Das Ilhas Baleares, no Mediterrâneo, até Saint Marten, no Caribe (De Outubro a Dezembro de 2000) |
O diário, as histórias e os versos do Comandante Aderbal Torres de Amorim |
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Quatro Mil Milhas Além
Uma travessia, o Homem e o Mar
Aderbal Torres de Amorim
(15º capítulo)
Pois aqui vamos nós, passada meia-noite, com muito bom vento, andando bonitaço. Estamos a 363 milhas do ponto plotado na carta próximo a St. Martin (18 N e 063 W). Acho que a média agora vai melhorar. Pudera, há três dias que não chegamos às 160 milhas de singradura. O vento tem variado demais. Ainda assim, ontem estivemos de balão o dia inteiro. E isso vai melhorar o nosso desempenho. O balão terminou sendo arriado às 21h 30min. Foi melhor; é mais tranqüilo para todos. Esses way-points de destino final que, normalmente, plotam-se nas cartas, são absolutamente arbitrários. Às vezes, variam algumas milhas. Mas isso não faz a menor diferença para quem começou a quase 3.000 milhas do referido ponto. Geralmente, escolhe-se um ponto com números fáceis de guardar na memória - números redondos, como se diz; no nosso caso, 18 e 063. Facilita-se, com isso, o cálculo de distâncias e rumos a toda hora. Sempre sabemos que distância aproximada nos separa do final. Com a aproximação do destino, porém, o way-point deve ser corrigido na carta de grande escala para, então sim, sabermos com precisão quanto falta para chegar e qual o preciso rumo que deveremos seguir. Coisas de navegação. ……………………………….. Depois dos meus três primeiros mestres velejadores, veio o Ralph Hennig. Não conheço pessoa da qual se possa dizer mais apropriadamente: este é do ramo. O Tatu nasceu para isso. Ele come, dorme, sonha, namora e vive a vela como ninguém. Conhece tudo de barco. O motor, o refrigerador, o freezer, o inversor, as luzes, as bombas disso e daquilo, as velas. Ele resolve qualquer tilt, como ele próprio chama as encrencas de um barco. É frio e calculista. Seu senso de orientação, aliado ao de responsabilidade, fazem do Tatu um dos mais completos velejadores que conheço. Tenho por ele um carinho muito especial. Da primeira vez que entrei no Mar com o Madrugada, na altura do Porto Novo, em Rio Grande, o Tatu me entregou o timão daquele grande veleiro e eu passei pelos molhes da barra e entrei Mar adentro timoneando. Ainda hoje, essa é das melhores recordações que guardo da vela. Senti-me homenageado. E graças ao Tatu. Depois disso, fizemos juntos inúmeras velejadas em regatas e em translados, culminando com a maior de todas: a travessia do Mar Oceano. Senti-me distinguido com o convite. Quando chegar em casa, vou escrever um artigo especial descrevendo quem é o Tatu. A travessia já terá passado e, assim, com distanciamento, poderei rever melhor tudo o que ocorreu. Título do artigo? “O comandante Ralph Hennig (Tatu)”. ……………………………….. O quinto mestre da arte de navegar que me apareceu na vida veleira de competição e de cruzeiro foi o Marcelo Aron, o meu judeu preferido. Ele topa qualquer parada; basta duvidar. Talvez, por isso, a gente se dê tão bem… Uma ocasião, em Ilha Bela, um dos monstros da galera do Madruga escondeu uma peça de roupa que o Marcelo ia usar para sair à noite. Procura daqui, procura dali e nada de achar a tal roupa. Mas ele notou que a turminha brava estava ali pelo cockpit, “só no bico”, falando baixinho e tirando sarro. E o Marcelinho sacou o lance. Ah é? E foi calmamente até a proa do barco, sacou fora o tampão do hélice do log, escondeu-o, veio para fora e disse, na maior tranqüilidade: se não aparecer a minha roupa, o barco vai afundar. Todo mundo se olhou, incrédulo: esse cara está louco? Onde já se viu?... A coisa se inverteu: o Ogro - como é também conhecido - foi quem passou a tirar sarro de todos. O barco ia afundar, não teriam como correr o campeonato e, ainda, ia dar um bolo danado com o Serjão. E o barco ia enchendo d’água. E ele ainda desafiava: se o tampão voltasse para o lugar, que fosse logo, porque eles iam ter uma mão-de-obra danada para secar o barco e ele não iria ajudar; o barco ia ficar mais pesado, porque embebido