Conta todas, vovô
Jorge Vidal

No Caribe com o Charrua

Em maio de 1977, os amigos Paulo Monte Lopes, Oscar Nieto, Augusto Sperb e eu resolvemos velejar no Caribe. Alugar um barco e navegar pelas ilhas do Caribe sempre foi o sonho máximo de todo velejador. Existem diversas companhias de charter no Caribe. Mas oferecia-se a oportunidade de fazê-lo em barco brasileiro e, melhor ainda, com um skipper brasileiro. O amigo e velejador Jorge Nortflet fazia charter no Caribe com seu veleiro Charrua II, sob o comando do Marcelo Aaron, meu conhecido desde menino, companheiro de diversas velejadas e então com enorme bagagem de experiência. Estava lá havia mais de quatro anos. Tinha velejado por todo o Caribe com o Maravida, barco brasileiro, e agora havia levado daqui o Charrua II.

Fomos de avião a Miami, com traslado pela American Airlines para San Thomas, onde o Marcelo nos aguardava no aeroporto. Fomos direto para o Charrua, que se encontrava atracado na Marina Central de Porto Amalie. Logo nos acomodamos a bordo nas excelentes instalações do veleiro de 45 pés, de madeira, construído no estaleiro do Plínio Flöerik, em Porto Alegre.

À noite nos encontramos com a tripulação do Maravida, do comandante José Carlos Ryzewski, do Ralph Hennig, o Tatu, um dos melhores skippers do iatismo mundial. Faz delivery no mundo todo, tendo acumulado uma extraordinária experiência, que inclui diversas travessias oceânicas. Além disso, trata-se de excelente rapaz, educado, simpático e que transmite, a exemplo do Marcelinho Aaron, enorme confiança e segurança. Junto com a tripulação do Maravida, que se encontrava também atracado no Porto Amalie, a convite do comandante Ryzewski, comemos um suculento churrasco de carne texana, feito na churrasqueira de aço inox, fabricada em Porto Alegre pelo velejador Carlos Altmayer Gonçalves, o Manotaço, aliás as melhores churrasqueiras feitas para barcos, como tudo o que é confeccionado pela empresa do Manotaço.

A carne estava muito bem assada, assemelhando-se à nossa picanha. O carvão, este sim, como era mineral, exalava um cheiro pouco estranho para nós. Fomos até altas horas da noite, batendo papo, churrasqueando, tomando chimarrão e, claro, alguma cervejinha. O certo é que o Rio Grande do Sul nunca esteve tão presente no Caribe.
No outro dia, pela manhã, desatracamos do trapiche de concreto, bem instalado, com modernas colunas de água potável, luz, telefone, TV a cabo e combustível, bem no centro de San Thomas.
Fomos para a primeira ilha, San John, nas praias de Francis Bay e Leinster Bay, com água azul anil nas partes mais profundas e verde em águas mais baixas, totalmente transparentes e temperatura em torno de 25 graus. Uma delícia. Chegamos a uma praia, em San John, chamada Huricane Bay, onde tomamos banho, fizemos mergulhos, passeios pela praia e, após, um copetin no barco. Fazíamos a bordo o café da manhã cinco estrelas preparado pelo Marcelo e, à noite, sim, jantávamos. Merê e Augusto Sperb competiam entre si, para benefício de todos, a condição de melhor cozinheiro da janta. Foi difícil escolher, de tão boas que eram. Pernoites em baías abrigadas e tranqüilas, e assim fomos de ilha em ilha.

Nas Virgens Gordas, em Beter End, encontramos novamente o Maravida, que, agora sob o comando do Ralph Henning, estava seguindo viagem para o Brasil, junto com mais dois companheiros, com tempo estimado de em torno de quarenta dias, pois tinham que fazer uma volta muito grande, a fim de aproveitar as correntes e os ventos alísios, para chegar à costa brasileira.

Passamos nove dias a bordo do Charrua II, velejando de ilha em ilha, destacando-se: Tortola, Marina Cay, The Bath, Anegada, Norman, Road Harbour, Sabarok, Culebra e outras, com suas lindas praias, casas brancas com telhados coloridos, ruas tipicamente européias, denunciando a presença de muitos países, como Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Espanha, Holanda e Porto Rico.

Nas diversas ancoragens, ao longo da nossa velejada no Caribe, quando não ficávamos em uma poita e usávamos a nossa âncora, sempre o fizemos com corrente. Ancorar com corrente em lugar de cabo é muito mais eficiente. Além da maior segurança, não provoca aqueles puxões, que acontecem com o uso do cabo. Recomendo o uso de corrente nas ancoragens, principalmente para pernoites. Para os veleiros que não possuem guincho para âncora, o mais recomendado é usar metade do comprimento com corrente e o restante com cabo, para melhor manuseio manual.
No Caribe, em alguns ancoradouros, para que a âncora não danifique os corais, que são espécies vivas que respiram e se alimentam de microorganismos, os responsáveis fixam poitas para a atracação dos barcos, sem o uso de âncora. Cordas nos veleiros são conhecidas como cabos. Em barcos à vela, usam-se somente as do relógio...
Concluímos nosso passeio em San Juan, Porto Rico. Quando cruzamos a antiga Fortaleza, bem na entrada da barra de San Juan, a bombordo, me recordei do Geraldo Linck e de sua viagem ao Caribe, que aí encerra a narrativa de seu livro. Nunca imaginara que um dia também o fizesse.

Concluindo maravilhoso passeio pelo Caribe, ainda ficamos três dias em Porto Rico, visitando a cidade, suas lindas praias e conhecendo um pouco a história do seu povo. Aguardamos a chegada da Ilá Northflet, esposa do Jorge, da sua filha e genro e do velho e querido amigo Kurt Keller, pois eles continuariam a velejada até as Bahamas. Em San Juan, festejamos ainda o aniversário do Keller com uma maravilhosa janta num hotel de luxo, a convite dele.
Retornamos para Miami de avião e ainda ficamos alguns dias pela Flórida, visitando marinas e passeando de carro. Fomos, entre outros passeios, até Key West, visitando todas as ilhas e suas marinas, clubes, lojas náuticas, etc.
Muito chimarrão foi tomado no Caribe!