08 Ago 2005
Há 10 anos aproximadamente, a tripulação de um veleiro preparava-se para atracar. Era um dia chuvoso em Porto Alegre. Segurando-se com uma mão no stai, o proeiro tocou a ferragem da lixeira no trapiche, e foi eletrocutado. Na semana passada um velejador atracado a um trapiche em Nova Viçosa, na Bahia, teve o mesmo destino.
Visitando clubes e marinas gaúchas, tenho observado, em alguns deles, total descaso com a segurança das instalações elétricas. Com certeza não é por negligência, mas sim por desconhecimento. Com a publicação deste tema, motivada pelo artigo do Engº César Bartz, do Rio de Janeiro, espero estar indo ao encontro dos interesses dos clubes, marinas e, principalmente, dos usuários.
Apresente este trabalho ao responsável pelas obras de seu clube ou marina, e faça-o verificar as exigências técnicas legais, antes que seja tarde. |
Velejador morre eletrocutado em Nova Viçosa, Bahia
(Mensagem enviada ao grupo Altomar em 03 Ago 2005 por Murillo Novaes)
"Nosso amigo, velejador do ICES de Vitória, ES, professor de vela dos meus dois filhos mais velhos nos anos 90 quando lá morei, Fábio Falcão, escreve para comunicar uma tragédia. “Favor comunicar o falecimento do velejador Rogério, do veleiro Nuance, que no mês passado, esteve aqui no clube com sua esposa e os dois filhos. A título de prevenção de acidentes futuros, relato o ocorrido. Eles estavam em Nova Viçosa, Bahia, fundeados perto dos outros veleiros e a bateria do barco descarregou. Então ele pegou uma extensão elétrica (lá é 220 volts), colocou o carregador de bateria e ligou. Quando de madrugada ele saiu da cabine do barco p/ o convés, parece que para fazer suas necessidades fisiológicas, encostou no cabo do guarda-mancebo. Sua esposa ouviu um grito e saiu para ver o que era quando viu o Rogério caído. Ao tocá-lo, recebeu um choque, daí desligou o fio e tentou fazer respiração boca a boca e massagear o tórax, mas infelizmente foi em vão. Sem assistência médica rápida, infelizmente se deu o pior. Ele faleceu!Talvez o cabo da extensão elétrica, tenha ficado roçando em algum lugar, encostou nos cabos do guarda-mancebo e como estava um sereno bem forte, ela acha que ele ficou preso por um tempo grudado nos cabos, pois ficou com um ferimento profundo na perna. O corpo foi levado para o Rio no dia 01/08. Infelizmente é uma triste notícia, mas vale a pena fazer este relato, para que no futuro outros velejadores não venham a ter este tipo de problema“.
Uma abordagem técnica
Consternado com o relato de Murillo, César Bartz, Engenheiro de Projetos com atividade profissional no Rio de Janeiro, escreveu:
Faço esse e-mail com o objetivo de ajudar a conscientizar as pessoas em geral, para que acidentes banais como o que matou um velejador eletrocutado em seu barco recentemente com energia de terra, não voltem a fazer outras vítimas.
Se tivesse havido um cara chato como eu cobrando do clube onde isso aconteceu que se adequasse e se esse clube tivesse ouvido o chato, ao invés de o ignorar, talvez essa pessoa pudesse continuar velejando nesse mundo.
O segundo fato a me motivar a gastar este tempo é que eu já sugeri ao clube que era sócio para se adequar, inclusive informando sobre a questão legal, de responsabilidade civil, mas o clube parece estar muito ocupado para sequer comentar o e-mail que enviei em janeiro. Acredito que a pressão da sociedade mobilize mais sensibilidade dos dirigentes de clubes.
a) Uma breve reflexão técnica sobre energia de cais em barcos:
Seu barco está ligado no cais. Tudo está funcionando perfeitamente, mas um fio descascado pode te matar. Não é drama, pois no barco molhado, você está muito facilmente em contato elétrico com a água do mar, por mais que ache estar em um barco isolado por ser feito de plástico. Cheio de umidade, aquele salzinho no costado, o orvalho no convés...
As formas de ter contato com a energia? Várias - cito algumas:
1) Um cabo roçando no guarda-mancebo (o próprio cabo de cais) corta o isolamento e, pronto - cerca elétrica nos seus guarda-mancebos!
