Velejada à Praia do Sítio
Danilo Chagas Ribeiro

Foi um daqueles finais de semana com previsão de chuva em que não choveu. Mais do que desconfiar da previsão, resolvemos encarar a chuva que viesse.

Éramos 7 velejadores em 2 veleiros de 32 pés. Para alguns, a missão era pescar. Para outros, era só fazer bagunça.

Saímos do Veleiros do Sul pelas 3 da tarde de sábado, 9 de abril de 2005. O destino era a Praia do Sítio, no Parque de Itapuã, quase na foz do Rio Guaíba. É uma bonita praia e bom abrigo. Bem junto à areia da praia, e quase tapadas pela vegetação, estão as ruínas de uma capelinha e de outro prédio, resquícios de uma vila de pescadores. O desembarque nas praias do Parque é proibido.

Um pouco de História
A região já foi povoada pelos índios tupis e guaranis, e foi palco de canhonaços contra navios que vieram defender o Império na Guerra dos Farrapos (1835/1845). Fortes foram construídos no Morro de Itapuã e Morro da Fortaleza, onde a navegação precisava ser feita em canal estreito entre o morro e a ilha. Daí o nome Ponta da Fortaleza.

Na segunda metade do século passado alemães colecionadores e comerciantes de antiguidades cataram e levaram armas e outros objetos militares da região, inclusive os que estavam dentro do rio, segundo contou uma senhora de idade, moradora ali até a área ser transformada em parque.

Novidades e surpresas
A vela grande do Feitiço é enrolada dentro do mastro. Riza-se o pano, enrolando-o com uma manicaca. As talas são verticais, logicamente. Apesar do prático sistema não ser novidade, eu nunca tinha visto rizar o pano assim com 25 nós de vento. Foi perfeito!

Ao terminar um contato pelo rádio no canal 11, pendurei o microfone no suporte. Em seguida apareceu o número 16 no display. Foi novidade ver o VHF voltar assim ao canal de chamada, automaticamente.

À noite apreciamos a paisagem com a luneta de visão noturna. É um brinquedo e tanto.

Tripulante do Feitiço, do Cmte Jorge, tem direito a cama feita e a café servido na mesa pela Imediata Cláudia. São requintes a que um velejador não está acostumado a bordo.

Na ida, pouco depois do céu avermelhado que antecedeu o pôr-do-sol, vimos um céu incrível que deixou a paisagem azulada. Não sei o que aconteceu. Suponho que aquelas nuvens filtraram a luz do sol de forma atípia e deu naquilo. Nunca tinha visto igual.

Sabe lá o que seja tomar banho de rio no nascer do sol, e inda ficar faceiro uma coisa por demais?... Pois eu vi essa também.
O Cmte do Raio de Luar, além de velejador e pescador (inclusive pesca cascudo à unha), ainda toma banho de rio no clarear do dia. E trabalha com levantamentos hidrográficos.
Eu gosto de água, mas o Cylon é hors concours!

Foi um final de semana de novidades. A maior delas, entretanto, foi o ronco dos bugios, no amanhecer do domingo.

Bugios
O mais surpreendente desta velejada foi ouvir o ronco dos bugios no Morro do Campista, em frente à Praia do Sítio. O show aconteceu no clarear do dia.

Selvagem urbano, eu nunca tinha ouvido aquela roncaria toda. É impressionante.
Haviam 3 bandos de bugios roncando grosso no morro. É um ronco grave, forte e intermitente que, cfe o Cmte Cylon, ocorre no clarear do dia e no pôr-do-sol.

Estávamos em frente ao Parque de Itapuã, abrigo de uns 600 bugios-ruivos (Alouatta fusca) como o do desenho ao lado. O ronco ecoa pelos morros. Quem não sabe o que é aquele berreiro, deve ficar no mínimo intrigado.

O bugio é uma raça ameaçada de extinção. Vive na beira de rios e lagoas e, apesar do baita alarido que faz no mato, não é agressivo. Mas um amigo que quando guri costumava caminhar no mato cheio de bugios, entre a Praia das Pombas e a da Onça, conta que aconteceu dos bichos defecarem nas mãos e jogarem as fezes neles lá embaixo.

Dizem os entendidos que o ronco do bugio pode ser ouvido a 2km, e serve para avisar a vizinhança dos limites do território do bando. No encontro de dois bandos, os bugios mostram o poder roncando. E, como algumas pessoas pensam que seja também entre nós, ganha quem gritar mais alto.

No Rio Grande do Sul, a expressão "Ronco do Bugio" denomina também festival de música folclórica, ritmo de dança, e é motivo de várias canções gaudérias, apontando-o como malvado, esperto e matreiro:

No lugar onde pousa bugio
Lobisomem se manda da cria
Vagalume apaga o candieiro
E o sol chega mais tarde no dia

A propósito, dizem que tem tripulante que, dormindo a bordo, ronca que nem bugio no mato. De chegar a estremecer as adriça tudo. Deve ser coisa bem feia, mas eu nunca ouvi isso.

Companhia
Na volta, tendo-se a ilha Chico Manuel no través, a Ponta Grossa não aparecia. Mais tarde surgiu dentro de uma bruma. Depois parecia estar embaixo de chuva.
Em vez disso tudo veio um vento de 25 a 30 nós, cfe estimado a bordo, para logo depois amainar.

A camaradagem entre as tripulações foi o ponto alto da velejada. Principal ingrediente de uma navegada, o convívio a bordo e a contrabordo foi excelente. De deixar o queixo doído de tanto dar risada. E tem gente que prefere conversar com psiquiatra... ;)

Muito obrigado Jorge, Cláudia, Cylon, Beto, Roger e Luiz pela belíssima companhia.

 

Detalhe da carta náutica mostrando a Praia do Sítio

 

Veja o vídeo do passeio

(3:33min, 6,3MB - Quem tiver certidão de nascimento amarelada vai gostar também da trilha sonora)
Clique com a tecla direita do mouse e opte por "Salvar Destino Como"

 


Clique uma imagem para carregar todas da moldura


-o-

 

Envie seus comentários ao popa.com.br:

Seu e-mail:



CLICK APENAS UMA VEZ

 

15abr05 - Rodrigo Beheregaray Asterix
Legal a matéria. Um passeio trivial nem sempre tem uma história trivial pois interessa sempre o brilho dos olhos de quem a vê. Apenas discordo q o Sítio seja um bom abrigo. Já encontrei muita gente q tb tem a mesma opinião. Ele tem vários defeitos (profundidade mais elevada, vários barrancos q podem soltar a âncora, estar ao lado do canal e sofrer das ondas levantadas pelos navios, rajadas alucinantes q descem o morro de E e NE e perigo se a âncora garrar q tem pedras por um lado da baia e baixio - campista - ou canal do outro lado). Por essas, muitos têm trocado o Sítio pela Praia do Araçá, q fica ao lado, q alguns males são mais atenuados. Meus centavos...
Abraços! Rodrigo - Asterix