Conta todas, vovô
Jorge Vidal

Uma ronda pelas marinas americanas

Em outubro de 2002, junto com duas sobrinhas que moram há bastante tempo nos Estados Unidos – Maria Conceição Fusquine e Maria da Graça Fusquine –, fiz uma turnê pela costa leste dos Estados Unidos, do norte do Estado de Delaware até a Flórida, no sul, passando por Maryland, Virgínia, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia, pela rodovia costeira ao Atlântico, paralela a Waterway, visitando inúmeras marinas, incluindo as de Anápolis (Maryland), na baía de Chesapeake, as de Newport e Norfolk, ao sul da baía, próxima da ponte, a Chesapeake Bay Tunel Bridge, a baía de Charleston, Pamlico, no istmo do cabo Háteras, na Carolina do Sul, Savannah, na Geórgia, e as da Flórida, que já conhecíamos.

Foi uma viagem de carro em que percorremos 2.700 km em duas semanas. Realmente, a indústria náutica nos Estados Unidos está entre as cinco pincipais do país, competindo com a indústria automobilística. São inúmeras as marinas, os estaleiros, as oficinas, enfim as instalações náuticas.

É claro que a natureza ajudou muito os americanos, proporcionando baías, enseadas, ilhas, lugares com muitos abrigos, o que propicia a prática do iatismo com muito mais segurança e prazer. Você sempre tem um lugar abrigado para o seu pernoite. Por exemplo, a baía de Chesapeake, assim como a baía de São Francisco, na Califórnia, ensejam aos americanos amigos dos esportes náuticos lugares verdadeiramente encantadores para a prática do iatismo.
É impressionante o número de veleiros ao longo da costa leste, não sendo diferente na costa oeste, onde já havia visitado San Diego, Los Angeles, Long Beach, Santa Bárbara, Monterey e as baías de São Francisco.

Digna de registro é a cidade americana de Anápolis, na Virgínia, que já foi Capital americana. Lugar tipicamente marinheiro, com suas docas, marinas, bares típicos de porto pub’s, lojas de artigos e souvenirs náuticos, estaleiros, oficinas de barcos; enfim, você respira uma atmosfera náutica, você sente em todos os cantos ao longo do cais que tudo gira em torno de barcos. É uma cidade que todo velejador deveria conhecer. Lá também fica a Escola Naval Americana. Você encontra nas ruas e nas docas inúmeros cadetes navais circulando com seus uniformes brancos e sua juventude.

Para que o leitor tenha uma idéia do que estou afirmando, transcrevo informações básicas sobre as principais concentrações náuticas dos Estados Unidos:

Nova Iorque:
No de barcos: 110 mil (somente veleiros)
No de marinas: 27
No de clubes: 19
Dias navegáveis por ano (média): 150
No cias. de charter: 15
No de escolas de vela: 10
Velocidade média dos ventos: 7 a 15 nós
Milhas de águas abrigadas: 578

São Francisco:
No de barcos: 150 mil
No de marinas: 54
No de clubes: 85
Dias navegáveis por ano: 315
No de escolas de vela: 20
No de cias. de charter: 8
Velocidade média dos ventos: 15 a 20 nós
Milhas de águas abrigadas: 260

Anápolis:
No de barcos à vela: 70 mil
No de marinas: 130
No de clubes: 36
No de cias. de charter: 20
No de escolas de vela: 19
Dias navegáveis por ano: 220
Velocidade média dos ventos: 10 a 12 nós
Milhas (aproximado) de águas navegáveis: 500 (Baía de Chesapeake)

Seattle:
No de barcos: 22 mil
No de marinas: 55
No de clubes: 140
No de cias. de charter: 11
Dias de navegação por ano: 165
No de escolas de vela: 15
Velocidade média dos ventos: 10 a 15 nós (no interior das baías)
Milhas de águas navegáveis: 200

Detroit:
No de barcos à vela: 36 mil
No de marinas: 64
No de iates clubes: 16
No de cias. de charter: 12
No de escolas de vela: 14
Média de dias navegáveis: 180
Velocidade média dos ventos: 9 a 15 nós
Milhas de águas abrigadas, navegáveis: 198

Miami / Fort Lauderdale:
No de barcos à vela: 14,5 mil
No de marinas: 65
No de iates clubes: 15
No de escolas de vela: 11
No cias. de charter: 25
No de dias navegáveis: 365
Velocidade média anual dos ventos: 12 a 15 nós
Milhas navegáveis: 320

