Aspectos Náuticos do Egito
Velejador gaúcho comenta a navegação no Rio Nilo
José A. T. Campello

Em Viagem recente ao Egito, em março de 2005, tive a grata satisfação de fazer contato com os remanescentes grandiosos desta antiga e poderosa civilização humana nos seus aspectos históricos, técnicos, artísticos e principalmente religiosos, motivos da existência dos famosos monumentos.
Acreditamos que ao longo da história, o Brasil possa ter sofrido alguma influência náutica trazida nos primórdios da descoberta do continente pertinente ao leque de influências indiretas com aquela longínqua civilização iniciada pelos Faraós. Hoje, o Egito faz parte da Liga Árabe junto com outros 23 países que a compõe, orgulhando-se de ser a mais pacífica e talvez sem querer, uma das mais abertas à influência Ocidental.
A mais antiga civilização cultural e cientificamente organizada encontrou junto ao Nilo condições de desenvolvimento até atingir o apogeu, exercendo total hegemonia entre as demais existentes então no médio Oriente, no período de 3.100 a 30 antes de Cristo quando já em decadência sucumbiu ao Império Romano com a morte da rainha Cleópatra. Nesta altura, a navegação pelo Mediterrâneo já era à vela/remo e a sociedade enfraquecida por numerosas intrigas políticas negociava em precárias condições e sem sucesso, uma forma digna de manter o Egito livre.

Comparando larguras do Nilo e do Guaíba
É imprescindível conhecermos um pouco do Rio Nilo mesmo que superficialmente para entendermos seus barcos. O Egito é totalmente dependente do Nilo, geográfica, agroeconomica e sócio-culturalmente.

Reconhecido como um dos maiores rios do mundo senão o maior, tem nascente em Uganda centro do continente Africano e percorre 6.695km até foz. Escolheu entre outros países o Egito, e após cruzá-lo de Sul a Norte projeta suas águas no mar Mediterrâneo. Sua profundidade média oscila entre 8 e 12m. Sua largura é normalmente menor de 500m, equivalente para os gaúchos entre 1/6 e 1/7da largura do Guaíba na altura da Ilha das pedras Brancas. Na altura do Cairo, abre-se em leque característico formando um extenso delta de 150 km de extensão, com centenas de ilhas, canais naturais e artificiais registrando 2 braços volumosos em sua foz que se entende por longas distâncias, desde Alexandria no Mediterrâneo até Port of Said, no canal de Suez.

Eclusa: 17h de espera
Entre o médio e o baixo Nilo, do Cairo a Esna há pelo menos duas represas com eclusas para controle de suas inundações anuais que comprometeriam hoje as populações marginais e mesmo a atual capital, o Cairo. Tivemos a oportunidade de galgar a eclusa de Esna demorando 17 horas para elevarmos escassos 4m em virtude do volume de barcos turísticos enfileirados. Em Aswan, alto Nilo, seu nível foi elevado por cerca de 100m devido a construção de uma gigantesca Hidrelétrica na década de 1950, similar a nossa Itaipu.

O enorme lago Nasser derivado, fez com que os Arqueólogos transplantassem integralmente os templos de Abu Simbel de Ramsés II e Nefertari elevando-os com todo o seu monte rochoso para 70m acima impedindo assim que fossem encobertos pelas águas da Represa.

Barcos dentro das pirâmides
Naturalmente, a antiga civilização egípcia utilizava intensamente o rio ainda que em barcos a remo. As imagens esculpidas nos templos e túmulos registram deslocamentos dos Faraós e materiais de construção sobre seu leito sem utilização de velas, supondo-se esta técnica ainda desconhecida durante a construção dos monumentos.

Os barcos dos Faraós eram alojados junto aos túmulos. As velas viriam bem depois mas já eram conhecidas em Alexandria, fundada por Alexandre Magno, terra da Rainha Cleópatra.

Dada a importância do barco no rio, foi descoberta enterrada ao sul da pirâmide de Keops a Barca Solar na qual sua múmia teria sido conduzida pelo Nilo até a Pirâmide, após sua morte. No túmulo de Tutankhamon, o único descoberto praticamente intacto, havia pelo menos 5 barcos na câmara de tesouros.

