Diário de bordo do Congere
Diário da primeira viagem depois do renascimento
João Pedro Wolff


[popa] O Congere é um German Frers de alumínio, com 77 pés. Em Fevereiro de 1990 encalhou e logo foi depredado na costa do RGS, ainda com bandeira americana. Foi adquirido e reformado em hangar do Veleiros do Sul, em Porto Alegre, durante todos estes anos. Desde o resgate até novamente ser posto n'água, tudo foi avantajado na história do Congere.


É com grande satisfação que partilharemos alguns flashes da aventura da primeira viagem do Congere de Porto Alegre a Salvador extraídas do diário de bordo.
A todos uma boa leitura

19/08/06

Chegou o dia, depois de anos de reforma e preparo, chegou o grande momento da partida.
Foi emocionante este momento, pois havia uma multidão de pessoas acenando e desejando boa sorte na saída do Veleiros do Sul. Parecia que carregávamos naquele instante o sonho de muitos de estar ali e de que o projeto desse certo.
A tripulação era:

Sérgio Neumann (O Comandante)
Niels Hemp
Cícero Hartmann
Roger Glomb
Carlos De Leo
João Pedro Wolff (O escriba)
Paulo Ribeiro
Homero Jobim
Antonio Motta

Saímos as 16:00 com um vento oeste de aproximadamente 25 nós, o que nos levou muito bem até o Banco Dona Maria na Lagoa dos Patos.
Mesmo a configuração de velas sendo a trinqueta e a vela mestra no segundo rizo, estávamos andando muito rápido para chegarmos ao amanhecer na entrada do canal da feitoria.
Sendo assim,descemos a mestra e demos uma boa amarrada na singradura por umas três horas durante a madrugada.
Como sempre ocorre nas navegadas na lagoa o vento rondou para sudoeste o que significou vento de proa ( como dizíamos, nos queixos).
A partir daí, ganhamos uma visitante constante, as ondas que embarcavam em série no contraventro.
Como as condições do tempo estavam se deteriorando cada vez mais e de um vazamento que encontramos no filtro do motor, optamos por entrar em Pelotas. Claro que para dar mais emoção, demos uma encalhada na entrada do canal do São Gonçalo que esta assoreado a boreste na entrada.
Quando chegamos a Pelotas o Motta nos deixou em função de seus compromissos profissionais

20/08/06

Depois de um bom banho, e de uma noite bem dormida, iniciamos alguns ajustes no barco, como melhoramento dos Lasy Jaks, abastecimento de água, diesel, reaperto do Stays, conserto de um vazamento de água na cabine de boreste entre outros.
A recepção do Saldanha da Gama como sempre foi muito calorosa. Cabe ressaltar que isto vale para todo o velejador que chegue por estas paragens. Já tive oportunidade de chegar por aqui com uma embarcação bem menor e a recepção é sempre muito calorosa. As instalações são simples, mas funcionam e lhe proporcionam conforto e segurança para uma boa parada. Recomendo a todos.
A vida social foi agitada nestes dois dias que tivemos por aqui, com várias visitas sendo intercaladas ao longo do dia. Foi aqui que recebemos o telefone via satélite provisório para nossa comunicação em alto-mar pelo grande Bardoo. Ajudou bastante o uso deste telefone enquanto não chegava o telefone definitivo do capitão

22/08/06

Alvorada festiva as 6:00 hs da manhã com temperatura externa de 2,6 °C.
As 7:00 hs estávamos navegando pelo São Gonçalo em direção a lagoa com um cenário belíssimo sem vento nenhum.
As 9:30 estávamos tentando encostar no posto BR do molhe da saída de Rio Grande, mas devido a correnteza, terminamos encostando no posto Ipiranga, que é mais abrigado.
As 11:00 estávamos na ponta do molhe, começando nossa jornada pelo Atlântico Sul até Salvador.
Em relação a ressaca que fechou o porto nos dias anteriores, o mar não dava sinais da mesma e o vento era na intensidade correta. O speed variava dos 9 ao 12 nós. O moral de todos esta em alta.
A janta foi cordeiro na panela com batata e arroz fantasia (os cozinheiros se esmeraram ao longo de toda navegada)
As 22:00 o primeiro percalço no Atlântico, que foi nossa bateria de serviço que arriou e ficamos sem instrumento e piloto automático. Trocada a bateria, passamos para a recarga através do gerados que resolveu parar aleatoriamente.
Este temperamento adolescente do gerador nos acompanhou ao longo de toda a navegada, mesmo com a visita do representante do gerador no Rio de Janeiro

