Sinalização de Redes de Pesca
Uma discussão com final decepcionante
Danilo Chagas Ribeiro

A sinalização das redes de pesca na Lagoa dos Patos, e no Guaíba principalmente, é precária. As bandeirolas, quando existentes, são escassas, de cor preta e muito pequenas.

A navegação em águas contendo redes de pesca exige cuidado adicional do navegador. Atingir uma rede, seja com um veleiro ou lancha, gera desgosto aos navegadores e, não raro, contratempos e prejuízos.

Inúmeros são os navegadores que já tiveram seus barcos impossibilitados de prosseguir viagem por ter o hélice de suas embarcações enroscado em uma rede. Eu mesmo já passei mais de uma vez por este desgosto.

Em certa ocasião o barco em que eu navegava teve uma inesperada freada e o motor desligou imediatamente. A parada fez com que as pessoas que vinham em pé caíssem dentro da embarcação, tal a súbita desaceleração. Nestas ocasiões a rede fica tão presa ao hélice que é impossível desenroscá-la com as mãos.
Felizmente não houve vítimas, mas ficamos trabalhando dentro d'água aproximadamente uma hora com faca e canivete para cortar a rede, que não tinha sinalização alguma.

Além da malha da rede, também os cabos de nylon ficam firmemente presos ao propulsor. Normalmente os fios da malha e o cabo superior da rede fundem-se em volta do eixo do hélice ficando com a aparência de uma gaxeta ou retentor.

Os contratempos do Lizard


O Lizard, no reboque, a caminho de São Lourenço

Os velejadores Dieter Brak e Maximilia Silva de Paula sabem bem o que é topar com uma rede pela frente. Navegando em nov/02 pela Lagoa dos Patos (Bojuru) no veleiro Lizard, um 40 pés de bandeira alemã, "pegaram" uma rede mal sinalizada. Os prejuízos foram significativos.

Depois de vários mergulhos sem sucesso para tentar cortar a rede, foram auxiliados por pescadores que também nada conseguiram. Estes mergulhos são muito perigosos pela chance do navegador se enroscar na rede.

Foram rebocados a São Lourenço ao custo de R$ 1.700, um preço exorbitante. Lá, sem recursos para guinchar o barco, tiveram que aguardar 2 dias pela chegada de um mergulhador de Rio Grande para remover o que restou da rede fundida no hélice. O preço foi também acima do que podiam imaginar.

Mais adiante, já a caminho de Santos, o Lizard apresentava um ruído estranho que ressoava por toda a embarcação, mesmo com o motor desligado. Era causado pela rotação do eixo do hélice (que gira mesmo enquanto o barco veleja, pela ação da água no hélice).

Em Santos o barco foi retirado da água para substituição de peças ligadas ao eixo, danificadas pelo enrosco da rede no Bojuru. Ao todo foram vários dias perdidos pela tripulação do Lizard. Tiveram uma despesa considerável somando-se tudo, do reboque a São Lourenço até o reparo em Santos.

Compartilhando as mesmas águas

Mas os prejuízos não são apenas dos navegadores. Os pescadores sofrem com isso também. Os cortes feitos na rede para safar os barcos podem representar, além do custo de reparo, vários dias sem produção pelos pescadores.

Navegadores e pescadores convivem em harmonia e ajudam-se mutuamente. Afinal todos estamos n'água e sabemos muito bem o que isso significa. A principal diferença entre nós, certamente é o enfoque do uso da água. Enquanto nós navegadores a usamos para o lazer, eles precisam dela para o sustento.

Em julho de 2003 o Grupo popacombr discutiu a possibilidade de se desenvolver uma padronização da sinalização de redes de pesca a ser proposta às Colônias de Pescadores na região do Guaíba e Lagoa dos Patos.

Pretenciosamente acreditamos que, por termos um nível de instrução mais alto (em tese), teríamos melhores condições para tentar solucionar o problema. Pelo menos deveríamos tomar a iniciativa de propor um encontro e discutir o problema.

A proposta, acreditava-se, seria bem-vinda pelos pescadores.

Alguns membros do grupo descreveram projetos de sinalização, outros depuzeram, narrando ocorrências. Várias sugestões foram enviadas, inclusive especificando materiais a utilizar. Por fim resolveu-se conversar com os pescadores para conhecer a opinião deles sobre o assunto.
Na imagem acima, um dos projetos apresentados no grupo.

"Já vi pescador chorando pelo estrago..."

Veja no quadro abaixo alguns trechos da discussão sobre o assunto proposto ao grupo.

Do popacombr - um grupo de discussão de assuntos exclusivamente náuticos

Como evitar redes de pescadores

As redes de pesca são uma constante preocupação do navegador, seja velejador ou lancheiro.
No Guaíba, na Lagoa dos Patos ou na Mirim, volta e meia aparece uma rede pela proa.
As bóias das redes são pouco visíveis e as convenções de "porteira" não são bem entendidas por muitos
navegadores.
Na Mirim, simplesmente não há sinalização alguma.
...


Bate-boca
Um sócio do CNI, que tem uma lancha, outro dia passou por cima de uma rede e o pescador foi até a
marina do clube atrás dele pedindo ressarcimento do prejuízo. Disse que foi o maior bate-boca e que
o sócio não quis pagar a rede. O pescador encheu ele de desaforo e ficou por isso mesmo...
Cedo ou tarde esse clima "amargo" entre os "dois lados da rede" tende a se estabelecer e nenhum
deles deve querer q a coisa continue ou piore. Temos que ver o lado deles sim, mas tb temos o nosso
e que diz respeito até a SEGURANÇA, mesmo que estejamos na água como recreio... Por isso q acho
q novos e bons sinalizadores padronizados é a melhor saída para todos, e provavelmente irá somente
trazer benefícios até para juntar mais esses dois lados.


