Conta todas, vovô
Jorge Vidal

O insólito caso do navegador inglês

Atracou no Veleiros do Sul, em junho de 1991, um veleiro de bandeira da Inglaterra, procedente das Ilhas Malvinas. Chamava-se Chanson de Lecq. Seu proprietário era Roderick Newall.
Pessoalmente, o recebi e o acolhi, determinando um box ao lado do meu barco Arpège. O barco titular desse box se encontrava no galpão de reparos, em manutenção, estando vago por isso.

Tratava-se de um rapaz jovem, cabelos compridos, barbudo e alto (media 1,80m), muito simpático e falante, dominando inglês, francês e espanhol. Logo fez amizades no clube, especialmente com o pessoal jovem. Tornou-se amigo até mesmo de alguns sócios, que o acompanhavam em festas e jantares na noite porto-alegrense. Nessas andanças, o Roderick inclusive namorou uma moça da sociedade local, que falava bem inglês, pois era professora de línguas. Os dias foram passando alegres e faceiros, na companhia dos novos amigos que havia feito e da namorada, uma moça muito bonita e simpática.

Coincidiu que nessa época abrimos um novo livro de visitas de barcos e velejadores que aportavam no clube, e eu, pessoalmente, como comodoro, solicitei ao Roderick Newall que inaugurasse o mesmo, pois seria o primeiro registro. E assim foi feito.

O rapaz circulava diariamente no clube e dormia no barco. Conversávamos seguidamente, afinal nossos veleiros eram vizinhos. Eu emprestava ferramentas para ele e até mesmo o ajudei, durante uma tarde inteira, a bordo do Chanson de Lecq, a arrumar algumas peças no convés. Seu barco era um 32 pés muito bonito e bem montado. Disse-me que já o havia vendido, mas que adorava a vida no mar e que em sua volta à Inglaterra iria comprar um veleiro novo e maior, para continuar suas andanças pelos oceanos.

Pois bem, passados alguns meses, seis meses exatamente, ele retornou para as Ilhas Malvinas, pois, como tinha vendido o barco, ia entregá-lo lá em Port Stanley. Antes da partida, comentou comigo que de lá retornaria à Inglaterra, mas que estava muito saudoso em deixar os amigos e a namorada...
Para nossa desagradável surpresa, eis que um belo dia os jornais noticiam que o Roderick havia sido preso em Gibraltar, a pedido das autoridades das ilhas Jersey, pequenas ilhas independentes entre a Inglaterra e a França, onde residia sua família. Junto com seu irmão Mark, foi acusado de matar barbaramente seus pais, havia coisa de três anos, outubro de 1987, portanto antes de vir ao Brasil...

Dias depois as autoridades policiais britânicas provariam que, efetivamente, junto com seu irmão, ele matara seus pais. Os cadáveres nunca foram encontrados. Assim como seu irmão, Roderick acabou condenado a prisão perpétua.
Ninguém de nós poderia imaginar que aquele moço, jovem, simpático, educado, fosse capaz de tal procedimento e, pior, que pudesse escondê-lo tão despistadamente nos seus gestos e movimentos. Lembro que, ainda na véspera de viajar, seus amigos lhe ofereceram um jantar num pequeno restaurante hindu, no bairro Moinhos de Vento. Comeram muito bem, tomaram cerveja e vinho. Roderick estava feliz... Na verdade, o fato entristeceu a todos.