Até não mais enxergar terra...
Uma aventura no mar

Jeferson Scholze

Meu primeiro barco foi um Dingue, adquirido em 1982, com o dinheiro do soldo de Tenente R2 do CPOR. Comprei do Seu Rudy da Sul Náutica, em Porto Alegre. Foi muito engraçado, pois eu lembro que compramos o barco e não tínhamos a menor noção de espaço. Na nossa cabeça, o barco entraria pela janela do apartamento onde morávamos.
Eis que o pessoal da Sul Náutica colocou o barco em uma caminhoneta (acho que F1000) e nós junto felizes da vida (eu e meu irmão gêmeo) seguimos até a esquina das avenidas Ipiranga com Santana (onde meus pais moram até hoje) e nos deixaram em casa com o barco na porta do edifício.

Aí começou a árdua tarefa de entrar com o barco em casa e guardá-lo em nosso quarto. Os apartamentos são grandes, mas não para tanto.
Percebemos que não caberia e fomos na Azenha comprar um par de racks para colocar em cima do carro do pai e ali ele passou a noite. Quase não dormimos de tanta preocupação. Nossa jóia preciosa pousava na garagem do posto.
Acabamos guardando ele em guarda náutica (Alemão Arno).

Esse Dingue foi um fiel companheiro. Fizemos muitas aventuras com ele. Atravessamos o Guaíba para a Barra do Ribeiro várias vezes, com barraca, saco de dormir, rede de pesca e foram várias noites dormindo encharcados devido as ondas que insistiam em passar por cima do barquinho.
Ir para a cidade de Guaíba era uma rotina de final de semana pois lá tinhamos uma tia (aquelas tias com mel) e uns primos com idade muito próxima da nossa que adoravam velejar conosco, sem falar nas "minas" que eles conheciam.

Com ele entramos no mar grosso de Cidreira Beach (litoral norte do RGS). Meus pais construíram uma casa quase junto à plataforma de Cidreira (em Salinas Beach) e a aventura mais incrível que passamos foi entrar no mar. Eu e meu fiel companheiro (meu irmão gêmeo) entramos no mar com uma missão.
Vamos navegar mar adentro até não mais enxergar a terra.
Queríamos poder dizer que navegamos até enxergar somente céu e água.

Saímos cedo da manhã. Acordamos às 06:00h e tomamos um café reforçado com Dramin 6 (Já tinhamos tomado o Dramin 12 e quase desmaiamos dentro do barco pois ele baixou nossa pressão em demasia).
Escolhemos esse horário porque o mar pareçe dormir a noite e ao amanhecer as ondas lambem a praia com toda calma e serenidade de quem está dormindo.

Na ocasião minha mãe disse-me que ouvia comentários do tipo: Onde andam os pais dessas crianças? (crianças com 19/20 anos) Que irresponsabilidade entrar no mar com essa casquinha de ovo, etc... Ela ouvia isso e permanecia deitada na areia tomando banho de sol. Disse que nem olhava para o horizonte com medo.

Enfrentamos as ondas e colocamos o barco dentro d'água após muito esforço. Levamos material de pesca, água e só. Nada de frutas ou chocolate.
Perto do 1/2 dia, depois de velejar muito, ainda avistávamos o farol de Cidreira e uma cabana maldita que tinha uns 3 andares. As demais construções se escondiam atrás da bruma do mar.
Não conseguimos nosso objetivo, mas nossos amigos que ficaram em terra disseram que viram nossa vela sumir no horizonte. Entre as vagas de ondas víamos somente céu e água, mas na crista das vagas ficávamos vendo as referências em terra.

Uma tormenta de verão aproximava-se e resolvemos retornar. Desistimos do objetivo maior em prol da segurança.
A chegada foi algo impressionante. O mar, que estava mansinho quando saímos, transformou-se em ondas gigantes.
Olhava para a frente e via um rolo de água imenso. Parecia um precipício de água, aí resolvi dar uma olhadinha para trás e vi uma montanha de água crescendo até estourar sobre o casco do pobre e valente Dingue. Na mesma hora em que a onda estourou, meu irmão foi jogado n'água. Eu fiquei porque estava agarrado no suporte do motor e no leme.
Lembro do comentário do meu irmão, tentando buscar o barco a unha, mas fibra não permite "unhadas".
Ele ficou naquele monte d'água mas estava de colete e com certeza chegaria à praia.

Eu prossegui, passei a primeira arrebentação (literalmente arrebentação), passei a segunda e na terceira, o povo veio em direção ao barco. Ele vindo e eu gritando "saiam da frente". Imagina uma prancha de surf na cabeça se um senhor de 60 anos já faz um estrago, agora troca a prancha por um Dingue.....
quando o barco estava quase batendo no senhor (agora digo senhor, na época eu dizia véio), ele se deu conta que eu não tinha como parar. Foi um "espalha gato" incrível, com a mesma curiosidade que fui recepcionado, fui quase linchado ao chegar na praia.
Depois do sufoco e cansaço, porque o sol cansa muito mesmo, chegamos varados de fome e sede.
A experiência seguiu até termos o mastro quebrado por 3 vezes, quando trocamos por um HC14.

Jeferson

 

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