internamente de muita água; o Tande iria comer o mastro, de tão furioso. Mas ele não tinha pressa alguma: que lindo é ver um barco enchendo d’água! Agora, era o Marcelinho monster que tirava sarro porque sabia esperar e dizer que o primeiro milho é dos pintos, ninguém ganha antes do jogo acabar. Ele dizia, dando sinistras gargalhadas, que agora se tratava da vingança do judeu. Não deu outra: ele logo foi passear com a roupa que tanto procurara. E o resto da galera passou a noite toda secando o barco; haveria regata no outro dia. A vingança é um prato que se come frio… Aprendi um monte com o pardoca. A gente se entendeu bem, de cara. Foi amor à primeira vista. No primeiro minuto do ano passado, por exemplo, momentos depois da meia-noite do ano novo, recebi ligação de Fort Lauderdale: era ele me abraçando pelo ano novo que, naquele instante, estava começando. Fazia questão que fosse eu a primeira pessoa com quem falar. E que eu podia sempre contar com ele para qualquer parada, que era tudo com ele e assim por diante. Até agora não sei o que ele quis dizer com aquilo de “contar comigo”. Por que não foi mais explícito? O que seria? Havíamos conversado no aniversário do Manfredinho, no mês anterior. Teria acontecido alguma coisa entre 11 de novembro e 31 de dezembro de 1.999? Espero vir a saber daqui a poucos dias: o Ogro passa a temporada de furacões na Flórida, mas no primeiro semestre do ano ele circula pelo Caribe. Vou falar com ele a semana que vem, pessoalmente. Teria alguém apostado que ele não é capaz de comer um rato?... Do ponto de vista da atividade vélica, basta contar que o Marcelo estava no Charrua quando este, há uns vinte anos atrás, capotou em um furacão em pleno Atlântico Norte. Não morreu toda a turma do Jorge Northfleet, e o Marcelo junto, porque Deus não quis. Ele tinha uns quinze ou dezesseis anos e já andava por aí pelo mundo, em travessias oceânicas. É um velejador completo. Atualmente, trabalha como skipper profissional nos Estados Unidos e Caribe. Tomara que em julho, quando ele voltar, possamos nos reunir lá em casa para contar nossos “causos”. Tomara que ele esteja em St. Martin, quando lá chegarmos. O Ogro não é gente; ele é uma máquina de velejar. ……………………………….. Por falar nessas tiradas geniais para situações injustamente desfavoráveis, que terminam por colocar o inferiorizado em situação posteriormente mais vantajosa, lembro a melhor de todas ocorrida com o Alaor Teixeira. Aquilo foi uma exemplar lição de que a vingança é mesmo um prato que se come frio. Pois o Alaor é um sujeito genial. Tem uma das maiores inteligências que jamais vi. Aos 26 anos de idade, já era catedrático - que hoje corresponde ao professor titular – na Faculdade de Medicina da UFRGS. Quando era chefe de plantão do Hospital Pronto Socorro de Porto Alegre, ele foi atender uma urgência na Vila Esmeralda, em Viamão. Antes, ocorrera um grave acidente em Porto Alegre, com um ônibus, o que levou vários feridos ao Pronto Socorro para atendimento urgente. E o Alaor ficou operando acidentados até de madrugada, quando surgiu o chamado da Vila Esmeralda. Fácil de imaginar, polido do jeito que é, ele simplesmente urrava pelos corredores do Pronto Socorro. Mas o que é que estão pensando? Acham que a gente é máquina? Que não há risco em se atender mais pessoas, apesar do cansaço? Por que não colocam alguém na reserva? Cabe fazer-se uma cirurgia só por plantão e ir embora! O preço do pão aumentou de novo!... Em síntese: ficou mais furioso do que o Tande, quando o balão não arma. Ainda assim, o Alaor pegou a maleta, o estroboscópico, como ele chamava o estetoscópio, a maca e o motorista, botou tudo no pescoço e lá se foi. Ao chegaram na dona Esmeralda, bateram na porta e veio um mexicano atender. O Alaor já foi entrando, chamando o cidadão de Cantinflas, e se mandou direto para o quarto do casal. Lá encontrou a mulher do mexicano estática, de olhos fechados, só respirando. O Alaor examinou a senhora de todas as maneiras possíveis. Nada encontrou. E agora? Todas as funções vitais da mulher estão em perfeita ordem. Ele fez tudo que a medicina sabe, mas ela não voltou a