Gasômetro
10 Julho 2007 Nesta época já tinham iniciado a remoção dos presos do “cadeião” da volta do Gasômetro. Fui até lá ver a transferência dos presos e fiquei surpreso com a quantidade de cachorros que eles carregavam pelo pescoço, embarcando em ônibus. Lembro-me que alguém perguntou o porquê daquele monte de cachorros, e um Brigadiano respondeu: são as esposas deles. Foi aí que pude perceber que a maioria era de cadelas.
O meu pai, que era da Marinha Mercante e um dos dirigentes do Sindicato dos Marinheiros, estava embarcado em um pequeno navio petroleiro chamado “Sant’Ana”. Quando ele saía de viagem, eu, minha mãe e meus irmãos ficávamos com toalhas brancas despedindo-nos dele da varanda do terceiro andar, enquanto ele ficava no meio do navio entre o convés e a popa, com uma enorme bandeira do Brasil acenando pra gente. Naquele tempo ainda se podia nadar no rio, embora as melhores praias que nós freqüentássemos eram a praia Ipanema, Assunção e Pedra Redonda. Mas a gurizada gostava de matar a aula e ir até a pedra da Coroa, que ficava entre a Usina e um depósito da CEEE para ali nadar, e como todos nós nos conhecíamos, não era perigoso. Mas os mais velhos gostavam de ir até os fundos da Usina e mergulhar de cima das “chatas” que descarregam carvão para abastecer a mesma. E um dia eu fui junto e "viajei" (primeira over), quase não volto mais. A brincadeira era subir nas chatas sem sermos vistos pelos marinheiros, e saltar no rio, agarrando-se na margem. Acontece que quando vi a altura da chata que deveria pular eu gelei: era alto demais... Minhas pernas não obedeciam, meu coração disparou, fiquei completamente em pânico com a altura que eu deveria saltar... Além do que, era longe demais do cais e eu poderia ser pego pelos guardas ou os marinheiros do rebocador. Foi aí que, num impulso, eu saltei e senti pelo corpo todo um formigamento como se de cada poro saísse uma faísca elétrica com a barrigada que dei quando cai na água. Nadando eu tentei me aproximar do cais mas não consegui, e como tinha saltado por último, a gurizada já estava correndo para a "Pedra da Coroa" e já não olhava mais para trás.
Eu subi umas três vezes pedindo socorro: subia, tentava respirar e ao mesmo tempo tentava gritar. Mas eles já iam longe e não conseguiam mais me ouvir. Vi minha curta vida passar diante de meus olhos como num filme. Já estava no fundo do rio com as pernas enterradas até os joelhos na lama do fundo. Era uma paz morrer daquele jeito, acho que depois não senti nenhum desespero. Sentia meu corpo flutuando, leve, sendo elevado por um foco luz que atravessava a cor barrenta do rio, e me vendo no fundo dele num desprendimento sereno de quase gozo. Já estava me entregando quando uma mão me agarrou pela cintura me tirando da água, era como a mão de minha mãe quando me abraçava para me consolar de alguma dor ou febre... Foi uma mão incrivelmente segura e firme - aí sim me bateu um desespero. Quando consegui respirar e ver a luz do Sol, a brisa maravilhosa tocando meu corpo quase morto, a gurizada assustada em minha volta olhando atentamente o adulto que acabava de salvar a minha vida. Eu tremia todo, chorando e prometendo voltar para pagar a carteira de cigarros "Continental", agora imprestável, que estava na cintura do marinheiro do rebocador, preso pelo elástico de seu calção. |
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