Pedras para as pirâmides com até 300ton desceram 1.000km do Nilo, a remo
Na história deste País, o Antigo Egito das inúmeras Dinastias com mais de 300 faraós desenvolveu-se entre 3.100 e 30 anos A.C. Entre 30 A.C. e 640 da era Cristã foi dominado pelos Gregos, Romanos e após pelos Mulçumanos Árabes (Mamelucos e Turcos Otomanos) até os dias atuais e em forma de República a partir de 1952. Inserido neste intervalo, houve ainda a importante dominação Francesa de Napoleão entre 1798 e 1801 e dos Ingleses entre 1.882 e 1952.

No curto período Francês aconteceu a descoberta da pedra de Rosetta por Napoleão, impressa em 3 idiomas um deles em hieróglifos Egípcios, o que permitiu ao Egiptólogo Champollion decifrar por comparação o significado da simbologia desvendando à comunidade de cientistas a grandiosidade da crença religiosa capaz de esculpir paredes, escavar rochedos, erguer pirâmides e templos com pedras de 2 toneladas a 146 m de altura, enquanto pelo rio as pedras das pirâmides eram deslocadas a remo por quase 1000km.

Muito impressiona como atravessavam pelo rio os Obeliscos monolíticos cortados da pedreira e esculpidos em granito numa peça inteiriça de 30 a 40m de altura com 100 a 300 Ton. Requeriam várias embarcações e pontilhões para o deslocamento, pois as pedreiras ficavam no lado Oriental enquanto os templos do lado Ocidental. Imaginem os acidentes e a riquezas que jazem no fundo do Nilo!

Tecnologia da construção naval para os portugueses
Foram descobertas 38 pirâmides ao todo. Num breve cálculo, o historiador Grego Heródoto (Séc.V a.C.) em visita ás Pirâmides estimou com bastante precisão a quantidade de 100.000 homens trabalhando 3 meses por ano durante 20 anos para construir cada uma das grandes Pirâmides.

O barco à vela foi introduzido no país provavelmente pelos povos orientais Árabes e depois adaptado às condições do Nilo.
Provavelmente com a invasão de Portugal e Espanha pelos Mouros, povo bárbaro de origem Árabe oriundos do norte da África, a tecnologia da construção naval foi transferida para a Europa durante a longa dominação imposta aos Europeus Latinos, que posteriormente viriam
colonizar o continente Sul Americano.

Tempestade de areia frustra velejada
Em Kom Ombo conhecemos um dos muitos Nilômetros que mediam o nível da água nas inundações, índice que os Faraós atrelavam o % de impostos a serem cobrados anualmente dos agricultores marginais do rio.

Em Aswan, parte final da viagem, no dia marcado para um passeio na Falucca, que selaria o contato íntimo com este veleiro típico da região, armou-se repentinamente uma tempestade em que a cidade rapidamente ficou envolvida por nuvem de areia fina que comprometia a visibilidade além de 100m. Nestas circunstâncias o pó do deserto cobre tudo, prédio, roupas, carros e o efeito, fora o açoite do vento, é semelhante a nossa cerração.

Devido à velocidade dos ventos (25 a 30 Knots), o governo proibiu o deslocamento dos veleiros pelo rio. O Aeroporto fechou e não podemos também embarcar para Abu Simbel, 260 km ao sul no lago Nasser. Restou então fotos da embarcação, sua mastreação, a vela latina e outras características distintas de nossos veleiros.

Algumas observações sobre as Faluccas
Casco: de madeira ou de aço. Os de aço predominam atualmente, uma vez que a boa madeira vinha da Síria e países além do Mar Vermelho, onde há mais fartura desta matéria prima .
Cockpit e convés : Todo de madeira ripada
Bolina: Caixa interna com mecanismo manual
Leme: Desproporcionalmente grandes e aparentemente superdimensionados, estendendo-se para trás na horizontal e não na vertical, sem articulação, provavelmente para enfrentar os baixios do Nilo.
Velas: Única, de algodão e/ou Dacron de formato trapezoidal
Mastreação e retranca: Invariavelmente de madeira um mastro de média altura sustenta por articulação um enorme pique que rotula em balanço com a retranca armando a vela. A retranca por sua vez é móvel ficando calçada no mastro quando em repouso, é enrolada na vela e afixada junto ao pique ficando semi-invisível.
No rizo da vela, pelo que pude observar à distância, a retranca é enrolada ou recolhida pivotando no mastro e alinhando com o pique, resultando numa área vélica menor. O vento embolsa como num canudo. O tripulante sobe com freqüência no mastro através de uma escada em tacos nele encravados.

Campello
26/03/2005

[popa] Associado ao Clube dos Jangadeiros, José A T Campello veleja há muitos anos, nas classes Oceano e Monotipo.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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