Conta todas, vovô
Jorge Vidal

O Miraguaya nas belas prainhas da Lagoa dos Patos

Eduardo Scheidegger era dono de uma baleeira de 38 pés, desenho de Manoel Campos, doublé-proa de madeira, que tinha sido construída por Roberto Funck, em Porto Alegre. Calava muito pouco, pois tinha uma bolina móvel, tipo canivete, sendo ideal, portanto, para se velejar em águas baixas.
Sua esposa, Hilda, e seus filhos, Paulo, Jorge e Eduardo (Dudi), eram seus companheiros de velejadas. Por sinal, todos excelentes tripulantes e muito estudiosos das coisas do mar e de barcos à vela. Foram meus companheiros e tripulantes no Arpège e participaram comigo e com meus filhos em diversas regatas do calendário gaúcho de vela.
Pois bem, o Miraguaya estava atracado no Yate Clube de São Lourenço e o comandante Scheidegger me convidou para um passeio na Lagoa dos Patos por alguns dias, concluindo a navegada em Porto Alegre, pois queria levar o barco de volta para seu clube.

Era março de 1977. A bordo, além do comandante, estavam seu filho Paulo, a esposa, Karen, Geraldo Silva e eu. Saímos por volta do meio dia do Arroio de São Lourenço e atravessamos toda a Lagoa dos Patos numa das partes mais largas, em torno de 50 milhas, e fomos direto até a Barra Falsa, no estreito de São José do Norte. Chegamos ao cair da tarde.
Fizemos a aproximação com cuidado, pois a entrada tem muitos baixios, e ancoramos bem dentro da Barra Falsa. A velejada até aqui tinha sido com vento de través, alguma onda, mas uma condição em que esse tipo de veleiro navega muito bem e com muita velocidade. As baleeiras têm dois mastros e velejam com genoa, grande e mezena. Bela velejada. O barco escorou na bolina e foi embora em condições muito favoráveis, pois não adernava muito e num bordo só.

Nos revezávamos no leme, tomávamos chimarrão e batíamos papo. O comandante estava eufórico com a performance de seu barco, coisa que sempre deixa feliz o proprietário da embarcação. À noite, após uma pescaria de tainhas com uma rede, fui para a praia limpar o resultado da pesca e preparei um calderaço de peixe com cebolas, tomates, batatas, pimentão e ovo duro. Disseram todos que estava ótimo. Dentro da Barra Falsa a traqüilidade era total, mas lá fora, na lagoa, o vento leste cantava forte, provocando muitas ondas, pois aquela costa é baixa.
Dormimos calmamente e pela manhã bem cedo Paulo e Karen prepararam um maravilhoso café, tipo hotel cinco estrelas.

Lá pelas nove horas saímos no rumo do Farol do Bujuru, onde ancoramos por volta do meio-dia, pois pegamos vento contrário e nos abrigamos dentro da enseada. Fomos ao banho e almoçamos. Ficamos por lá o resto da tarde passeando na praia, admirando a beleza do local e pernoitamos.
No outro dia saímos cedo rumo ao Pontal de Santo Antônio, na enseada de Tapes – para mim um dos lugares mais bonitos da lagoa. Vento fraco de leste, e lá íamos nós lentamente até o Pontal. A velejada durou todo o dia. O dia estava ensolarado e quente. Pernoitamos no Buri. Na seqüência de nosso passeio, a tripulação queria descer na Ilha do Barba Negra, por oeste, lado que é muito baixo. Como a baleeira cala pouco, conseguimos. Chegamos, baixamos os panos e fomos caminhar na ilha, onde pernoitamos.

As prainhas ao longo da Lagoa dos Patos são muito bonitas, de areias brancas decoradas pelo sombreado de muitas figueiras centenárias. São desertas, mas habitadas por variados animais silvestres. O comandante Geraldo Knippling as retrata muito bem em seus maravilhosos livros Descobrindo o Guaíba e Velejando na Lagoa dos Patos.
Sempre recomendo aos velejadores do Rio e de São Paulo, assim como de todo o Brasil, que venham com seus barcos até Porto Alegre. Que venham conhecer esta maravilha que é a Lagoa dos Patos e o Estuário do Guaíba. Os velejadores estrangeiros que nos visitam, principalmente os do Prata, ficam sempre maravilhados com sua beleza e encantados com a acolhida dos velejadores gaúchos, de Rio Grande, Pelotas, São Lourenço, Tapes e Porto Alegre. São testemunhas os velejadores argentinos que completaram a volta ao mundo recentemente e que, antes de fazê-lo, estiveram aqui por duas vezes: o comandante Guilherme La Coste (Mani) e sua mulher, Suzana, dono de um veleiro Frers 40 pés, de nome Siroco. Junto com o Dr. Paulo Castro, veterano velejador gaúcho, passaram muitos dias pela Lagoa dos Patos, principalmente no Pontal de Tapes e em Itapuã. Lamentavelmente, a maioria dos gaúchos não conhecem esta maravilhosa lagoa.

Nós continuávamos a passar bem a bordo do Miraguaya. Café da manhã cinco estrelas, lanche na hora do almoço e lauto jantar à noite. Finalmente, da Barba Negra seguimos contornando a ilha pelo norte, de volta para Porto Alegre, passando pelo Morro da Formiga, Ilha da Ponta Escura, Itapuã, Ilha do Junco e ilha Chico Manoel. Chegamos à noitinha no Veleiros do Sul.
Durante a nossa velejada o comandante, pelo rádio PY, conversava à noite com o mundo todo, principalmente com os países de língua portuguesa. Falamos seguidamente com radioamadores da Ilha da Madeira, dos Açores e de Portugal.
Alguns anos mais tarde, o casal Hilda e Eduardo, aposentados, foi morar no Recife, na localidade de Maria Farinha, levando o Miraguaya junto. Ele ficava atracado num píer localizado nos fundos da propriedade deles. Temos muitas saudades desses amigos e do Miraguaya.