2) Um equipamento ligado também em 12V, como carregador de baterias, dá um defeito interno e conecta a rede elétrica de terra ao sistema de corrente contínua de 12V. Aí vc toca na carcaça de um equipamento do barco, no motor, numa luminária....
3) Um azarado cai na água com a furadeira na mão.
4) um dano no cabo que chega ao barco, que vc não vê e pisa.
No caso que ocorreu recentemente, foi o número 1.
b) E quem está na água, nadando, limpando casco.... ?
Quem está na água pode morrer eletrocutado em uma marina. Basta que um barco próximo tenha um fio caído na água ou alguma fuga da energia de terra para alguma ferragem submersa. Se ocorrer uma falha em um carregador de baterias, o fase da rede pode "ir parar" no eixo do hélice. Se isso não matar uma pessoa na água, no mínimo, vai destruir as ferragens por corrosão galvânica.
c) Os dispositivos de proteção diferenciais / residuais. O que é isso?
Os dispositivos DR (diferencial residual) são equipamentos de segurança, como os disjuntores. Se assemelham visualmente a estes, mas o funcionamento dos DR é diferente. O DR desarma sempre que houver fuga de um dos polos (um dos fases ou neutro - todos os fios devem passar pelo DR para um funcionamento correto) para a terra. Note que "terra" aqui é o potencial de referência. No caso de piers e barcos, não existe "terra" melhor que o mar, por ser a água salgada um dos melhores meios de condução dentre solos e águas.
Quando um DR do tipo usado para proteção pessoal, que tem corrente máxima de fuga de 30mA, detecta uma fuga superior a este valor, ele corta imediatamente a alimentação.
d) Qual o efeito fisiológico de 30mA?
30mA em um ser humano normal (que não tenha marcapasso, por exemplo) vai deixar ele mau-humorado. É uma dor fraca, sem efeitos fisiológicos perigosos como espasmos musculares ou paradas respiratória ou cardíaca.
e) Como é um choque com um DR ligado?
Será limitado, pois quando a corrente de fuga chegar a 30mA, o DR corta. Então a sensação será uma alfinetada. Eu mesmo já levei choque no meu barco, que tinha um DR. Logo após o belisquinho, o barco apagou pelo corte do DR.
f) Quanto custa um DR?
Um DR para 2 vias (fase e neutro ou fase e fase), custa aproximadamente 130 reais. Para um circuito com 2 fases e um neutro, 3 fases ou 3 fases e neutro, existe um modelo de 4 vias, que custa aproximadamente 160 reais.
g) Agora vamos a um assunto sério: LEI e RESPONSABILIDADE CIVIL:
Conforme Lei 8078/90, art. 39-VI11, art. 12, art. 14, e norma ABNT NBR 5410/97, é obrigado o uso de um dispositivo DR nos seguintes casos:
1) Residências - áreas molhadas (cozinhas e banheiros)
2) Estabelecimentos comerciais - qualquer área de ocupação pelo púlico (quartos, suítes e banheiros de hotéis, clubes e similares)
Ora, quer local mais "molhado" que um cais de marina? Caimos na OBRIGAÇÃO DE TODA INSTALAÇÃO ELÉTRICA DE CAIS SER PROTEGIDA POR DISPOSITIVOS DR.
Outra questão Legal - qualquer obra deve ser supervisionada por um responsável técnico. Infelizmente, na maioria dos clubes, quem faz as instalações elétricas é um eletricista com conhecimentos muito rudimentares, que jamais ouviu falar em multímetro e que usa como "ferramenta de medição" uma lâmpada... Somente um técnico ou engenheiro com registro habilitado no CREA pode, legalmente, ser o responsável técnico de uma obra. A razão que mais gosto de justificar isso para os leigos, como engenheiro, para o motivo pelo qual deve-se pagar um pouco mais caro por um profissional devidamente habilitado é que ajuda a salvar muitas vidas! A segunda razão é que ajuda a salvar patrimônio. Imaginem que caos seria se todos os prédios da cidade não fossem calculados corretamente, caindo sobre a cabeça das pessoas? Com elétrica, as coisas são também dessa forma - instalações mal-feitas causam prejuízo e podem matar facilmente.
Uma pessoa jurídica que opta por contratar uma obra SEM registro no CREA, pode pagar caro por responsabilidade civil, em caso de um acidente. O seu representante ou preposto pode ir para a cadeia por homicídio culposo se houver vítima fatal.
