Rumo à REFENO
Diário de Bordo do Passatempo e Entre Pólos
Subindo a costa do Brasil rumo à regata Recife - Fernando de Noronha
Comte Adriano Machado

De Porto Alegre à Ilha do Bom Abrigo

12 Ago 2005 22:17

Os Barcos:
Passatempo: um veleiro de aço, medindo 38 pés, com quilha e leme retráteis, 0,85m de calado mínimo e 2,00m de calado máximo, construído pelo estaleiro Vilas Boas de Pelotas. É Auto suficiente em geração de energia, além de possuir piloto automático, guincho de âncora elétrico, ploter, radar, eco, log, estação de vento, um sistema alternativo de navegação com um computador portátil e um Yahmar de 40hp, diesel, como motorização.

Entre Pólos: também construído em aço pelo mesmo estaleiro, medindo 42 pés, com calado fixo de 1,70m ,além de possuir todos os equipamentos citados anteriormente possui um motor de proa para auxiliar as manobras em locais de espaço reduzido e seu motor principal é um Yahmar de 56hp diesel.

Sexta-feira 29 de julho.
Para contrariar a tradicional crença de que jamais se deve sair para uma grande navegada numa sexta-feira o Passatempo e o Entre Pólos soltaram as amarras do ICG às 15 h. Para nossa surpresa, coincidentemente, o veleiro Tarugo, neste mesmo momento estava zarpando para o Rio de Janeiro, tripulado pelo Paulo Mordente e mais um amigo. Nada de vento até a Chico Manoel, onde começou a soprar um leste fraco de 8 a 10 nós. Deixamos o Farol de Itapuã às 18 h com o vento acelerando na descida dos morros do parque, atingindo cerca de 20 a 25 nós. Velejamos bem até o São Simão e devido à calma total do vento seguimos motorando até a Feitoria, aonde chegamos às 11h do dia 30. O vento apareceu novamente, só que de noroeste e apertou acima dos 25 nós, nos obrigando a dar uma forra de rizo na vela grande e trocarmos a genoa pela trinqueta. Como o vento perdurou o resto do dia, fizemos todo o canal da Feitoria à vela, chegando em Rio Grande às 15h.. Devido a um aviso de vento força 8 na área alfa, decidimos esperar o encerramento do mesmo, que se daria dia 31 às 9h. De fato ventou um norte de vinte e poucos nós que certamente deixaria a navegada desconfortável. Como temos tempo de sobra, combinamos que só navegaríamos nas melhores condições possíveis.

Como a previsão para os próximos dias era de vento norte a noroeste de 8 a 12 nós e só entraria uma nova frente no dia 6/08, dia 01/08 decidimos zarpar rumo a Floripa nem que fosse no motor, o que ocorreu em 90% do percurso. Soltamos as amarras do Rio Grande Iate Clube às 6h e às 8h deixávamos a barra numa baita calmaria. Em Rio Grande a tripulação do Passatempo mudou, desembarcando o Gervásio (Veneza) e o Anselmo (Taiú) e embarcando o Robinson, do veleiro Cruzoé, de São Lourenço. Mar verde esmeralda, calmo, com muitos pingüins e lobos marinhos. Preparamos nosso caniço e logo já estávamos curricando. Devido ao bom tempo optamos em fazer uma navegação costeira, ficando entre 20 e 30 m de profundidade e mantendo uma distância de umas 10 a 15 mn da costa. Nesta região não perdemos nunca o sinal de celular e falamos com várias estações de rádio como: Veleiro Juti na praia da Varzinha, rádio farol de Tramandaí, rádio farol de Cidreira e dois radioamadores de Atlântida.

