Virando barcos em Floripa
por Cristina "Mykee"

22-09-03
Danilo,


Uma das viradas dos micros ("kran")

 

Enquanto aí em Porto Alegre vocês tiveram o Velejaço Farropilha, aqui em Florianópolis nós tivemos um vento maluco. No sábado foi um vento sul pra ninguém botar defeito, sem falar nas rajadas...

Eram 10:30 da manhã de sábado, estávamos indo pra raia (no nosso O’day Mykee xx, todos com camisetas novas em homenagem ao nosso cachorro que deu nome ao barco e se foi no domingo passado) quando o tal pé de vento entrou.

 


Velamar 22 virando ("trinta réis")

 

 

Só deu tempo de quem estava no timão gritar: enrolem a genoa. Por sorte enrolamos sem questionar, deu 10 seg e entrou de uma vez a ventania (que a previsão engraçadinha dizia que ia ser de 10 a 20 nós). Foi sorte estarmos atrasados e o nosso timoneiro enxergar o vento entrando nos outros barcos a +-1km (e virando eles).

 

 


Tripulação de um micro ("mano's") subindo
no barco já desvirado

 

 

O vento nos pegou, mas conseguimos ir pra uma área mais protegida e aproarmos pra descer a mestra que já começava a rasgar.
Conseguimos, mas dos 25 que estavam indo pra raia, alguns tiveram problemas, 2 velas realmente rasgadas e alguma viradas como você podem ver nas fotos que alguns de nós participantes, tiramos.

 

 


Bruma que afundou,
pelo menos o que ficou aparecendo dele

 

Pena não conseguirmos registrar tudo, mas não esperávamos que o vento entrasse antes das 12:00hs. O único caso sério foi o de um bruma 19 que emborcou e foi ao fundo, vai foto anexa do top do mastro no final da tarde, depois do susto.

Muita gente se molhou , mas ninguém se machucou. Há quem fale em 40 nós, sei lá... mas que foi um ventão, isso foi.

[Kriz] Cristina.


O depoimento de um grande conhecedor de veleiros Brumas
O Comte Régis Feldman navega na Lagoa da Pinguela

Comandante Danilo;


O cmte. Régis navega na Lagoa da Pinguela
Como sabes sou apreciador e usuário de Bruma há tempos. Até porque foi o barco que mais se adaptou a navegação nas lagoas do litoral norte. Leve, pequeno calado, leme e mastro pivotantes e razoável conforto interno. Mas ao longo do tempo alguns conceitos preliminares sobre ele tiverem que ser revistos. Este naufrágio em Floripa e o do "Cervejinha" no verão de 2003, adicionados a um em Tapes, mais outro lá por 1995 deixam uma desconfortável certeza; o Bruma pode afundar mais facilmente que podemos esperar. Quando pela vez primeira ouvi esta afirmação vários navegadores apressaram-se a desmistificar o fato. Apresentaram provas que fui fazer com o Respingo. Tracionei o barco até levá-lo a grande inclinação, com bolina e sem bolina, e em todas ele voltou a posição normal. Mas depois vi que era prova sem consistência. Deitar barco em marina, sem vela, sem vento, águas tranquilas é uma coisa. Tomar uma cacetada de vento com panos, bolina sem trava ou mal posicionada e águas agitadas é outra conversa. A partir de naufrágios de Brumas e de depoimentos tomados parti a exame mais apurado das razões que podem colocar ao fundo um Bruma virado.
O naufrágio que me deixou mais impressionado foi o de Tapes e ele me foi relatado pelo próprio comandante. O barco estava apoitado para a noite e obviamente com velas ferradas. Pois um temporal pela noite tombou o barco com a cruzeta na água, o tripulante tentou sair da cabina, acabou caindo para fora sem colete. Ficou momentaneamente preso ao guarda mancebo e logo depois o barco afundou. Ele usou a bóia da retinida para manter-se em flutuação. Pois com ela flutuou mais de doze horas até ser recolhido já em plena lagoa dos Patos.
Pelo web site do Respingo tenho sido consultado muitas vezes sobre este tipo de barco, seu uso e recomendações. Também tenho recebido depoimentos e informações de incidentes com Brumas.
Vou te registrar o que constatei ao longo do tempo e que poderão servir a novos navegantes. Digo novos pois é notável que o maior mercado de Brumas é de pessoas que iniciam na vela e querem barco com um valor acessível. Temos muitos veteranos velejando Brumas, mas estes são safos. O barco é seguro e confiável quando bem timoneado.


