A cerveja que virou velejada
Danilo Chagas Ribeiro

06 JAN 2005
Hoje foi um dia muito quente em Porto Alegre. No final da tarde um amigo ligou convidando para uma cerveja. No caminho alteramos os planos. Em vez do bar, a varanda do Veleiros do Sul.
Costeando o rio vimos uma brisa de leste sobre o Guaíba. Eram 7 da tarde. Era o rio convidando... Desatracar. Içar os panos. Velejar!
Em vez da cerveja no Veleiros, cervejas da loja de conveniência e um saco de gelo. Do estacionamento, direto pro trapiche. Enquanto ligo o motor, meu amigo solta as amarras da proa, e eu as da popa. Motor à ré. Estamos na água. Estamos navegando. Entre estacionar no clube e estar navegando não deu 5 minutos.

Qual é o rumo? Norte ou sul?
Quem se importa?
Sobe a grande.
Sobe o motor.
Sobe a genoa.
Sobe a cerveja gelada.
Sobe o astral.

As bandeiras sobem também. Bóia pendurada, gelo no isopor, piloto ligado.
Ajuste dos panos, foto do veleiro que passa.
Eu que sempre navego em 2D graças ao pequeno calado do O'Day, hoje presto atenção aos baixios. O rio está bem baixo. Navegando em 3D. O rio está verde.

Passamos pela usina com o sol ainda torturando.
Deu fome. Vejo aquele meio saco de carvão no paiol. Ah se tivéssemos carne...
Doideira, claro. Onde encontrar carne no rio?...
Mas deve ter bolacha aí dentro, com certeza.
Bolacha?...
Mas...
E ali pela colônia dos pescadores, no Jacuí?...
Será que...
Claro!!! E tem um flutuante pra atracar no cais da colônia. Ainda deve ter algum bolicho aberto por lá.

Estamos quase atracando e toca o celular. É a sina do celular a bordo. Murphy. A chance do celular tocar em atracação é sempre alta. É meu irmão.
- O que tu ta fazendo aí numa hora dessas? To te vendo daqui!...
- Daqui de onde?
Olho pra rua que margeia o Jacuí e vejo o carro dele com os faróis piscando. É ali na Ilha da Pintada que guarda a lancha dele.
- Missão pra ti, véio: arruma 1kg de carne por aí!

Acendemos o fogo. Chega o Celso com a carne e um pão. Um pão enrolado em "papel de pão", coisa de padarias de antigamente. Tava feita a festa. Ele veio a bordo. Anoiteceu. A luz do fogo na churrasqueira era a mais forte por ali. Prosa, beira de rio. Noite clara. Quente. Risadas. A alegria do improviso dando certo. O encontro inesperado.

Depois da primeira leva de espetinhos, era hora de ir embora.
Às nove e meia desatracamos. A pano, rumo ao clube em um bordo só. Assando carne rio abaixo. A cidade iluminada, aquela função de catar os faroletes do canal contra as luzes da orla. Descer o canal à noite com a cidade toda acesa é uma atração à parte.
Lá bem ao sul, bem pra lá do Veleiros do Sul, havia um show de fogos.
Atracamos às onze e meia. A cerveja no bar virou velejada. Improvisada e com muita risada.

Um amigo, um barco, um rio
Um irmão, uma brisa, uma prosa
Bons remédios pros baixios
Da vida por vezes ventosa

 

 

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