Pesca inusitada
Na madrugada do segundo dia o Robinson me acordou dizendo que um peixe tinha fisgado a nossa linha. Levantei correndo, meio sonolento e pedi ao Selmo que desengrenace o motor. De fato quase trezentos metros de linha 0,90 tinham sido levados pelo nosso peixe. Já fazíamos planos de como repartir aquele baita bicho com a turma do Entre Pólos e do Tarugo. Então começou uma grande batalha entre o homem e o mar. Eu recolhia boa parte da linha e o bicho tentava levar tudo de volta, mas eu era mais forte e vinha arrastando-o lentamente até que visualizei no meio da escuridão, algo que parecia ser uma nadadeira dorsal grande, gritei para o selmo pegar o gancho que estava no paiol de popa, enquanto eu lutava com a fera o selmo resmungava que não dava para tirar o gancho do paiol porque estava trancado, então eu disse, deixa esta porcaria aí mesmo que eu puxo pra dentro com a mão mesmo, enquanto isto, a batalha continuava, até que para o nosso espanto, não era um peixe e sim uma Gaivota gigantesca que parecia mais um Albatroz, e agora, como é que vamos soltar este animal, que apesar de cansada, estava bem viva. Com a linha esticada a encostei no espelho de popa e com a mão direita agarrei seu dorso, mas como ela era muito grande, seu bico quase alcançava minha mão, pedi para o Selmo segurar no pescoço para eu desenrolar a linha de sua asa, e contando até três, a soltamos. Felizmente apesar de cansada, saiu voando.

Na altura do Porto de Imbituba, o norte apertou para 27 nós mexendo muito com o mar e aumentando a corrente contrária para 1,5 nós. Entramos a barra sul de Floripa às 17h. com muito vento e 2 nós de corrente contrária, fazendo com que chegássemos ao Veleiros da Ilha às 19h 30min. Pernoitamos no clube.

Dia 4/8 abastecemos cedinho para aproveitar o pico da maré baixa que seria às 8h 10min, para passar pelas pontes e seguir para Porto Belo. Pelo caminho decidimos dar uma paradinha na Ilha de Anhatomirim. Após um belo passeio pela ilha, o qual tivemos que solicitar via telefone para para a Universidade Federal de Floripa, porque estava fechada para visitação pública. Deixamos a ilha e com um ventinho fraco nos dirigimos rumo a Porto Belo numa lenta velejada, enquanto o Tarugo e o Entre Pólos seguiam a motor. Às 14h cruzávamos entre a ilha do amendoim e o continente quando vimos que a duas ou três milhas a frente, aproximáva-se uma baita serração. Em seguida não enxergávamos 50m à frente do barco. Cruzamos por Bombas e Bombinhas, contornamos a Ponta de Porto Belo entrando no Cachadaço às 19h com a ajuda do radar, pois o ploter não possui carta detalhada da região. Ancoramos bem no fundo da baía após ter passado por vários veleiros e pesqueiros que ali estavam ancorados. Organizamos o barco e o Robinson fez frente na cozinha, preparando um belo carreteiro de charque lorenciano, o qual foi degustado acompanhado de um belo vinho Condotta.

Como estava previsto para o domingo ou segunda a entrada de uma frente, tiramos o dia 5/8, sexta-feira para comprar mantimentos, iscas artificiais, e almoçar em terra. Na primeira hora da tarde enquanto o Robinson foi a Camboriu comprar uma máquina fotográfica eu e o Selmo fomos até o Iate Clube de Porto Belo para abastecer com diesel e água. Voltamos para o Cachadaço e a noite fizemos um belo churrasco a bordo. Neste dia o Comandante do Entre Pólos, o Gigante, aproveitou para resolver problemas pessoais, visto que possui negócios nesta cidade.

Dia 06/08 demos uma bela velejada até Itapema onde desembarcamos para comer uma anchova à moda da casa, no restaurante Cabral, localizado no extremo norte, da praia, totalmente abrigado de noroeste, norte e nordeste, que eram os ventos que estavam ocorrendo neste dia. Fomos recepcionados pelo Sr. Braz do veleiro Jornal que já deu uma volta ao mundo num 29 pés e atualmente executa um projeto social em Itajaí. Do Cachadaço a Itapema tivemos o privilégio de contar com a parceria do Dr. César Augusto que foi conosco até Itapema. Não é sempre que almoçamos a beira mar namorando nossos barcos bem ancorados ao largo. Assim que retornamos aos barcos, lá pelas 16h, o vento rondou de norte para sudoeste e apertou atingindo 33 nós forçando-nos a regressar a Porto Belo a motor. Primeiramente tentamos ancorar no Cachadaço, mas o vento acelerava muito na descida do morro, fazendo com que o Entre Pólos garresse uma vez sua âncora. Devido a esse contratempo, optamos em fundear em frente ao IC de Porto Belo, visto que o fundo ali, possui boa tensa. Apesar do vento forte, passamos uma noite muito tranqüila.