Apesar do casco flutuar razoavelmente bem quando emborcado ele toma água pelas aberturas superiores. A gaiúta de proa pode ser o começo do naufrágio. Aquele sistema de fechamento é para não chover para dentro e só. O casco virado com cruzeta na água, flutua com a proa levemente para baixo e a bolina um pouco para cima. Tombar para a direita ou esquerda também dá diferença, pois o motor de pôpa não está no centro. Motores pesados quando do lado submerso pioram a situação de retorno e podem modificar aquela posição de flutuação pela borda. O barco não pode permanecer nesta posição por muito tempo, e este tempo são minutos. Ele começará a fazer água por suas aberturas no balanço das águas. É esta água somada a outros "pesos" que impossibilitam o retorno à posição natural do veleiro.


E por que um Bruma "quer" permanecer deitado ?
Principalmente porque a bolina móvel não estava travada e pode ter se deslocado para dentro no tranco da adernada, ou nem estar totalmente baixada. Isto anula sua capacidade de retorno. A vela grande retem água e tendo a escota presa ao mordedor não libera o casco para retornar. Quem navega HC sabe deste macete para desvirar, só que no HC é muito mais fácil chegar aos mordedores e ele não afunda. E mais, a tripulação tenta segurar-se nas partes mais próximas a água do lado do convés. Estas combinações de peso em lugares errados atrasam a volta do casco ao prumo e a água inicia seu caminho para dentro e para as partes mais baixas do casco virado. Como não se tomba barco em dias de mar de almirante com a combinação de vento, ondas, gente agarrada em guarda mancebos ou até sobre o casco, vela cheia de água, falta de bolina e água entrando o Bruma não volta mais.
Depois a janela de passagem da bolina no casco e a gaiúta principal chegam ao nível da água e está pronto o serviço.


Eu tinha convicção que um casco de Bruma cheio de água flutuava apoiado em seus compartimentos estanques. Foi difícil aceitar o contrário, e pior, não era apenas um caso.
Participei da reforma em quatro Brumas. Todos tiveram seus compartimentos estanques modificados por proprietários anteriores. A maior parte virou depósito de bagulhos. O Respingo tinha ainda selados apenas os dois compartimentos de pôpa. O maior, na proa, já estava aberto. Nele colocamos, até encher todos os espaços, garrafas pet limpas e sem os rótulos de papel. São de extrema flutuabilidade, não atraem formigas e insetos como o isopor. além de não esfarelar, e podem servir para os mais variados propósitos emergenciais. Este compartimento está fechado por uma tampa que retem as garrafas em seu lugar, mas dá acesso quando necessário. Raramente navego com tripulação completa mas tenho todos os coletes (5) sempre a bordo colocados na pôpa sob o cockpit. A gaiúta de proa é a original do projeto, mas recebeu vedação de borracha. É fechada por dentro com desengate rápido mas com pressão sobre as borrachas. A bateria está fixada para não rolar com o barco tombado. O motor de pôpa é bastante leve, 12 quilos, e a bolina é travada quando temos vento mais forte. Em situações assim navego com a gaiúta de proa e gaiúta principal fechadas.
São providências simples que se acompanhadas de prudência, BOLINA BAIXADA E TRAVADA, deixam o Bruma bastante seguro.

Régis

O veleiro Respingo na Lagoa da Pinguela

Danilo Chagas Ribeiro

 

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