Barcas, caravelas e naus
Os navios portugueses

 

Não se conhecem desenhos ou pinturas da época que revelem os modelos de navios utilizadas nas viagens marítimas portuguesas. O que se sabe foi reconstruído a partir de testemunhos escritos, nomeadamente livros de instruções de construção naval. A arqueologia submarina tem recuperado algumas embarcações antigas, mas não se teve ainda a sorte de encontrar restos dos tempos das descobertas. Os modelos exibidos no museu foram laboriosamente construídos e representam o que se sabe sobre os navios utilizados na altura.

Barca
Na evolução da arquitectura naval conseguida pelos portugueses, um dos primeiros modelos é o da barca. A barca foi o navio com que Gil Eanes dobrou o Bojador, essa proeminência do continente africano que apenas se conseguiu vencer à décima terceira tentativa. É uma embarcação robusta, de casco forte e chato, capaz de aguentar embates em rochas e passar por águas pouco profundas.

Por que chamar uma vela quadrada de "redonda"?
A barca estava certamente munida da chamada vela redonda, um pano aproximadamente quadrangular, em forma de pendão de igreja, que aproveitava ao máximo a força dos ventos. A vela inchava, um pouco como um balão, derivando talvez daí a sua designação de «redonda». A barca era um navio pouco manobrável e não muito veloz. Na altura, o importante era que aguentasse os embates oceânicos e que pudesse explorar cuidadosamente a rota africana. As barcas avançavam lentamente, explorando o caminho. Imagina-se que, na proximidade da costa ou perante o receio de baixios, seguisse à proa um marinheiro, de prumo na mão, medindo a profundidade e precavendo o perigo. Uma vela redonda, no entanto, não permite que o navio seja facilmente manobrado, exigindo atenção constante e grande esforço no leme. A esta vela principal acrescentou-se depois uma vela menor, pela proa, a que se deu o nome de artimão e que ajudava a governar o navio.

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

Contato entre os povos
Passado o Bojador*, foi ultrapassado um marco simbólico que se receava intransponível e que se pensava conduzir a mares povoados por perigos insuperáveis e a regiões desertas e inabitáveis (veja poema de Pessoa, ao lado). Os geógrafos clássicos imaginavam que as regiões tropicais eram tão quentes que nenhum ser vivo aí podia sobreviver, pelo que os feitos dos marinheiros portugueses foram não só decisivos para a abertura das rotas e o contacto entre os povos, como para a nova cultura do Renascimento.

Caravela
Passado o Bojador, percebeu-se também que seria possível ultrapassar o cabo pelo mar largo, evitando os perigos das rochas que espreitavam a navegação costeira e voltando a alcançar a costa mais a sul. Para essas manobras oceânicas, tal como para a exploração da costa a sul do Bojador, era necessário um navio mais veloz e mais manobrável. A barca foi substituída pela caravela, navio emblemático dos Descobrimentos.

Vela "a la trina"
A caravela estava munida de velas triangulares, as chamadas velas latinas, utilizadas no Mediterrâneo desde o século VIII. Por serem triangulares, eram ditas «a la trina», o que originou a designação de «latina». Essas velas estavam sustentadas por vergas suspensas em diagonal nos mastros, em vez de se apresentarem horizontais, como acontecia nas barcas e, mais tarde, nas naus e galeões. O resultado era uma maior capacidade de manobra. Além disso, a inclinação da vela latina permitia navegar contra o vento, efectuando um ziguezague a que os marinheiros chamam bolinar. Foi com a caravela (em primeiro plano, no desenho ao lado) que os exploradores portugueses dobraram o sul de África e viram pela primeira vez o Índico.

A imponência da Nau
Terminada essa fase de exploração, era necessário construir navios mais robustos, que pudessem transportar mais tripulantes e mais soldados, que tivessem porte para fazer face a inimigos e que pudessem transportar grandes quantidades de mantimentos, munições e mercadorias. Foi assim que nasceu a nau (desenho ao lado) , habitualmente com três mastros, com velas redondas nos de vante e uma triangular no de ré, procurando obter das duas primeiras a grande força do vento e da latina a capacidade de manobra. Foi com naus que Vasco da Gama viajou até à Índia.
Fonte: Instituto Camoões

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Notas do Popa:
(*) Cabo Bojador: 26° 07' 37"N, 14° 29' 57"W, 110mn ao sul das Canárias
Ilustrações e poesia adicionadas pelo Popa.