Dia 07/08 ás 6h zarpamos com destino a Ilha do Bom Abrigo já que a marinha anunciava ventos fortes para as zonas, beta e charlie e foi o que realmente aconteceu. Saímos com pouco vento, e poucas horas depois, já estávamos rizados e com a trinqueta. O vento rondava entre o sul e o sudeste. Em pouco tempo o mar cresceu atingindo 3 a 4 metros de onda, fazendo os barcos andarem um pouco além da conta, já que são pesados e basicamente de cruzeiro. Mesmo assim, o Passatempo registrou 10.1 nós, e o Entre Pólos 9,5. De Porto Belo a Ilha do Bom Abrigo são aproximadamente 127mn. Caiu a noite e ainda teríamos 8h de navegada . Com os barcos correndo onda no meio da escuridão, não restavam outras coisas a fazer, a não ser certificar-se bem da navegação, planejar a aproximação da Ilha e não deixar atravessar numa onda mais ousada. À 1h iniciamos o contorno da Ilha com o radar, e o ploter, mantendo uma distância segura, pois além da escuridão total, ficamos sabendo pelos pescadores que o farol está apagado há muito tempo, o qual deveríamos ter avistado à 23mn de distância. Procuramos um lugar com menos ondas possíveis e ancoramos. Primeiramente ancorei muito próximo dos rochedos, levantamos ferro e nos afastamos um pouco mais, ancorando com 8m de profundidade, baixando 30m de corrente e mais 15m de cabo 16mm. Comemos uma pizza e rapidamente fomos dormir.

Dia 08/08 continuava o aviso de ventos fortes para aquela região, por isso decidimos que só sairíamos dali depois que cessassem os avisos. O vento soprava de sudoeste a vinte e poucos nós, mudamos de ancoragem algumas vezes, mas o desconfortável balanço não cessava. À noite o vento rondou para noroeste fazendo com que deixássemos a nossa ancoragem por uma mais afastada da ilha. Se entrasse o temporal teríamos lazeira para fazer alguma manobra se necessário. A noite foi relativamente tranqüila, exceto pelo balanço e constantes avisos de mau tempo.

Dia 09/08 o vento aumentou para 30 nós aumentando também o balanço. Não parava de chegar pesqueiros e ligeirinho contamos 25. Neste dia o comandante se sobressaiu na cozinha preparando uma feijoada, arroz com açafrão e uma omelete com seis ovos.

Dia 10/08 às 6h entrou a palmeira. O vento foi aumentando e não acreditamos, chegou a 64 nós, e como se não bastasse a força, entrou de oeste, praticamente anulando nosso "abrigo" demos 30m de corrente e 50m de cabo 16mm e em pouco tempo a onda de oeste chegava a dois metros, que aliado à correnteza e uma gigantesca vaga de 4m que vinha do outro extremo da ilha, logo logo tornaram o ambiente insuportável, inclusive baixando a moral de toda a tripulação. Algumas horas depois, o Entre Pólos garrou sua âncora e passou a poucos metros do Passatempo, neste momento, já escorávamos o barco com o motor na lenta. O Entre Pólos ferrou novamente a uns 100m a nossa popa.

