Profissionalismo ou Morte
Murillo Novaes

No mundo todo cada vez mais a vela se populariza e atrai a atenção.
Por que em um país onde o iatismo é o maior esporte olímpico isso não acontece?

Gustavo Pacheco, o nosso futuro representante na mini-transat (se Deus quiser) escreveu-me esta semana um “desabafo”. Ele questionava os rumos que nosso esporte está tomando no Brasil e a incapacidade da vela brasileira de produzir um mínimo de pessoas dedicadas exclusivamente ao esporte. Outras “figuras carimbadas” como Mark Essle e Jorge Zarif entraram no debate e de uma forma ou de outra, concordaram com Gustavo. Falta profissionalização.

O iatismo no Brasil, além de ser a modalidade (empatada com o atletismo) que mais medalhas olímpicas trouxe ao país, tem o maior medalhista individual da história: Torben Grael (com o mesmo número e medalhas do nadador Gustavo Borges: quatro, sendo que Gustavo não tem nenhum ouro), tem o maior campeão mundial da história desportiva da nossa pátria, o hexacampeão mundial Robert Scheidt e, mesmo assim, não consegue um mínimo de atenção do nosso povo. Iniciativas de inclusão social como o Projeto Navegar (ver matéria anterior) são muito interessantes do ponto de vista da clientela atendida e obviamente do ponto de vista da filosofia social inspiradora, mas nem de longe são suficientes para dar ao iatismo a visibilidade e espaço que ele merece.

Torben Grael, o maior esportista olímpico do Brasil

No mundo todo cada vez mais o esporte da vela tem crescido. Primeiro porque se trata de uma modalidade absolutamente limpa e ecologicamente perfeita, onde a integração com a natureza e o respeito por seus elementos é parte fundamental de sua essência. Depois, porque ao mesmo tempo em que evoca tradições ancestrais de todos os povos (poucas civilizações não possuíam “navegadores” de nenhuma espécie), utiliza tecnologias avançadíssimas para atingir seus objetivos. E, por fim, por ser uma atividade que possuí uma “aura” de aventura que poucas outras compartilham no imaginário popular. Assim, por todo o “mundo civilizado” (porque para os excluídos, infelizmente, parece só restar a exclusão) os navegadores são estrelas comparáveis a jogadores de futebol, cantores, artistas de TV, etc. Assim, tem espaço na mídia e na mente das pessoas e podem utilizar este espaço para financiar suas vidas e suas atividades.


Robert Scheidt, o maior
campeão esportivo
individual da história
brasileira

Aqui não. Um velejador que se apresente como velejador será imediatamente taxado de vagabundo, a não ser que seja um mega-hiper-super-campeão e assim mesmo terá dificuldade de obter patrocínio. As empresas que são procuradas para dar apoio encaram os pedidos como simples filantropia e poucas levam a sério os projetos, que muitas vezes são geniais do ponto de vista mercadológico e baratíssimos do ponto de vista financeiro. E ainda resta a pecha de que o iatismo é um esporte de elite. Afinal, reis, rainhas, príncipes e princesas o praticam. E mesmo assim em um mundo dominado (infelizmente) pelos sonhos medievais dos “chiques e famosos” não conseguimos emplacar nosso esporte.

Por um lado, há sim uma elite velejadora que se dedica e, ainda bem, compra barcos, velas, motores e acessórios para que nosso mercado náutico não acabe de vez. Entretanto, há também uma classe média que, com a popularização e conseqüente industrialização e diminuição de custos, poderia estar velejando muito mais e pouco veleja. E há claro, os abnegados que convertem suas vidas financeiras em um verdadeiro caos para poder velejar e se dedicar ao esporte. As representações institucionais da vela, as federações, salvo raras e honrosas exceções, são grupelhos que se articulam apenas em época de eleição por pura vaidade ou motivos ainda menos nobres, como a manipulação financeira da verbas (quando existem). Não há uma associação nacional de velejadores e nem uma empresa, entidade, ONG ou coisa que o valha fora do âmbito da Federação Brasileira que cuide da promoção da vela. Há apenas uma tentativa isolada, encabeçada por Alan Adler, de criar um sindicato nacional para Volvo Ocean Race e quem sabe um dia a America’s Cup. Seria esse o caminho?


