O comandante Oscar Nieto, veterano velejador do Veleiros do Sul, é argentino de nascimento, mas brasileiro de coração, pois vive há muitos anos em Porto Alegre, onde tem suas duas filhas brasileiras. Quando jovem, velejava no Rio da Prata em tudo que era tipo de barco que flutuasse e tivesse alguma vela... Um de seus companheiros de infância e de velejadas era Saul Sanbucini, hoje engenheiro e diretor de uma companhia telefônica, proprietário do veleiro Talismã, um 37 pés de fibra, muito bem aparelhado.
A convite de seu velho amigo, viajamos a Buenos Aires juntos, o Paulo Augusto Monte Lopes (Merê), Oscar Nieto e eu. Fomos do aeroporto direto para o barco, que se encontrava atracado nos molhes do Yate Clube de Olivos.
Junto com o comandante Saul, preparamos o veleiro para o passeio por ele programado pelo Rio da Prata. Na noite anterior à nossa velejada, fomos recebidos na sua residência para um jantar, junto com a sua família. Apesar de ótimo, o jantar foi um pouco estranho para nós, pois a família anfitriã é toda composta por vegetarianos.
No terceiro dia, saímos bem cedo da darsena de Olivos, pegando de cara o vento e as ondas do Rio da Prata. Na maioria dos lugares você vai experimentando a sensação de mais vento e mais ondas à medida que vai se afastando da costa, ou transpondo acidentes geográficos, como enseadas, morros, montanhas, até pegar o vento duro lá fora. No Rio da Prata é diferente. Você bota a cara para fora dos molhes dos clubes, que eles chamam de darsena, e já tem vento forte e muita onda. Seria como se você dobrasse o farol do clube e já de cara desse com as condições da Lagoa dos Patos. É claro que há dias de calmarias, mas é fato raro nesse rio.
Velejamos o dia todo, com vento de proa, onda alta e dando bordos até o Porto de San Juan, no rio do mesmo nome, do lado uruguaio. São cerca de cinqüenta milhas. A entrada ao abrigo do rio é um pouco confusa e baixa, dobrando abruptamente o cotovelo de um canal de acesso, difícil de ser contornado, com muita onda e muito vento. Lá dentro, calmaria total.
San Juan é um lugar belíssimo. Naquele fim de semana, mais de cem barcos estavam ancorados ao longo do rio, até uma ponte que impede a passagem de veleiros devido à altura dos mastros.
Os argentinos realmente gostam do iatismo e o praticam, sendo reconhecidos em todo mundo como ótimos e valentes velejadores, além de terem grande número de projetistas e desenhistas de barcos de renome mundial.
Passamos um belo fim de semana naquele rio, destacando-se os passeios pelos seus maravilhosos bosques, onde sobressai, na área de atracação, uma das residências de verão do Presidente da República Oriental del Uruguai. Trata-se de uma mansão enorme, localizada num bosque em que, pela manhã, o canto dos pássaros é uma sinfonia só. São inúmeros e de várias espécies, convivendo com outros animais que habitam suas pradarias.
Vêem-se barcos de todos os modelos, desenhos, tipos de construção, assim como marinheiros dos mais diversos matizes.
Retornamos a Buenos Aires novamente com vento duro e muita onda, e, para variar, o mesmo havia cambiado de quadrante. Outro dia inteiro de gostosa velejada. Lamentamos apenas que a comida de bordo tenha sido vegetariana.
O comandante Saul é muito simpático, amigo desde o primeiro momento, e profundo conhecedor das coisas náuticas. Atualmente, vive com sua esposa embarcado num veleiro na costa brasileira. O veleiro chama-se Salvador, um belíssimo e equipadíssimo 45 pés, com pilot-house.
Ainda ficamos mais dois dias na capital argentina, visitando seus clubes náuticos e suas lojas especializadas em coisas do mar, nos bairros de Olivos e San Fernando, todas com muita variação de artigos.
Velejar com o Nieto e com o Merê é sempre um prazer. Somos amigos de longa data. Já velejamos juntos por diversas vezes e por vários lugares. Já estamos tão acostumados, que velejamos por música...
Em outra oportunidade, velejei também em Buenos Aires, no Rio da Prata, e no rio Paraná, com o veleiro Recluta, um Frers 45 pés, grande vencedor de regatas na Argentina e em outros países, inclusive uma Buenos Aires / Rio. Foi a convite do nosso amigo argentino Pepe Valente. Noutra feita, velejamos também por lá a convite do desenhista e projetista naval Roberto Rovere, a quem retribuímos a carona aqui no sul do Brasil, a bordo do Arpège.
Navegamos também, pelo delta do Rio da Prata, no veleiro Kual, um Frers 43 pés, de madeira envernizada, que participou da regata ao Rio em 1971, do comandante Hector Transtenberg, na companhia do famoso desenhista argentino German Frers (pai), sua esposa, seu filho Pepe Frers e sua nora. Frers construía na época os veleiros da linha Fjord, tendo participado de todas as regatas Buenos Aires / Rio e vencido várias delas, como, por exemplo, a edição de 1971, com o Fjord VI. Nessa regata prestaram-lhe justa homenagem, por ser o mais antigo velejador da América do Sul.
Os argentinos são realmente extraordinários velejadores e contam com uma indústria náutica muito desenvolvida, representando uma economia muito forte para o pais. Existem inúmeros clubes, marinas e milhares de barcos. Imagine o leitor se eles tivessem as condições de navegabilidade e clima do Brasil. Se existisse uma costa como a de Santa Catarina, Ilha Bela, nordeste de São Paulo, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Cabo Frio e Búzios, assim como Vitória, Salvador e toda a costa do nordeste brasileiro. Meu Deus! Seriam milhares e milhares de barcos navegando por este Brasil todo. A exemplo da Nova Zelândia e da Austrália, eles têm uma cultura náutica muito acima da média.
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