23/08/06

Em 24 horas 205 milhas sem motor : Maravilha
O Niels conseguiu alterar o circuito elétrico e a bateria de serviço passou a ser recarregada pelo inversor que é alimentado pelas baterias do banco principal, que são alimentadas pelos 2 alternadores do motor.
Tivemos banho na popa e churrasco
Nosso rumo é o 60° magnético, direto para cabo frio e as 16:00 hs estamos no través de Criciúma. Como diz o Cícero, ligamos o fedorento ( motor turbo diesel que apesar do apelido do Cícero este moderno motor tem um nível de emissões baixo).
A temperatura ambiente já não tem mais nada a ver com aquele frio que passamos no início.
Pelo rumo que estamos fazendo, cada dia o sol nasce e se põem em um horário diferente. Bem interessante a teoria sendo constatada na prática.

24/08/06

Estamos em águas profundas (mais de 1000 metros). A singradura em 24 horas foi de 191 milhas
O capitão inspirado preparou um charqueteiro que foi aprovado por todos com direito a salva de palmas .
Demos uma parada no meio do Atlântico para um banho de mar e uma inspeção na quilha, no casco e no leme.
Como estava com equipamento de mergulho, fui eu quem executou esta tarefa. Não gostei muito da sensação, pois não há referencias na água e a visibilidade é muito grande. Para todos os lados que se olha só se enxerga o infinito azul.
Sem dúvida nenhuma a imaginação viaja nestes momentos e a musiquinha do filme Tubarão fica retumbando na cabeça. Coisa de paranóico urbano.
Fora o meu desconforto e um arranhão na lateral da quilha, tudo OK.
O primeiro tanque de água doce de 500 litros se foi. Esta na hora de racionar os outros 500 litros
O vento esta torcendo para a proa pelo leste. Já não estamos apontando mais para o Cabo Frio, mas estamos a 140 milhas da costa.

25/08/06

Singradura de 172 milhas em 24 horas. O contra vento começa a mostrar seus efeitos .
Ouvimos pelo rádio uma chamada geral informando que as 14:00 do dia 26/08/06 haveria exercício de tiro na restinga da Marambaia e que as embarcações não se aproximassem da área. Analizando o rumo e a velocidade, conclui que passaríamos por ali bem no horário previsto para os tiros.
Bem a tripulação deu risadas quanto as minhas preocupações e que meus cálculos poderiam estar equivocados, mas o que terminou acontecendo foi que o vento melhorou o rumo e ganhamos velocidade, o que terminou antecipando nossa passagem para as 8:00 na restinga do dia seguinte.
As 16:00 hs do dia 25 estávamos num contra vento forte tomando ondas e batendo bastante.

26/08/06

O trafego de embarcações nesta região é intenso e tivemos uma noite bem movimentada do dia 25 para o dia 26. O rumo do vento melhorou e as ondas diminuíram.
Quando fomos cambar para ir em direção ao Rio, a trinqueta despencou. A adriça rompeu. Como o vento seria folgado, abrimos a genoa e ai sim começamos a voar a 11,5 nós em direção ao Rio.
Como é encantadora esta chegada no Rio com tempo bom. É sempre um espetáculo.
Nossa chegada na Marina da Gloria foi as 11:00 hs..

Resumo da perna de Pelotas ao Rio:
793 milhas
99 horas
8 nós de média
Optamos pela Marina da Glória em função da localização e do calado (afinal os VOR ficaram aqui)
Aqui na Marina da Glória no primeiro dia tive de tomar banho frio pois os chuveiros estavam estragados (sistema elétrico). Minha expectativa a respeito desta Marina era bem maior do que o que realmente encontrei.
Coisas da vida.
A referência do Veleiros do Sul ou até mesmo do Iate Clube de Rio Grande não são um bom parâmetro para o resto do pais.
O pessoal da loja da Nautos que são parceiros da Farol prepararam um churrasco a moda carioca em um trapiche perto da onde ficou o Congere.
Num translado deste tamanho, quando se está em terra,se esta resolvendo problemas (o gerador), abastecendo (água,combustível e mantimentos) e providenciando novas previsões do tempo além de pegar dicas com quem conhece melhor a região. Sendo assim, apesar de o sono poder ser melhor (a embarcação a princípio não sacode) a quantidade de coisas a fazer normalmente é maior do que o tempo disponível até a hora prevista para saída. Faltou esclarecer ainda que a Marina da Glória também é um Point de festas em escunas que partem dali cheias de fuliões aos sábados(dia em que chegamos) que esquentam suas turbinas até as 23:30hs mais ou menos dentro da marina, deixando para você duas opções para sua vida noturna: ou você vai a festa junto ou você espera até as 23:30 para acenar para galera saindo de escuna para o mar. Vivendo e aprendendo.