Um erro grosseiro, mas muito comum que vi em alguns clubes era o cabo elétrico cheio de emendas enroscadas nas derivações para as tomadas do cais. Basta a maresia agindo sobre essas emendas para formar óxidos e mal contado. Aí, uma criança arteira mexe no fio mal isolado, que está exposto em local público e não dentro de eletrodutos adequados, leva um choque, ou então, começa a haver aquecimento da emenda por mal-contato, até derreter o isolamento do cabo e provocar um curto circuito.
h) Quem fiscaliza
Quem é responsável por fiscalizar as obras e instalações é o CREA. Infelizmente, a fiscalização do CREA não tem o atendimento rápido e eficaz que deveria. Como pagador de anuidade, sinto-me no direito de fazer essa crítica, pois já fiz denúncia que jamais fora atendida.
i) Como saber se a tomada do meu clube é protegida?
Se você é leigo, pergunte no clube se há protação diferencial na instalação. Pergunte se a obra foi acompanhada por engenheiro. Se alguém te der resposta com ar duvidoso, desconfie! Lembre-se: é a sua segurança que está em risco!
Se você tem conhecimentos de elétrica, conecte um fio no neutro da tomada de cais e o encoste na água. Depois, retire-o e meça a tensão na tomada. Se o circuito é protegido, a energia deve ter sido cortada por desarme da proteção quando o fio fora exposto ao mar. Nunca faça isso se houver alguém na água e se você não sabe exatamente o que está fazendo. Consultar um Engenheiro de confiança é recomendável.
j) O Clube não tem proteção e não se mostrou interessado em adequar-se. O que eu faço?
Você pode instalar uma caixa de passagem adequada para intempéries (IP-65), com um dispositivo DR antes da sua tomada de cais. Assim, você garante que ao menos o ramal do seu cabo de cais e o seu barco estarão protegidos. Se houver fuga num desses circuitos, o DR irá desarmar.
Para quem viaja, pode colocar o DR no próprio cabo, em uma caixa vedada, a 50cm do plug do lado de terra. Qualquer dano no isolamento do cabo após o DR ou fuga no barco irá provocar o desarme, protegendo-lhe.
Porém, tenha em mente que o clube é obrigado a seguir as normas da ABNT em suas instalações, incluindo a NBR 5410/97, citada acima. Uma denúncia ao CREA seria recomendada como forma de garantir a segurança de todos.
k) Mais dúvidas?
Consulte o site da Siemens, um dos fabricantes de tais dispositivos.
http://mediaibox.siemens.com.br/templates/coluna1.aspx?channel=3354&channel_pri_nivel=2901
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08 Ago 2005
Parabéns Danilo,
Matérias como esta são de suma importância aos velejadores.
Abraços Cesar
08 Ago 2005
PARABÉNS PELA REPORTAGEM
LUIZ PUREUR
08 Ago 2005
Ótima reportagem e muito oportuna, espero que chegue até as pessoas responsáveis por clubes e marinas de todo país.
Luiz Ungaretti VDS
09 Ago 2005
Excelente a abordagem. Bem técnica e esclarecedora. A J Machado CDJ
12 Ago 2005
Parabéns Danilo,
No falecimento relatado no início da reportagem, eu estava junto. Perdi um grande amigo, Genaro Martinez -25 anos, uma pessoa sensacional. Chegávamos da ponta grossa em um velamar 24,quando iamos atracar no CDJ, olhei para o genaro, o qual logo prontificou-se para cuidar das amarras de proa, logo que o barco parou ele segurou-se na lixeira metálica para subir no trapiche. Quando cheguei até ele, que ainda estava com as mãos grudadas na lixeira, puxei-o pelo casaco e só então a lixeira se desprendou do garfo que a sustenta para daí romper o contato com as mãos dele. Isso mostra a força da descarga elétrica. Na haste da lixeira, estavam duas tomadas em condições precárias com fios desencapados. Lastimável, seu filho na época tinha 3 anos e não conseguia entender a ausência do pai. Essa reportagem deve ser levada muito a sério pelas pessoas responsáveis para que outras crianças de 3 anos não precisem entender a morte pela ausência repentina do pai.
Fernando Dantas Scaravaglione,CNI.
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