As lições de quem sobreviveu a desastres
Frieza e realismo são qualidades dos que escaparam de catástrofes. Há muito que aprender com eles
Álvaro Oppermann

Exemplo de velejadores para a vida de negócios
Artigo comentando livro para homens de negócio cita caso de velejadores sobreviventes de naufrágios

Nos EUA e na Europa, a agenda do norte-americano Laurence Gonzalez, premiado jornalista da revista National Geographic, anda abarrotada com palestras a executivos de empresas listadas na Fortune 500. Pode parecer estranho, mas não é. Seu livro mais recente, Deep Survival, Who Lives, Who Dies, and Why ("Sobrevivência profunda - quem vive, quem morre e por quê", inédito no Brasil) - um estudo sobre os motivos que levam alguns à vitória e outros ao fracasso e à morte, quando confrontados com situações extremas - chamou a atenção de prestigiadas publicações econômicas, como o jornal Financial Times de Londres, que o classificou de "a melhor obra sobre liderança lançada neste ano, mesmo que essa palavra não apareça uma única vez em suas páginas".

Gonzalez passou 15 anos estudando o tema e, para sua surpresa, encontrou um padrão uniforme de comportamento entre os vencedores - os sobreviventes de catástrofes, sejam elas uma queda de avião no meio da selva, uma batalha contra o câncer, um divórcio, uma crise empresarial ou mesmo o atentado às torres gêmeas em Nova York. O primeiro comportamento dos vencedores é que todos percebem a realidade exatamente tal como ela é. "Muitas das vítimas do 11 de setembro morreram por achar que tudo ficaria bem, negando a realidade. Os sobreviventes disseram para si mesmos: 'o.k., o horror está acontecendo, e eu tenho de dar no pé'", observa. Em segundo lugar, todos se mantêm calmos, se resignando à dor. A frieza é essencial para elaborar um plano de ação, como foi o caso do velejador Steve Callahan que, ao ver-se náufrago no meio do Atlântico em 1982, passou 76 dias num bote, com água racionada. Para não ceder aos apelos emocionais e beber de uma vez toda a água, Callahan criou em sua mente um capitão, que dava as ordens (severas) à tripulação (ele). Outra característica é a de, ante o desafio imposto, dividir a imensa tarefa da sobrevivência em tarefas menores, mais administráveis, caso da executiva Lauren Elder, sobrevivente de um acidente aéreo nas serras nevadas da Califórnia, nos EUA, que, para não se desesperar com a gigantesca montanha que teria de descer, estabelecia como objetivo imediato apenas a próxima rocha à sua frente. Celebrar as pequenas vitórias pelo caminho, mesmo que as chances do êxito final pareçam exíguas, é outro comportamento do vencedor/sobrevivente. Já nos piores momentos, muitos estabelecem pequenos rituais para evitar a insanidade. O ciclista Lance Armstrong, vítima de câncer linfático, fazia a contagem diária de seu exame sanguíneo. Os números se tornavam um refrão mental que o estimulava. Outros recorriam à recitação de poesia ou à elaboração de problemas matemáticos para o alívio do estresse.

Para escapar de situações de risco é preciso ser frio, manter a calma e aceitar a dor
Um traço paradoxal encontrado por Gonzalez é que o vencedor nunca vê a si mesmo como vítima, mas como o prestador de socorro. Sobreviventes pensam mais nos seus dependentes (família, funcionários etc.) do que em si mesmos. Ainda que, pasme, esses dependentes sejam imaginários, como no caso do jovem montanhista israelense Yossi Ghinsberg, que, perdido no meio da selva boliviana, teve uma alucinação, acreditando-se na companhia de uma bela mulher. Tudo o que fez para sobreviver foi no intuito de salvá-la. Por fim, outro traço comum dos bem-sucedidos é a crença unânime de que a vitória virá (o que parece óbvio), mas ao mesmo tempo mesclando-a com a resignação ante a dor e a morte. É uma resignação sem desistência, tal como Dougal Robertson, sobrevivente por 38 dias em alto-mar. "O acidente deu-me a certeza da morte... algum dia eu morreria, mas não naquele dia. Enquanto o resgate não vinha, tudo o que eu tinha a fazer era continuar o jogo da sobrevivência", disse. Vencedores, enfim, também fazem tudo que é possível para alcançar a vitória.

Para quem achou tudo isso abstrato demais, Laurence Gonzalez lembra que esses princípios podem ser facilmente aplicáveis aos negócios. Afinal, o risco calculado não foi crucial apenas para as personagens dramáticas de Deep Survival, mas faz parte do dia-a-dia de todo empreendedor. Isso, claro, requer coragem e boa dose de imaginação e realismo. "A sobrevivência rima com adaptação, e adaptação significa mudança. Porém, essa mudança só é efetiva com uma leitura correta do ambiente", diz o autor. Não à toa, a agenda do novo guru empresarial anda cheia por estes dias. Você pode encontrar mais lampejos de Gonzalez no site www.deepsurvival.com.
Publicado na Revista Época - Negócios, Out 2007.

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