Quando uma idéia liga dois mundos
Sonhos de um velejador mergulhando
Cylon Rosa Neto
Dia 3 de fevereiro de 2007 foi um dia de realizar sonhos. O Raio de Luar estava feliz por chegar a Florianópolis, tempo firme e a lua cheia previam um fim de semana diferenciado, para ajudar a passar rápido o tempo e a saudade de quem se ama estar viajando, ainda mais no ano em que completamos 20 anos juntos. Então, convidei o “Primo”, como mutuamente se chamam os Cylons, este o Rosa Neto, o outro o Rosa Rodrigues de Freitas, companheiros de muitas e antigas jornadas, para realizarmos o velho sonho de dormir no Arvoredo. Ao carregarmos o Barco com cilindros, coletes, reguladores, e outros equipamentos, comecei a rir sozinho, lembrando nossas aventuras de mergulho livre no “Nabinha”, décadas de 70 e 80, em Porto Belo, meu primeiro barco de 9 pés, um barquinho velho de fibra, movido por muita motivação e um motor de 5,5 HP da década de 50, pesando tanto quanto a década, que às vezes funcionava, onde teimosamente me sentia um destemido “capitão”. Depois, passei pelo Tamuré, o 16 pés que me trouxe para o mundo da vela, e permitiu o maior feito do meu casamento, convencer a Simone, ao conhecê-la, que além de um Engenheiro metido, eu tinha um “iate”, sonhava singrar águas distantes, até onde nossa coragem, tempo e capacidade pudessem nos levar. Ou seja, talvez eu fosse uma aposta viável... Com todas estas lembranças em mente, revivi em instantes nossas navegadas no Spirit of South, meu 19 pés pós Tamuré, no Aruan do Primo, nos 2 Calíopes e no presente sonho de infância, o garboso Raio de Luar, que ainda não acredito seja nosso... mesmo após cinco anos. Todas estas vivências vieram à tona por estarmos na iminência de realizar mais um sonho. Desatracamos, uma brisa mansa de nordeste nos levou ao Arvoredo, tão lindo estava o dia que nem pensei em corricar. Chegamos ao porto da ilha, ancoramos, fizemos um snorkel de aperitivo ao entardecer, uma janta legal, organizamos os equipamentos, planejamos o mergulho e iniciamos uma longa conversa, povoada de locais perfeitos, águas azuis, peixes diferentes e fotos submarinas. Aguardávamos a lua aparecer sobre o morro da ilha, o que ocorreu somente às 23:00 h, proporcionando um mergulho fantástico de uma hora, até a meia noite, tornando realidade mais uma de nossas expectativas de infância, um mergulho noturno qualificado, a partir do próprio barco e com nosso equipamento.
O amanhecer no Arvoredo foi mágico, muitos pássaros, peixes, barcos de pescadores, aguardávamos a Operadora de Mergulho Seadivers com a Adriana (a esposa do “Primo”, ou seja, a “Prima”) a bordo para juntar-se a nós e mergulharmos novamente. Nesta espera consolidou-se a idéia de ligarmos 2 mundos... Resolvemos que este era um ano de redenção, muitas coisas haviam ocorrido em um passado recente, portanto faríamos uma viagem para apagar tudo isto, desta ilha para uma outra, qual? Não sabíamos!...havia somente a convicção da geografia caribenha. A velejada de volta, já sob um nordeste de 20 nós, fez o Raio de Luar surfar em um dia e mar luminosos, construímos possíveis roteiros, atracamos ao entardecer no ICSC com uma sensação idílica, não fosse para mim a contagem regressiva da saudade, faltando quinze dias para a Simone voltar da sua viagem de Estudos. Após o carnaval, ela chegou ansiosa com os desafios pessoais do ano, avisei de chofre que haveria a “nossa viagem”, esta para ligar os 2 mundos, sem dar destino ou tempo, apenas a convicção da idéia.
Passou o ano, muitas atividades no primeiro semestre, trabalho e trabalho, então em agosto, ela com a formatura em arquitetura, festa de 40 anos conjunta e justamente celebrada, nova carreira iniciando-se, meu agradecimento na festa pelos nossos filhos e 20 anos de convivência sadia. Chegou outubro e deixamos este mundo via aquela idéia utópica do verão, para estar no outro... como?......
Então ali, 12 m abaixo da superfície, lembrei da lua cheia, da conversa no cockpit do Raio de Luar, da utópica percepção de fuga da realidade em outro mundo, também perfeito, aquele à noite, na nossa ilha, o Arvoredo, meses atrás. Sorrindo com muito cuidado para não parecer louco nem perder o bocal do regulador (e me afogar...), terminei as fotos, vi que uma idéia pode não apenas mudar o mundo, pode também ....ligar dois mundos!!!
Cylon Rosa Neto, 25\10\07, preso no caos aéreo do Brasil, Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, em viagem de trabalho, uma madrugada de lua...quase cheia! |