Em Los Angeles existe uma marina, a Del Rey, que tem vinte e cinco mil barcos registrados, enquanto a de Long Beach, ao sul de Los Angeles, tem doze mil embarcações registradas. Todas essas marinas dispõem de completa infra-estrutura de shoppings com cinemas, hotéis, lojas, restaurantes, bares, oficinas, etc. Em San Diego visitei diversas marinas, inclusive a da sede da equipe americana da America’s Cup.
Em Honolulu, no Havaí, visitei a marina da ilha principal do arquipélago, bem no centro da cidade, que tinha registrados mil e trezentos barcos. Completa, com toda infra-estrutura. Em cada ilha do arquipélago existem de duas a três marinas.

Na Europa, visitei marinas de diversos países, como Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, Portugal, Espanha e Itália. Existem algumas marinas muito antigas em expressivo número de baías e enseadas, sendo também em grande número as novas, com excelente atendimento e instalações, principalmente na França, Espanha e Itália.
O mesmo serve para o Caribe, onde visitei muitas marinas com instalações náuticas de trapiche (água, luz, telefone, TV a cabo e combustível) das mais modernas. A diferença é que lá não existem clubes.

Não entendo por que no Brasil, não temos já um número de marinas capaz de atender ao enorme universo de barcos que navegam pela costa brasileira. Existem agora, em fase de expansão e construção, boas e grandes instalações, com a infra-estrutura náutica desejada, em Angra dos Reis, Paraty, Costa Nordeste de São Paulo e em Salvador, na Bahia.
Em Santa Catarina, uma das costas mais navegáveis do Brasil, pela sua exuberante natureza e abrigos, não existem marinas capazes de atender convenientemente as embarcações nacionais e estrangeiras que aportam por ali. Existe uma marina em Ganchos, uma em Itapema, para barcos na água. Nos demais casos são os clubes náuticos que dão abrigo e assistência aos barcos de fora, como o Veleiros da Ilha, em Florianópolis, em Jurerê, e o Yate Clube de Porto Belo, os clubes de São Francisco, Paranaguá e Joinville, entre outros.

Carecemos de um trabalho bem feito para dispor de boas e novas marinas nesta enorme costa brasileira. É necessário também que se conte com a colaboração dos governos municipais e estaduais, com vistas à preservação do meio ambiente, associada à tecnologia que já existe na construção de marinas que evite a destruição da natureza. É preciso mais respeito por parte dos inúmeros marisqueiros e cultivadores de ostras que proliferam em quase todas as enseadas e abrigos da costa sul do Brasil, sem planejamento e sem fiscalização das autoridades, prejudicando a navegação e tirando espaço nos abrigos para ancoragem.

Quem está cumprindo importante papel são os iates clubes do Brasil, que, sem ter a obrigação de fazê-lo, recebem, acolhem e dão apoio aos visitantes e proprietários de embarcações que necessitam permanecer na água. Recebem-nos pelo alto espírito marinheiro da gente dos clubes náuticos. Mas os clubes infelizmente precisam impor um limite.
Vamos, pessoal, fazer como os governos e os colegas da Bahia, de Angra, de Paraty, do litoral norte de São Paulo. Mãos à obra. Marinas dão retorno. Marinas são o mesmo que garagens para automóveis. Imagine-se o leitor sem garagem para guardar o carro nas cidades pelo Brasil afora!

Outra questão importante é a preservação da nossa história náutica. É necessário e urgente que se criem museus náuticos no Brasil, a exemplo do que já se fez em São Francisco do Sul, SC, que conserva embarcações antigas, assim como objetos náuticos do nosso passado.

Nos Estados Unidos, visitamos diversos museus náuticos, verdadeiras jóias da tradição marinheira, enfim de toda a história náutica do país. Entre eles destaco:
– The Center for Wooden Boats, de Seattle, Washington.
– Texas Seaport Museum, de Galveston, Texas.
– The Museum of Yachting, de Newport, Rhode Island.
– Penobscot Marine Museum, de Searsport, Maine.
– Chesapeake Bay Maritime Museum, de St. Michaels, Maryland.
– South Street Seaport Museum, de New York.
– San Francisco Maritime National Historic Parck, de San Francisco, California.
– USS Constitution Museum, de Boston, Massachusetts.
– San Diego Maritime Museum, San Diego, California.

Quanto a nós, é imperioso que se forme uma mentalidade náutica e marinheira no povo brasileiro. Afinal, o Brasil tem 8.500 km de costa marítima...