O vento soprou a 50 nós a manhã toda.
Simplesmente passamos o tempo todo sem conseguir comer nada e a primeira hora da tarde, mesmo com o motor na lenta começamos a garrear lentamente em direção ao Entre Pólos. Quando estávamos a uns 50m, resolvemos que algo teria que ser feito. Ir a proa com a onda embarcando, mais aquela ventania e chuvarada, não era nada prazeroso, mas teria que ser feito. Com o Selmo (Mainá) no comando do motor, eu e o Robinson (Cruzoé) vestimos nossos impermeáveis e fomos à luta. Recolhemos todo o cabo, mas quando chegou a corrente, a onda levantando a proa a mais de 2m, o balancim que guia a corrente não resistiu e estourou, empenando duas chapas de aço de 6mm como se fosse de papel, aí veio a nossa dificuldade. Na mão, nem quatro homens puxariam 30m de corrente com uma Bruce de 22kg. O guincho acabou fazendo o trabalho, mesmo que a corrente trancasse de vez em quando. Enfim levantamos âncora e abrimos bem para fora para não correr o risco de garrear para cima de mais ninguém, nem ser atropelado por um pesqueiro, que volta e meia garreavam também. Os problemas continuavam e agora as ondas que vinham pelo outro lado da ilha, nos pegavam pela popa, que do passatempo é aberta. Duas estouraram dentro do cockpit.

Depois de umas três horas nesta última ancoragem, o Robinson teve a idéia de verificar como estava o cabo e quem sabe colocar um pedaço de mangueira para reforçar e evitar uma possível ruptura, só que quando fui verificar, tomei um susto, o cabo de três pernas já estava com duas rompidas e o barco estava sendo seguro só por uma (parabéns a Cordoaria São Leopoldo). A ruptura se deu por roçar em algo abrasivo, visto que o balancim tinha estourado, mas uma única perna agüentar as 9 toneladas do Passatempo, isto só deus pode explicar. Às 18h o vento resolveu se entregar e a paz voltou a reinar a bordo, trocamos a roupa molhada, comemos uma sobra do almoço do dia anterior e fomos dormir exaustos.

 

 



Fotos: Adriano Machado e Ademir Gigante




 

Vídeo da RBS na partida de Porto Alegre:
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Carlos Altmayer Gonçalves Manotaço
Os portugueses e espanhóis, na era dos descobrimentos, tinham o hábito de batizar os pontos geográficos com nomes que:
 1 - descreviam o local, por seu formato (ex: Ilha Rasa, Ilha Redonda, Pedra Branca, Ponta Negra, Ponta Grossa, etc.)
 2 - outra sistemática era relacionar o local a seu uso ou características náuticas/geofísicas (ex. Barra Funda, Praia Brava, Mansa, Mole, etc)
   Os velejadores estrangeiros, com quem tive oportunidade de conviver aqui na nossa costa, antes do GPS, eram unânimes em valorizar este sistema. (Os ingleses tinham o costume de batizar os locais com nomes de tripulantes ( o primeiro a avistar o local), locais da pátria mãe, almirantes, membros da monarquia, etc.
    Voltando ao caso da Ilha do Bom Abrigo, parece que houve um engano, deles ou nosso. Só é bom abrigo com bom tempo; salvo se ela é um indicativo do bom abrigo encontrado na costa, próximo a ela (Barra de Cananéia). Temos lugares assim: Abrolhos - abre os olhos. Alcatrazes - ao que trazes (indicam perigos ou atenção nas proximidades).
    Muitos já padeceram ao buscar abrigo na referida ilha.
    Sempre bons ventos,
    Manotaço


Adriano Machado Passatempo, de Porto Seguro
O QUE NOS LEVOU A FICAR ANCORADOS EM VEZ DE SAIR, FOI SIMPLESMENTE O FATO DE ESTARMOS PERTO DA COSTA E AS ONDAS NÃO PASSAREM DO TAMANHO VISTO NAS FOTOS, ENQUANTO QUE SE TIVÉSSEMOS SAÍDO, TERÍAMOS ENFRENTADO 14 HORAS DE NAVEGADA COM 50 NÓS DE VENTO E SURFANDO ONDAS DE 6 A 7M CONFORME PREVISTO PELA METEOROLOGIA E CONFIRMADO POR PESCADORES, INCLUSIVE COM O DESAPARECIMENTO DE DOIS PESQUEIROS.
ADRIANO.

 


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