã, faziam previsões catastróficas. Lembravam agora dos avisos da Mari-nha. Apesar dos alarmes, resolvi zarpar às 10:30. Por segurança dei um rizo na vela grande, icei a genoa 3 e sai à barra colorindo o horizonte.

O sul-sudoeste prometia uma navegada favorável até Porto Alegre. Sai com uma orça folgada até o Morro do Coco, logo deu través, com a onda estourando no costado de bombordo, até a Ilha Chico Manoel, passando a 3/4 de popa até a Ponta Grossa e o popa até a bóia da Piava. Cheguei no Iate Clube Guaíba às 15:00. Singrar em torno de 20 mn em quatro horas e meia, uma maravilha! Tranqüilidade e segurança! Para uma comportada aventura de oito dias estava de bom tamanho. Voltava com a cabeça povoada de idéia para uma história da lagoa do Casamento.

 

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