si. Então, sapecou uma injeção de placebo na distinta. Psicologicamente, é o único remédio indicado nesses casos, até para dar uma satisfação à família apreensiva. Mas o Cantinflas queria saber o que era placebo e o Alaor respondeu que não era nada, era apenas uma combinação de uma substância plástica diluída em cebo: placebo. E foi-se embora, deixando o abacaxi como encontrou: desacordado. Mal sai o Alaor na porta e irrompe, dentro da casa, uma gargalhada geral que dava para se ouvir em Gravataí. Era tudo um grande trote: os mexicanos haviam apostado quem levaria uma ambulância do Pronto Socorro Municipal de Porto Alegre até a Vila Esmeralda, em Viamão. E já era quase oito horas da manhã e o Alaor ainda não dormira. Estava exausto. De modo análogo ao que ocorreu no caso do Marcelinho Ogro, os caras não sabiam com quem se estavam metendo. O Alaor esperou sem pressa, sabendo que só provisoriamente esse tipo de gente ganha alguma parada. Aliás, o erro de certas pessoas é pensarem que os outros não são de nada, são todos feitos a machado, e que não sabem esperar sua vez. Tudo isso, o Alaor pensando e esperando a festa da vitória terminar. Vagarosamente e sem qualquer sinal visível de contrariedade, bem devagarinho mesmo, como os chineses, que matam no cansaço, lembrou-se ainda uma vez de que o tempo vinga-se das coisas que são feitas sem a sua colaboração. E que os verdadeiramente inteligentes não se podem precipitar, pensando que está tudo ganho, mas que tudo tem ida e também tem volta. Lembrou o cansaço e a noite que não dormira. E decidiu: aqueles camaradas iam passar os próximos seis ou sete dias também sem dormir. Tudo na santa paz. Como ele sempre diz, fazendo-se de morto para ganhar sapato novo... Esperou longa e pacientemente aquela ruidosa alegria diminuir; aguardou se amainasse a gargalhada. Então, com a calma que só os loucos têm, voltou e bateu na porta. Veio o Mário Moreno, que antes o atendera. E então o Alaor disse que se esquecera de informar que o tal placebo pode resultar em terríveis convulsões, podendo, em meia-hora, levar o paciente à morte. Assim sendo, para evitar essa possibilidade, o Cantinflas teria que administrar à enferma senhora uma simples colherinha de chá de água da torneira com açúcar, de meia em meia-hora, durante os próximos seis dias, findos os quais, ela estaria completamente fora de perigo. E lá se foi o Alaor, dando a mesma e sinistra gargalhada do Marcelinho. E certamente pensando que a vingança ... ………………………………. A noite está divina. São seis horas da madrugada (08h-GMT). Do recanto contemplativo, miro o céu. Estando no rumo 300, olho por boreste, quase na proa, e vejo Sirius descrevendo sua trilha imutável. Um pouco mais à esquerda, está Touro, com o vértice para baixo, qual gigantesca seta, apontando o caminho do Mar do Caribe. Continuo: vejo Orion em sua majestade e, lá adiante, quase caindo dentro do Mar, pela segunda vez nesta travessia, o Cruzeiro do Sul. Paro de olhar e penso na perda de tempo que é, às vezes, o adiamento indefinido de decisões a serem tomadas. Por falta de decisão, o homem joga fora sua existência facilmente. Eis a sabedoria desejável: saber esperar o tempo que for necessário; outras vezes, agir logo, para não perder tempo. Agora, resolvo não mais perder tempo. Hora de decidir. Pois acabo de tomar uma decisão muito simples, quase ridícula, mas ao mesmo tempo emblemática por sua singeleza. A vida deve ser feita de coisas singelas. Mas tudo tende a mostrar, por si só, nosso entranhado comportamento reticente, quando se trata de mudar alguma coisa que precisa ser mudada. No meu caso, não contei só até três, como quer a canção; contei até dezesseis. Mesmo sem incluir a parte do Mediterrâneo, que foi terrível, nem a de Gibraltar às Canárias, bem melhor, durante os dezesseis últimos e penosos dias desta navegada, nada decidi. Há dias eu reclamava da situação que vivia lá na ponte de ligação do barco entre os dois cascos. Eu era vítima de uma verdadeira ponte dos suspiros, como aquela do Palácio do Dodge, em Veneza. Com um agravante: nem a janelinha que aquela triste ponte tem, a minha ponte aqui