"Habeas Corpus"
Correndo regata em um puro sangue
Danilo Chagas Ribeiro

Set 2003

O Circuito Conesul é uma competição tradicional para barcos à vela no Rio Grande do Sul. Neste mês de setembro teve início a XIIª edição da prova, reunindo barcos de diversas classes no Guaíba.

São dois finais de semana consecutivos, incluindo regatas barla-sota, regata de percurso médio, Troféu Seival e Regata Farroupilha, além do Velejaço Farroupilha.

Concorrem barcos nas classes IMS, IOR e RGS. Também há regatas para O'Days23, Ranger22, Delta 26 e Scorpio26. Participam ainda do circuito os monotipos. As 3 primeiras classes têm características especiais para a medição e correção de tempos. Nas demais vale o bico-de-proa.

Dentre os adversários está o inverno gaúcho, com um clima bem mais frio do que um velejador apreciaria. Mesmo assim, em torno de 50 barcos estiveram nas raias.

Neste cenário, tive o privilégio de participar da tripulação do Habeas Corpus, comandado por Astélio Bloise dos Santos, um velejador experiente, vencedor de vários troféus.

Na primeira regata do Circuito Conesul o Habeas Corpus saiu-se prejudicado. Logo na saída do Veleiros do Sul um moitão ressequido do runner rebentou. A substituição atrasou nossa chegada à largada em 5 minutos, fazendo-nos chegar em terceiro lugar na primeira regata barla-sota. Na segunda obtivemos o primeiro lugar.

Na regata de percurso médio obtivemos o primeiro lugar, apesar dos contratempos com tráfego pesado na marca de retorno, como comento adiante. Na classificação geral da Conesul até o momento, o Habeas Corpus está em 1º lugar.


Habeas Corpus - a liberdade do direito de ir e vir
O Habeas Corpus é um FAST 303, projetado pelo famoso projetista neozelandês Ron Holland e inicialmente fabricado pela Nicholson inglesa. Em torno de 12 unidades deste One Tonner foram fabricadas no Brasil após a compra das formas pela FAST, então sediada em S. Paulo. O Rio Grande do Sul já teve 6 deles (como o Iron Lady, o Noa Noa, o Surfer e o Minuano).

O barco foi batizado com esta expressão internacional, em alusão à liberdade do incontestável direito de ir e vir.

Sete pessoas com faina definida tripulam o Habeas Corpus que, apesar de ser um barco de regata, está equipado com fogão, banheiro fechado e outras mordomias para um barco de competição, como camas estofadas (normalmente são camas de lona para aliviar peso).

E falando em mordomia, o serviço de bordo no barco do Cmte. Astélio é excelente, sendo oferecido em todas as empopadas tão logo a faina da virada de bordo seja completada.


 

Velejamos com as velas de translado, de dacron, com 2 balões. O jogo principal de velas do Habeas Corpus tem panos de mylar e kevlar, no valor de US$12.000. São poupados para uso nas regatas disputadas na classe IMS.

O desenho do FAST303 permite manter o barco praticamente à mesma velocidade com diferentes intensidades e direções de vento (contravento, popa, etc).

Obs.: O CAL 9.2 teve o casco fabricado a partir do FAST303, mas com o costado mais alto, dentre outras diferenças. Foi também projetado por Holland, e produzido simultaneamente no Brasil (pela Mariner), nos EUA e na Europa.

 

O comandante que não pergunta se o seu tripulante dependurado na borda passa frio
Aos 59, Astélio já tem uma longa história como velejador. Aprendeu a navegar ainda guri, aos 6 anos, com o pai e o tio.
Velejou vários anos de Sharpie. Depois refez o Tornado, o barco cabinado em que velejava com o pai e com o qual venceu várias regatas.
Velejou de Star também, por 5 anos, e há 12 vem faturando com seu Habeas Corpus : Campeão Estadual em 1990, Bi-campeão do Circuito da Lagoa, Bi-campeão Porto Alegre-Rio Grande, Campeão Conesul (IMS/IOR), Bi-campeão do Circuito Tapes, Campeão Governador do Estado, campeão de várias regatas.

Um FAST30 novo custava US$ 150 mil, em 1977, quando o Habeas Corpus foi fabricado. Habilidoso e meticuloso, Astélio desmontou e reconstruiu completamente o barco em 1990, alterando o layout interno para concentrar peso no centro, junto ao mastro.

