Barco à vela
H. A. Calahan

Aqui na terra, há vida e aglomeração; lá fora, sobre as águas, está a liberdade. Aqui, o mundo nos acompanha demasiadamente, lá fora estamos sozinhos. Uma milha longe e nos encontramos num mundo exclusivo para nós, e que mundo! Um mundo de águas, vento e céus. Um mundo de inesgotável e poética beleza. Um mundo lunático e caprichoso talvez, porém sempre nobre e cavalheiro. Às vezes terrível, às vezes bondoso, triste a alguns, alegre a outros.
Algumas vezes deprimente, ameaçador, louco e perigoso, porém sempre dando novamente a face, jogando a partida com as cartas a descoberto.

Este mundo das águas não se pode encontrar a bordo de uma embarcação a motor.
O motor leva consigo parte da costa e da trepidante terra. Um barco a motor ronca como o estridente barulho de uma cidade, vibrando ao compasso de uma era mecanizada. E o que é pior, perde-se a emoção do jogo como quando se usa dados falsos.
Não. O mundo das águas não se pode descobrir com um motor, mas sim com uma vela, pois aquele mundo de águas e céu, ventos e ondas não está somente ao nosso redor, senão que forma parte de nós mesmos. Se te combate também te estimula, és tu o motor, tanto como tua própria resistência, à salvaguarda ao mesmo tempo de teu inimigo.

Das coisas construídas pelo homem, nenhuma é tão atrativa quanto um barco à vela. É algo vivo com alma e sentimentos próprios, obediente como um cavalo de sela, leal como um cão. Cada barco à vela tem um caráter individual. Nenhum construtor conseguiu fazer duas embarcações exatamente iguais. As medidas podem ser as mesmas, a diferença está no temperamento.

Os veleiros são ajuizados, demonstram uma profunda sagacidade tirada do vento e das ondas, e transferem esta sagacidade a um timoneiro atento e cuidadoso. Sim, são ajuizados, porém se és mesquinho ou vil, covarde ou descuidado, soberbo ou cruel, podes estar seguro de que tua embarcação o descobrirá. Quando em apuros na tempestade ou na adversidade, nenhum barco deixará de fazer o máximo esforço quanto lhe peça seu patrão.
Talvez seja um esforço de pobres resultados, por ser um barco velho, podre e fazendo água como uma cachoeira.
Porém sempre, até que suas desvantagens sejam demasiadas, entrará galhardamente na batalha. Ganhará se possível, senão morrerá lutando.

Manejar esta gloriosa criação humana, ser seu dono e seu amigo, internar-se com ela no lindo e caprichoso
reino do mar é a mais nobre e compensadora das artes. Porque dá mais do que se pode adquirir com dinheiro:
humildade e confiança em si mesmo, valentia e bondade, força e delicadeza. Este é o presente ao navegante.

O canhonaço que anuncia sua vitória quando cruza em primeiro lugar a linha de chegada de uma empenhada regata, soa como música divina. O doce calor de seu interior, a uma milha a dentro do mar frio e cinzento é o mais
confortável dos lugares. Mar afora, quando estamos em nosso ambiente, sozinhos com nosso barco e com as estrelas,
as preocupações da vida e da costa se reduzem rapidamente às proporções verdadeiras.

O desporte do navegante nunca termina. Tanto o desfrutam os velhos quanto os jovens. É agradável tanto no inverno quanto no verão, pois o frio ou o calor não opõe barreira alguma a seus planos.
Nunca se acaba de aprender. Aos que viverem mil anos não poderiam conhecê-lo todo.
A Arte da navegação à vela é tão antiga quanto a humanidade e tão nova como os caminhos da Lua.
H. A. Calahann, 1930


Encaminhado por Antonio Joaquim Machado

 

 

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