27/08/06

Dois de nossos companheiros nos deixaram nesta parada, o Carlão e o Homero, fazendo com que nossos turnos tivessem de ser totalmente reestruturados. Partimos da Marina as 16:45 hs, em direção a Cabo Frio. O vento era um sudoeste fraco o que nos obrigou a manter o motor ligado.
Até o Cabo Frio tivemos corrente contra de 2 nós e um tráfego infernal de pesqueiros por todos os lados. Como num passe de mágica, ao montarmos o cabo ambos sumiram.
Quem continuou nos acompanhando nesta etapa foram as vagas.
Na madrugada do dia 28, o piloto automático resolveu assumir o temperamento adolescente do gerador. Ou seja, funcionava quando queria.
Quando o Niels me passou o turno as 4:00 hs, passou meio incomodado por não conseguir resolver o problema.
Olha manual daqui e dali e chego a conclusão que terei mais uma vez de entrar no buraco do gerador onde fica a parte mecânica do piloto automático no quadrante do leme. Que trabalheira a esta hora da manhã, mas menos mal que assim que cheguei encontrei o problema: um dos braços do piloto se soltou do quadrante. Saí do buraco novamente, providenciei as ferramentas corretas para o conserto, mais uma trava química e o problema estava resolvido.

28/08/06

Durante a manhã o ventou rondou para sudeste ainda fraco. Estávamos com todo o pano em cima e calçados no motor. Será que vamos conseguir parar em Abrolhos?
A tarde depois de cruzarmos o cabo de São Tomé o Cícero pegou o primeiro peixe de toda este traslado, depois de mais de 900 milhas puxando iscas (duas foram perdidas por peixes maiores) um belo atum de uns 2 quilos.
O Sérgio preparou um delicioso sashimi que degustamos junto com uma sopa de ervilha que ele havia preparado.
Como ninguém gostou da tabela dos turnos novos, se resloveu alterar tudo de novo.

29/08/06

Durante a madrugada o vento veio para nordeste e tivemos de arribar uns 20°. No meio da manhã estoura a adriça da trinqueta pela segunda vez. Perto do meio dia o vento veio mais para o norte e o rumo melhorou, apesar de ter diminuído bastante a intensidade.
O Cícero pegou o segundo peixe que parece ser um Atum ( é mais cumprido que o atum que pegamos ontem) que terminou sendo feito na janta na chapa.
Quando estávamos a 60 milhas de Abrolhos mais ou menos as 21:30 entrou um pau de vento sul que terminou estourando o moitão do segundo rizo da vela mestra e algumas talas. Neste momento o sonho de parar novamente em Abrolhos se foi. Refiz a navegação passando a 25 milhas dos Abrolhos pelo leste.

30/08/06

O vento continuou forte ( de 23 a 30 nós) de sul e o piloto automático tem dado conta do serviço muito bem. O mar esta crescendo e o sono esta ficando bem complicado em função do balanço do barco. Fica-se girando involuntariamente em cima da cama.
Ao amanhecer colocamos a trinqueta com a adriça do balão e o barco começou a surfar nas ondas.
Neste momento, o Sérgio, o Roger, o Cícero e eu resolvemos surfar, pegar uns jacarés nestas ondas que estão cada vez maiores. Consegui emplacar 15,4 nós.

31/08/06

Não há como não sentir um clima de melancolia no ar. Estamos chegando e nossa jornada esta acabando. O vendo e as ondas continuam fortes.
Chegamos a Marina Bahia as 14:30 depois de 750 milhas do Rio em 92 horas e 37 minutos com média de 8.1.
Renascemos este puro sangue e passado todo este tempo juntos já conhecemos bem os ruídos e o jeito dele andar.
Desejo que esta viagem seja o início de uma trajetória de vitórias e alegrias para o barco e o Capitão.

Deixo aqui meu agradecimento público de poder ter participado deste projeto

Bons Ventos a todos

João Pedro Wolff
Arcobaleno

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Vídeo com cenas do cruzeiro
(04:40min, 8,2MB, zipado)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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