possuía. Na janelinha de lá, passavam os prisioneiros que iam para a execução, para a morte. Era dali que viam, pela última vez, o mundo de fora. Daí a tétrica denominação: Ponte dos Suspiros. A ponte daqui, no entanto, é totalmente bloqueada, sem janelas, e recebe o impacto de toneladas d’água espirradas contra ela a todo instante. É a verdeira Ponte dos Espirros. Todo barco monocasco, quando se desloca em águas revoltas, balança para cima e para baixo e, com isso, joga água para os lados e para cima. A proa e a quilha rasgam a água, partem-na em dois, e essas duas metades separadas sobem pelos costados até caírem outra vez no Mar. Nos catamarãs, isso obviamente ocorre também, mas a água que o casco de bombordo joga por boreste e a que o casco de boreste joga por bombordo têm o mesmo endereço: explodem na ponte de ligação entre ambos. Essa batedeira é onde durmo. Ou melhor, dormia. Ou, melhor ainda, era onde me acordava a cada estrondo. De lá, eu retirava os motivos para lamentar a minha desdita, não percebendo que a solução estava logo ali, bem perto, logo abaixo. Pois só nesta madrugada, às 04h 30min locais, faltando apenas 329 milhas de uma longa viagem de mais de 4.000 milhas, já quase consumada, a vítima decidiu não mais sofrer. Muni-me de patriótica coragem que só os bravos e fortes têm e, após tantos dias de tormento, tomei a mais importante decisão dos últimos tempos: fui dormir no chão. Que maravilha! Lá estava eu agora, deitado no chão do corredor do camarote, dentro do casco de boreste, longe da insuportável ponte, com o corpo a apenas poucos centímetros da água que passa por fora do casco. Que felicidade! Como pude ser tão idiota esse tempo todo, suportando a pancadaria que me arrancava da cama e fazia com que me chocasse contra a parede? Quantas e quantas vezes fiquei mal-dizendo a sorte porque não cheguei antes dos alemães para ocupar um dos dois camarotes de popa! E quando estava fazendo estas lamúrias negativas e derrotistas, socorreu-me o velho e querido pensamento positivo. Lembrei da questão da diversidade de atitudes em face da mesma adversidade. Pois é, peguei aquele limão azedo da Ponte dos Espirros, onde até baleia colide, e fiz uma linda e doce limonada. E disso recolhi, ainda, outra benéfica lição: o sacrifício foi bom porque enrijeceu ainda mais o meu coração marinheiro e o preparou para um percalço maior. Ainda uma terceira vantagem adicional: nos dias que restam, estarei aproveitando a maravilha da tecnologia moderna que é dormir no chão. Como diria o Fábio, tamo rico. E eu até coloquei no chão um colchonete que é uma maravilha. Imagina que luxo: nem precisei dormir na madeira dura dos paineiros. A vida não é mesmo boa? E tem mais: não há música melhor para os ouvidos que a das águas que passam pelo casco, cortadas pela quilha desde a proa. Que me desculpem se blasfemo mas, no barco, prefiro o idioma hídrico em lugar da Pastoral, dos Prelúdios, da Primavera ou da Polonaise nº 6, que tanto aprecio. Beethoven, Liszt, Vivaldi e Chopin, se fossem marinheiros, haveriam de pensar assim também. Não há música mais harmoniosa do que o som do Mar. É por isso que, no Molecão, quando estamos velejando, a Magra e eu não ouvimos habitualmente música. Ou melhor, só escutamos a música das águas. E apesar de tagarelas, falamos mais com os ouvidos. Só escutamos o harmonioso idioma que os pilotos de jet-ski nem sabem que existe... Desse modo, nas novas e moderníssimas instalações, estarei como estava no velho Madruga de guerra em que, depois de um turno de vigília, descia até seu ventre acolhedor, exausto, molhado e com frio. Além de não ter piloto automático, o grande barco de regata não possuía qualquer tipo de proteção contra as intempéries. Era espartano, feito para espartanos. Tínhamos que timoneá-lo ao ar livre, no frio e na chuva, mesmo que estivesse caindo um dilúvio dos céus. E quando voltava para dentro, tirava toda a roupa molhada e me deitava nú sobre qualquer vela ali atirada e certamente molhada também. E me aquecia na doce e quente caixa do motor. Ali eu dormia, ali me aquecia, ali mesmo, vezes sem conta, eu comia. No chão.
