O Guaíba verde

12 Jan 2006
Na sexta-feira passada, dia 6, deixamos para trás um Guaíba bem verde, resultado de proliferação de algas que dizem ocorrer pelo excesso de poluentes, estiagem e calor.
A missão era levar o Feitiço para o Clube Náutico Tapense, na cidade de Tapes, à beira da Lagoa dos Patos (Enseada de Tapes). A idéia de passar na Ilha Chico Manoel para confraternizar com amigos foi abandonada porque acabaríamos demorando.

Um veleiro especial
O Feitiço chama a atenção por onde passa. Com um casario alto e inúmeras modificações (bolina, 2 lemes, salão enorme, etc), ninguém desconfia que a alteração do projeto original daquele Delta32 tão especial seja do próprio criador, Nestor Völker.

O pôr-do-sol ocorreu às 20:30h, quando ainda não tínhamos chegado ao cotovelo do canal de navegação do Guaíba. Logo atrás de nós vinha o veleiro Ângela, o Delta36 novo do Comte Renato Plass, que fundeou também na Praia do Sítio próximo a nós. Assamos e comemos uma pizza, e revisamos a rota. Já passava das 23h quando suspendemos o ferro e içamos a vela grande ainda na Praia do Sítio. Na verdade, a vela grande do Feitiço não é içável. É desenrolável do mastro (sem essa de lazy jack, capa, etc).

Fugindo do calor
Motoramos em direção à Lagoa dos Patos, por detrás dos morros, muito curiosos quanto ao humor com que ela nos receberia. Havia ventado bastante do sudeste naquele dia.
Pescadores fundearam os barcos dentro do canal de navegação, quase em frente ao Farol de Itapuã. Ao longe, na Lagoa, havia um navio de GLP fundeado, todo iluminado. Nossa proposta era navegar a noite toda pela Lagoa até a Enseada de Tapes, evitando-se o solaço do dia. Neste ano as temperaturas máximas do RGS têm sido superiores às de outros estados, beirando sempre os 40. A sensação térmica passa dos 40ºC quase que diariamente.

A lua da navegada a Tapes Celso Chagas Ribeiro

Velejando e motorando
A Lagoa estava com um vento fraco do Leste, de 10 a 15 nós, e quase sem ondas. Desenrolamos a genoa. A noite estava bem enluarada (quarto crescente) e 'qualhada' de estrelas. Temperatura amena. Um leve balanço lateral nos acompanharia por toda a Lagoa. A velocidade mantinha-se em 6 nós por um tempo e caía de vez em quando para 4, voltando para os 6 nós. Mas no decorrer da velejada, a cada variada dessas, mais o vento caía. De tempos em tempos 3 ondas maiores e consecutivas nos atingiam. Eram as tais das Três Marias. Pouco antes da uma da manhã a lua se foi, como aparece aí ao lado.

Depois de ter o Pontal Santo Antônio no nosso través já por algumas horas, foi preciso ligar o motor porque a velocidade era menor que 3 nós.

O comandante Jorge Zaduchliver preparou a rota da velejada antes da partida. Os pontos importantes estavam todos plotados no chart plotter de bordo. Nossa rota era um pouco mais afastada do pontal do que o habitual para evitar encrencas com eventuais redes de pesca.

Navegando na escuridão
A velejada foi muito divertida tamanho o besteirol a bordo. Ora um, ora outro timoneava. O piloto automático também teve chance. Passamos a noite jogando conversa fora. Me lembrei de uma pergunta que uma vez me fizeram. "Como é que vocês sabem o que tem na frente, se nos barcos não tem luz, como nos carros?".
Navegar na escuridão, por instrumentos, é mesmo fascinante. O Feitiço tem uma luneta de visão noturna, utilizada esporadicamente. Como o farolete do Barba Negra não havia ainda dado sinal de vida onde se esperava, fizemos uso da luneta para conferir.

"Ser normal é uma doença! "
Tem gente que não entende o gosto pelas velejadas noturnas e por instrumentos. Nem o gosto de velejar adernado. Consideram que velejar, em geral, é estressante. Eu também não entendo como alguém pode apreciar aquelas discussões, brigas e outras doideiras nas novelas. Aquilo sim é que é stress, pro meu gosto. Como diz um amigo meu, "ser normal é uma doença!".

Navegação simples
A navegação para Tapes é simples. Da extremidade do canal junto ao farol de Itapuã, já na Lagoa dos Patos, toma-se o RM 219º. Isso faz apontar para a extremidade do Pontal Santo Antônio, passando próximo ao farolete do Barba Negra. O contorno do pontal tem waypoints a respeitar. Estão bem demarcados no livro "O Guaíba e a Lagoa dos Patos", do mestre Geraldo Knippling. A obra indica também os locais de acesso na enseada, com waypoints, dicas e fotografias (à venda no Veleiros do Sul, fone 3267 1733). Na chegada a Tapes há um canalete, também mapeado na obra.

A noite toda "a seco"
Após cruzarmos a extremidade do Pontal Santo Antônio, em vez de seguirmos em direção a Tapes, fomos para o Capão da Lancha. É uma praia no pontal, dentro da Enseada de Tapes, com dunas. O Pontal ali é bem estreito. Desembarcando-se na praia e caminhando-se uns 100?m, atravessa-se o pontal e chega-se à Lagoa dos Patos. Ali foi o local combinado com o Comte Emilio Oppitz Adriana CNT e o Comte Paulo Silveira Riacho Doce VDS para um churrasco no outro dia.

Vimos uma meia-dúzia de veleiros fundeados por ali e passamos quietos para não acordar o pessoal. Fundeamos no Capão da Lancha um pouco antes do nascer-do-sol (06:30h), já dia claro. Depois da noite toda navegando, tomamos o café da manhã, e foi aquele 'salve-se quem puder': azar do roncador que dormir por último. Dormimos pouco, umas 3 horas, e tomamos um bom banho de Lagoa até quase meio-dia. Água limpa e aprazível. Nesses banhos com direito a sabonete, não faz sentido usar filtro solar, apesar do alto índice UV da época. No outro dia percebi que as costas não concordaram com essa idéia. O bar do Feitiço foi aberto. Old Parr. A noite fora "a seco", prevenindo-nos dos estrupícios de Netuno na Lagoa.

Logo mais fomos para o contrabordo do Riacho Doce. É um espaçoso BB36 em que Paulo assou um delicioso churrasco. Emilio chegou de Tapes enquanto dormíamos, e já estava por lá.

Boa opção para velejar
No meio da tarde continuamos a velejada para Tapes, deixando o Feitiço no CNT. São grandes as mudanças ao se velejar em Porto Alegre e em Tapes, separadas por umas 70mn de água. Além dos ventos serem melhores em Tapes, a água é bem mais clara. Belas paisagens e a hospitalidade no CNT fazem de Tapes uma boa opção para velejadores gaúchos.

O dia estava muito quente lá em Tapes. Tomamos uma Coca-Cola, daquelas de garrafa de vidro, bem gelada, na varanda do clube. A visada dali para a Lagoa é estratégica. Voltamos a Porto Alegre de carona com a Claudia, esposa do comandante, que foi até lá especialmente para isso. Que barbada!