O barco ideal e a mulher perfeita
Ah se eu fosse um sultão...
Nelson Ferreira Fontoura

Sempre gostei de barcos. Adoro olhar projetos e analisar as diferentes soluções encontradas para conseguir-se o barco ideal. Casco marinheiro, simples de operar, que possa ser conduzido por apenas um tripulante, confortável, veloz e de baixo calado. E claro, preferencialmente à vela. Nunca encontrei o tal barco.

O Tiza, que iniciei a construir em 1999, apesar das inúmeras horas de vigília noturna, está longe de atender a todos estes quesitos. O calado é de um metro, bastante razoável para o Guaíba. Entretanto, isto não me isentou de problemas, e já tive pelo menos três encalhadas mais trabalhosas, especialmente nas entradas e saídas de canais.

O Tiza orça relativamente bem, talvez graças à quilha em asa. Também é capaz de fazer cruzeiros longos, pois pode carregar até quatro baterias de 100 Amperes, 280 litros de água e 100 litros de gasolina.

A mastreação é super-dimensionada, com perfil e estaiamento de Delta 32, além de uma armação em Cutter. É um barco decididamente de cruzeiro, e precisa de um vento razoável para andar. Perde-se, portanto, no quesito velocidade. Com vento fraco, dá uma coceira no dedo para ligar o motor.

Às vezes, principalmente quando saio de dia e sozinho, o que ocorre em 60-70% do tempo, dá vontade de ter um barco de melhor desempenho, com um casco leve e com velame bem dimensionado.

A cabine seria irrelevante, servindo apenas para guardar as velas. Tenho a impressão de que seriam saídas mais emocionantes. Um HPE 25, vendido pela Regatta, cairia perfeitamente neste conceito.

Mas também lembro das minhas saídas com a lancha do meu laboratório na PUC. Foram bons momentos, especialmente nas lagoas do litoral norte, onde tive oportunidade de navegar de Cidreira a Torres em mais de uma oportunidade.

Lembro especialmente de uma noite, há uns 10 anos, em que subia da lagoa Tramandaí para a lagoa Itapeva. Havia chovido muito, e os limites dos canais não eram muito claros.

Como naquela época eu ainda não tinha GPS, a navegação no canal era feita respeitando-se o Ecobatímetro, enquanto que nas lagoas navegava-se pela bússola. Mas a sensação era ótima.

O barco correndo devagar, a uns 10 nós. O motor roncando suave. Um ronco grave que dava sensação de potência contida. Os canais eram como rodovias prateadas sob o céu estrelado, refletindo a luz vermelha e verde das luzes de bordo. Até hoje não esqueço desta noite: em determinadas condições, uma lancha é inigualável.

Dentre as lanchas, gosto particularmente dos modelos Fishing: práticas e funcionais, como, aliás, todo o barco deveria ser. Seriam capazes de me levar rapidamente aos locais de trabalho, aumentando em muito a minha capacidade para amostrar áreas mais distantes.

Mas também valorizo o barco-casinha, envidraçado, com pé-direito razoável, com uma cama retangular que não pareça um jazigo, box para banho e outros confortos. Existem projetos de House-boats da Glen-L que atenderiam perfeitamente a estes quesitos. Um barco assim navega em águas extremamente rasas, podendo encostar nas praias da ponta do Salgado, ou subir o Jacuí com desenvoltura, navegando solenemente a 10-15 nós. Ótimo para curtir e pescar com a família e amigos. Só que não é um casco marinheiro para águas agitadas, assim como também não traz grandes emoções.

No fundo, não existe o barco ideal. Existem ótimos barcos, como existem ótimas mulheres. Alguns dizem que para cada homem, um barco. Mas nem isto se aplica a mim: eu gostaria de ter três barcos, cada um otimizado para seus respectivos propósitos. Mas como o salário de professor não comporta este delírio todo, continuo navegando com o Tiza e jogando na Megasena.
Ah se eu fosse um Sultão...

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