Fazem-nos bem as reminiscências. Muito bem. Mostram-nos como a vida sempre foi boa. Tudo é uma questão de atitude, de posicionamento frente a ela. A situação terrivelmente desconfortável que todos vivíamos no Madrugada, por ser um desafio, impelia-nos à frente; já conhecíamos os nossos limites e sabíamos que havia, ainda, mais algum passo para dar. Essa, talvez, tenha sido a maior lição que recolhi daqueles endoidecidos velejadores de que tenho falado: o desassombro, a coragem, a obstinação, a força moral da fé e da honra sem preço... Esses velejadores são mais do que homens; são marinheiros. Não porque sejam mais fortes mas, precisamente, porque conhecem suas fraquezas, seus limites. Sabem até onde podem ir. E vão. Sua simplicidade é, para muitos, constrangedora. Quantos churrascos lhes preparei em Ilha Bela, usando apenas e literalmente um garfo, uma faca e um cepo de madeira para que cada um pegasse, com a mão, os pedaços de carne devorados com prazer. Quão genuína era nossa camaradagem e nossa simplicidade de assar a carne e comê-la sem talheres. Conhece-te a ti mesmo, dizia o grande filósofo. Quantas pessoas conhecem seus limites? Para que? Para que quando o vendaval da vida as chicotear com o açoite da desgraça, saibam, com segurança, que podem resistir. E poderão, até, encontrar forças para dar a mão a quem delas precise. Não se trata de querer exibir-se para os outros. Isso é argumento dos fracos, dos débeis, que nem sequer têm coragem de conhecer seus limites. Sabem, de antemão, que são muito estreitos. Isso é argumento dos intolerantes, porque não suportam que alguém os supere. Esse é o argumento dos abstêmios de verdade, porque já se habituaram com a mentira. Conhece-te a ti mesmo, eis a questão. …………………………….. São 08h 05min, hora do sol. Estou tomado de uma insônia febril e tenho que ir ali fora: há um princípio de incêndio para os lados do leste. Ele está marcado para irromper daqui a exatos três minutos. Embora ocorrendo todos os dias, jamais é igual a outro qualquer; nem mesmo ao do dia anterior. ……………………………….. Parece que nossas preces foram ouvidas. São dez horas da noite e desde ontem estamos velejando com ótimos ventos, de balão durante o dia e asa-de-pombo à noite. O Mar - de vez em quando mais furioso, outras vezes menos - vai propiciando, de par com o vento, uma grande navegada. Escrevo quando posso. O espetáculo do alvorecer de hoje foi fantástico, indescritível. O da tarde, porém, ficou um tanto prejudicado porque o palco não foi totalmente aberto. Mas ao menos aconteceu, como de hábito, pontualmente. Às 21h 01min o sol desapareceu. Algumas cortinas foram mantidas fechadas. A velha locomotiva de guerra voltou com força, soltando seus chumaços de fumaça em forma de alvas nuvens, anunciando os tão desejados ventos. Com isso, o horizonte não se abriu totalmente, razão pela qual imagino que não veremos o Cruzeiro do Sul, como ontem vimos. O mundo mostra-nos a toda hora - é só estar atento para o ler - que nem sempre tudo pode ser alcançado como a gente gostaria. Queríamos vento; o vento esta aí. Ocorre que, por irmos em frente como um carro de combate vai, chegaremos ao destino sem, antes, apreciar um dos mais lindos fenômenos da natureza, quando se está no Mar, sem terra à vista. É a notável oposição entre o pôr-do-sol e o surgimento da lua cheia, que ocorrerá na próxima segunda-feira. Por muito pouco, vamos perder esse fenômeno indescritível: no levante, a enorme lua surgindo aos poucos, qual bola alva de algodão; no lado oposto, no poente, o imenso astro-rei mergulhando no Mar Oceano, do qual só ressurgirá no dia seguinte. Entre eles, como verdadeiro elo de ligação, o Mar. Que lástima perder o espetáculo. |