O Outro Lado da Rede

Uma rede custa uma fortuna.

Os pescadores são muito pobres - principalmente estes das ilhas e das margens do Guaíba - que não
estão agrupados em Colônias.
Cada corte que se dá numa rede destas é uma sangria no orçamento destes pobres trabalhadores que
lutam para sobreviver, pois têm que fazer o conserto e, às vezes, ficam mais de um dia sem poder
buscar o pescado em decorrência deste ato nosso - os navegadores de lazer.

Pescador chorando

Já vi pescador chorando pelo estrago que nossos colegas fizeram em sua rede, inutilizando-a quase
que totalmente.
Nós usamos nossos barcos para lazer. Eles, para comer.
Só navegamos em condições adequadas. Eles, em qualquer uma, arriscando suas vidas.
Sinalizar adequadamente as redes estendidas.

Esta é a solução.

Quantos pescadores são na região que nossos velejadores navegam?
Quantas redes?
Quanto custaria equipar este pessoal com bóias adequadas?
Não tem como pedir a um pescador que não coloque sua rede para buscar seu sustento. E nem
indicar a ele onde estender sua rede.

...

Proponho uma ação assim:
1. Identificar a autoridade sobre o assunto para verificar eventual regulamentação sobre sinalização
de redes.
2. Identificar e dialogar com lideranças dos pescadores para conhecer a realidade deles e saber o
que pensam sobre o assunto. Enfatizar o problema DELES (pouca gente se preocupa com o problema
DOS OUTROS).
3. Havendo boa receptividade, propor a prototipagem de solução, em conjunto com eles.
4. Talvez não haja necessidade de patrocínio de tão barata que seja a solução. Mas se houver,
arrecadar recursos junto aos clubes.
5. Firmar algo singelo entre clubes e lideranças dos pescadores para oficializar um acordo de
cooperação. Não que seja algo para se apelar no futuro, mas apenas para formalizar o início dos novos
procedimentos. Nesta ocasião poderíamos oferecer uma recepção simples em Itapuã, por exemplo.

Indo ao encontro dos pescadores

Seguindo o que havia sido resolvido pelo grupo, contatamos autoridades que viabilizaram nosso encontro com os pescadores.

Em 10 de setembro de 2003, houve reunião na Colônia de Pesca Z5, na Ilha da Pintada, em Porto Alegre, promovida pelo Comitê Gestor da Bacia do Lago Guaíba e pelo IBAMA.

O Secretário Executivo do Comitê, ___Percy, me convidou a expor nossa intenção às lideranças dos pescadores. Junto comigo esteve o Capitão Am. Eduardo Hofmeister.


Da esq p/dir, Vilmar, Percy, Eduardo, Eu e Nelson



Tivemos oportunidade de conversar com o Presidente da Colônia, Nelson ___, e com Vilmar, ambos pescadores, mas que atualmente têm atuado junto aos interesses coletivos da Colônia. É gente simples e muito cordial.

 

 

Piava na Taquara

A acolhida dos dirigentes da Colônia foi excelente. Mostraram-se receptivos e ouviram-nos com atenção.

Falaram-nos das dificuldades atuais da pesca, da falta de apoio para com o repovoamento de peixes, e ofereceram-nos almoço onde serviram-nos a deliciosa Piava na taquara. Com pirão. É dos deuses. Quem quiser conferir a "especialidade da casa" apareça para o almoço, aos domingos, no restaurante da Colônia Z5. Acesso por terra e por água (pequeno cais com flutuador).

A triste realidade

Após apresentarmos nossos planos, ouvimos o que tinham a dizer.

Foi decepcionante!

Disseram-nos que seguidamente os pescadores têm suas redes roubadas. Os roubos ocorrem principalmente à noite.

Informaram-nos também que a PATRAM, Patrulha Ambiental da Brigada Militar do Estado, teria dificuldades para fiscalizar as águas à noite.

E o que isso tem a ver com nossa proposta?

Quanto mais sinalizada for a rede, maiores as chances de ser roubada. Nossa intenção de adicionar material refletivo à sinalização, tornando-a visível também à noite, vai completamente contra os interesses dos pescadores. A bandeirola preta é visível de dia e esconde-se à noite, bem como convém a eles para evitar os roubos.

Nelson se dispôs a chamar as lideranças de pescadores da sua Colônia para discutirmos o tema, mas um pescador presente já nos adiantou:

"É preferível encontrar a rede pela metade do que não encontrá-la".

Isso posto, esperamos que algum vento novo entre e nos leve a algum rumo mais alvissareiro.

O que diz a PATRAM:



Diante do exposto, que atitudes V. sugere?

Sua opinião é muito importante para nós!
Opine, por favor:
Ainda há algo que possamos fazer? Sim Não


CLICK APENAS UMA VEZ
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Ele pesca. Ela lava. O rio passa.


Homenagem da tripulação da Aline ao povo de Jaguarão - Jun/2003
Reprodução de material originalmente publicado no Diário de bordo da Aline na navegada a La Charqueada

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