Conta todas, vovô
Jorge Vidal

O caso do navegador alemão

Em fins de 1990, fui procurado, na qualidade de comodoro do Clube Veleiros do Sul, pelo cônsul alemão em Porto Alegre, Sr. Rainer Milik, que nos informou haver encalhado na costa do Rio Grande do Sul, na altura da praia do Quintão, um veleiro alemão, de nome Summerwind, com registro na cidade de Hamburg, de propriedade do navegador alemão Hans Johannes Hagelstein, que havia sido encontrado morto dentro da embarcação, com um tiro. Junto estava uma cachorrinha vira-lata, de nome Mimosa, viva.
As providências começaram de imediato. Clube fundado por alemães, o Veleiros não poderia deixar de dar integral apoio e colaboração às autoridades e aos familiares do velejador, sem contar o permanente espírito de marinharia que norteia todos nós, os velejadores.
Providenciamos a remoção do barco, que se encontrava encalhado na praia. Nada tinha sido saqueado do barco, que estava inteiro. O Consulado se encarregou das providências relacionadas com o corpo do velejador e a cachorrinha, assim como de avisar a família, na Alemanha. As custas da remoção foram todas de responsabilidade do Consulado.
O barco foi trazido numa carreta rebaixada, tracionada por um cavalo mecânico Scania, e foi descarregado no guincho do Yate Clube Guaíba, pois o acesso rodoviário ao Veleiros do Sul não o permitia, já que estava em obras. Após, por água, o rebocamos para o porto do Veleiros, onde foi colocado num box, na presença do pessoal do Consulado e das polícias Civil e Federal, que o abriu, examinou e no-lo entregou como fiéis depositários.
A família do navegador – sua mãe, Erna, de 78 anos, sua ex-esposa, Verônica, de 43, e a filha, Felicitas, de 23 – solicitou que o corpo do iatista fosse enterrado em Porto Alegre, pois não tinha dinheiro para o traslado. Assim foi feito pelo Consulado. A cachorrinha Mimosa ficou no Quintão, aos cuidados de um soldado da Brigada Militar. Muita gente queria ficar com ela. Finalmente, por solicitação de uma amiga do Hans Hagelstein, da Alemanha, a cachorrinha foi enviada àquele país pelo Consulado. E lá se foi a Mimosa, única testemunha da tragédia, mas que, infelizmente, não falava... Soube-se que a cachorrinha tinha esse nome porque constava em inúmeras anotações a bordo do Summerwind.
Pelo GPs e suas últimas marcações, pôde-se também rastrear suas posições na costa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nada de anormal foi constatado; a navegação vinha sendo feita sem nenhuma dificuldade. Pela perícia das autoridades policiais e pelo exame de balística, foi constatado que o alemão havia se suicidado com um tiro de um rifle Charles AR7, Explorer, de fabricação alemã, no céu da boca. A arma foi encontrada ao seu lado.
O veleiro era um doble-proa de fibra de vidro de 40 pés, muito bem construído na Alemanha. Um barco muito robusto, próprio para navegação oceânica, e o velejador já andava pelo mundo há cerca de três anos. Tinha 46 anos e, pelas fotos encontradas no barco, era de estatura bem alta, bem-humorado e em boas companhias... Porque praticara esse ato? Só Deus sabe...
Passados alguns meses, veio a Porto Alegre um skipper (navegador profissional) alemão para buscar o veleiro e levá-lo de volta à Alemanha. Levou alguns dias preparando o barco, recolocando o mastro, trocando algumas peças, baterias, revisão do motor, enfim preparando-se para a longa travessia oceânica até Hamburg, na Alemanha, que, mais tarde soubemos, durou 52 dias.
A história do cofre onde Hans teria dinheiro escondido nunca foi descoberta. Ninguém encontrou o tal cofre e, pelas evidências, não acreditamos que ele possuísse alguma soma expressiva de dinheiro. Era aventureiro e, pelo que se pôde notar, romântico e de vida simples.