Ellen MacArthur, tão
famosa na Inglaterra
quanto os Beatles

Eu não penso assim. Poderíamos, dentro da FBVM – Federação Brasileira de Vela e Motor, criar instrumentos plurais e profissionais de captação e manipulação de patrocínio públicos e privados para incentivar a vela. Sair do amadorismo e voluntarismo de alguns para criar um “corpo profissional” de publicitários, jornalistas, fotógrafos, webdesigners e outros, que se dedicariam exclusivamente a informar os fatos existentes e “criar” novos para alimentar a mídia geral com a vela. Servir um “biscoito fino” de imagens e textos para veiculação geral, além de fazer um corpo-a-corpo diário com editores de esporte e comportamento por todo o país e colocar o iatismo, que, sem dúvida, é esteticamente privilegiado, no “mainstream” nacional. Tudo isso fiscalizado e apoiado por um amplo conselho de velejadores representativos de todo o país. Mas a verdade é que poucos se interessam pela política no bom sentido da palavra e infelizmente, como já disse um grande filósofo, o problema de quem não gosta de política é ser governado por quem gosta. Enquanto nós, que estamos na base da pirâmide, não nos movimentarmos para mudar a realidade, tudo ficara como está. Você está disposto?
 


Gustavo Pacheco, um dos maiores velejadores de oceano do Brasil, fala com exclusividade à coluna e abre o debate. O que nós fazemos pelo nosso esporte?

Gustavo Pacheco, que foi tripulante do Adrenalina Pura na última Cape to Rio, ia fazer um depoimento para nós sobre a regata e o desempenho do catamarã brasileiro. Ele inclusive mandou esta foto que ilustram a matéria. No entanto, a falta de organização e divulgação falaram mais alto ao coração deste carioca, que vai correr em agosto a Mini-transat (a regata transatlântica a solitário mais tradicional do mundo) "na cara e na coragem", sem o apoio de nenhum patrocinador ou entidade. O que era para ser o relato de uma regata se tornou um desabafo sincero. Acompanhe abaixo. O debate está aberto.

Que fazemos nós velejadores pelo esporte ?
É lindo ver as disputas e o alto nível geral do evento que é a America's Cup. Do sofá de casa assistir a um show de organização, planejamento, marketing, dinheiro, tecnologia e tradição. Mas ao mesmo tempo, paro e penso: onde estamos? Como está nosso esporte aqui no nosso país? Aonde chegaremos?

A impressão é esta: não chegaremos nunca. O que me faz pensar assim é a longa batalha travada por vários velejadores, que assisto desde que a vela se tornou abertamente profissional durante a década de 80, na tentativa de viver do esporte. Vinte anos! E o que temos? Somente medalhas honradas e alguns ótimos resultados mundiais expressivos, merecidamente conquistados e só.

Onde anda a representação da classe oceano, que tivemos décadas atrás na Admiral's Cup? Cadê os barcos tupiniquins na Buenos Aires-Rio? Cadê os one-design de hoje, que substituiriam os antigos One Tonners? Talvez se salvem alguns esforços isolados na Copa Del Rey e, recentemente, dois barcos na Cape to Rio.

Mês de janeiro e fevereiro. Cape to Rio, Circuito Salvador de Oceano, Brasileiro de Beneteau 40.7 e 47.7, Brasileiro de Snipe, Brasileiro de Finn, Pré-pan, Eliminatória J-24, etc. Todos estes campeonatos contaram com a nata da vela que o Brasil conseguiu formar, com exceção do Torben, que já mudou até de país... Que assistimos sobre isso na televisão e nos jornais ? Nada. E nada expressivo.

E nós velejadores, que faremos para mudar a situação? Por que esperar já não basta. Em 20 anos, pouco foi feito. Temos de assumir a liderança de reorganização do esporte de maneira objetiva e moderna, profissional e "mercantilista". É um esporte caro sim, que me desculpe Lars Grael e seu bem sucedido Projeto Navegar, voltado para comunidades carentes. Mas se não houver dinheiro na vela, daqui a quatro anos estaremos de novo sentados no sofá, achando o máximo o show e a vela do Brasil terá apenas envelhecido, com desenvolvimento zero.

É necessário profissionalizar todos os níveis de envolvimento do esporte e atrair capital via oferta de exposição na mídia, como na America's Cup. É necessário criar um corpo de divulgação e comunicação do esporte, que se encarregue de popularizar a vela, informando todos os canais possíveis de comunicação. Saber velejar bem já não basta, é preciso trabalhar também para o nosso esporte. Que poderemos fazer?

Gustavo Pacheco - contato@gustavopacheco.com
Murillo Novaes é redator publicitário e velejador com mais de 25 anos de experiência no oceano e em monotipos. É autor do livro "Tridente Atlântico de Netuno - Uma viagem à vela à Fantástica Ilha da Trindade" e colunista da revista Náutica. murillonovaes@brturbo.com

Este artigo foi publicado na popa.com.br com autorização de Murillo Novaes, colunista da Revista Náutica
Colaboração de Aldo Fosfato Tedesco