O barco tem ferragens de excelente qualidade, mas não tem cunhos de amarração na popa: "É para aliviar peso", diz Astélio, que foi Comodoro do Veleiros do Sul.

O Comandante Astélio é do tipo que vê um tripulante tremendo de frio, fazendo borda dependurado para fora do barco, e não pergunta se ele quer agasalho. Ele desce na cabine, traz o agasalho, e o entrega para o tripulante.

Comanda a tripulação com equilíbrio, tentando conciliar a opinião dos filhos, também comandantes de seus próprios barcos. Não é fácil comandar um barco tripulado por comandantes! Já tive esta experiência antes. Tínhamos a bordo do Habeas Corpus um timoneiro-comandante, um proeiro-comandante, e até um lastro-móvel-comandante... Comandar comandantes não é fácil!

Os três filhos do cmte. Astélio praticam o esporte à vela. Adriano, o mais velho, 34, foi campeão Estadual de Optimist várias vezes. Velejou também com Pingüim e voa kite. Hoje navega principalmente com um 470. Adrion, 31, já aos 9 classificou-se entre os 15 velejadores que representaram o Brasil no Sul-americano de Optimist. Recentemente foi Campeão Estadual de Laser. Ader, 26, também veleja, tendo começado, como os mais velhos, pelo Optimist, depois Europa e Laser.

Surpresa ao retornar
O Guaíba tem tráfego pesado e em regatas de percurso médio, como a deste domingo, as bóias e faroletes do canal são utilizadas como marcas de percurso.
Quando estávamos quase por cambar no farolete de retorno, havia um comboio passando por ele. Era composto por uma chata graneleira, tendo a contrabordo duas outras embarcações: um pusher e um navio graneleiro. Este conjunto era tracionado pelo rebocador Itú, da SPH. A velocidade do comboio era extremamente lenta. Talvez menos de 2 nós. Ao nos aproximarmos, fizeram um escarcéu com apitos e buzinas. Talvez um excesso de zelo que pareceu uma saudação de procissão.
A interferência do comboio no nosso percurso impediu-nos de optar, como outros barcos da flotilha, por subir o rio por NE. Tivemos que vir por NO, com ondas mais altas, o que acabou trazendo-nos vantagens (vínhamos em popa).
Em função da classificação nas regatas da véspera (3º e 1º), a atitude do cmte. Astélio na regata de domingo foi de marcar os principais concorrentes, Aeon e Virtù, para que não descontassem tempo.

Noções sobre as classes IMS, IOR e RGS
As três classes dos barcos oceanos de maior rendimento são IMS, IOR e RGS.
Na IMS correm os barcos extremamente rápidos nos ventos folgados. São barcos que planam facilmente. A forma com que o regulamento foi concebido soltou os projetistas para fazerem barcos "andadores".
Os barcos da IMS são medidos individualmente. Para tanto é utilizado um computador com software especial e uma máquina. Entram critérios como o formato, a flutuabilidade, número de cruzetas.
A classificação nas regatas IMS (regra internacional) tem critérios complexos. É a mais moderna e justa. Considera-se até a duração e intensidade dos ventos durante a regata. A medição do barco é cara e mesmo pequenas alterações implicam em nova medição.

A IOR, anos 70, é mais antiga e penalizava a velocidade dos barcos, considerando-se tempo/milha ou tempo da regata. A classe foi extinta pela IMS.

Na RGS o critério é bem mais simples. Foi criada no Rio Grande do Sul no final dos anos 80 e é utilizada em todo o Brasil atualmente. Baseia-se na IOR e considera praticamente apenas o comprimento do casco, a área vélica e a borda livre (altura do costado). Fotos externas do Habeas Corpus: Ricardo Pedebos. Demais: Danilo Chagas Ribeiro


O rastro (track) do Habeas Corpus nas primeiras pernas da regata de percurso médio



Alguns números do Habeas Corpus

 

Veja outros itens relacionados ao Habeas Corpus e ao Circuito Conesul

100 fotos do Circuito Conesul 2003

342 fotos do Conesul e vídeo do Gerbase (o Comandante Andante)

A vitória do Habeas Corpus na RGS do XIIº Circuito Conesul

Teste seus conhecimentos de navegação no rastro do Habeas Corpus

-o-