De frango a gaivota
Aprendendo a voar
Nelson Ferreira Fontoura

Até recentemente, o Tiza era como um frango. Ciscando aqui e ali, sempre a motor, navegou 850 milhas pelo Guaíba, Laguna dos Patos e alguns rios formadores do Delta do Jacuí. Agora já é filhote de gaivota, com a mastreação completa, quer aprender a voar. A plumagem ainda não está completa: apenas uma genoa 2 de O’Day 23, improvisada em um 27 pés meio “pesadito”.

Em algumas saídas recentes, o desempenho, apenas com este paninho, foi sempre sofrível para quem já estava acostumado a 5-6 nós. Quando muito, conseguia três nós no bichano. Domingo retrasado surgiu a oportunidade de conseguir mais emoção. Fiz contato com a torre do Jangadeiros e estava ventando 20 nós, com 25 na rajada. Era a oportunidade que eu esperava para sentir o Tiza. Como das outras vezes, preparei a vela ainda no trapiche. Fixei os garrunchos no primeiro estai de proa (O Tiza está armado em Cutter), amarrei os cabos, etc.
Assim que contornei o trapiche do canal de saída, da mesma forma que havia feito nas outras vezes, cacei a adriça para sair já à pano. Que bobagem...

O vento vinha de Noroeste, de forma que o trapiche ficava a sotavento. O comandante, “super experiente”, estava sozinho, sem piloto automático e com a adriça da genoa no pé do mastro. Acho que já estão imaginando o tamanho da encrenca...

Leme solto no centro, motor funcionando na lenta, comandante no pé do mastro. A velinha levanta, o comandante corre para o cockpit, caça a escota e a vela se enfuna... Mais ou menos, um dos cabos prendeu-se em um cunho. Corre o comandante para a proa, volta para a popa, caça a escota, e o trapiche a sotavento... De repente a vela se enfuna, bonita, e o Tiza, com o leme ainda solto, dá aquela arribada. Bonito de se ver... Os marinheiros do Jangadeiros, parece que todos combinaram de ir ao trapiche naquela hora, corriam como moscas tontas, já prevendo o pior. Por sorte o motor estava ligado. Sendo de popa, virei o motor para bombordo e acelerei tudo. O barco ainda não respondeu. Aquele paninho lá na frente estava fazendo o seu papel. Ainda bem que o leme do Tiza também é grande. Uma guinada para bombordo e o barco praticamente rodou no eixo da quilha. Que susto: faltou realmente pouco para pintar o trapiche do Janga de vermelho, a cor do valoroso Tiza.

Moral da história: tive mais sorte que juízo, ou habilidade. Na próxima vez vou deixar para abrir os panos em água aberta. Também vou inverter algumas prioridades: o Slocum e o Spray que me perdoem, mas preciso urgente de um piloto automático.

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