Teredo, o cupim dos mares
As caravelas e a madeira de lei
Nelson Ferreira Fontoura

Aqui em Porto Alegre, nas margens do Guaíba, estamos incomodados com o recente mexilhão-dourado, que insiste em entupir as saídas d’água, travar os sensores do Log e emperrar as bolinas.
Mas isto é café pequeno. Também não estou falando de cracas, e a sua capacidade inata em acabar com a hidrodinâmica dos cascos. Me refiro ao “cupim dos mares”: o Teredo. Imaginem-se em uma travessia oceânica, em uma caravela portuguesa do século XV. Meses no mar sem qualquer apoio logístico. Sem pintura venenosa, as cracas pululam pelo casco, faceiras com a corrente de água que traz sempre comida nova. Mas isto não é o principal problema. Um animal de corpo alongado, lembrando um verme, perfura a madeira, da qual se alimenta. Este é o Teredo. Não é inseto, como os cupins. Também não é verme; mas um molusco bivalvo (parente dos mexilhões) extremamente especializado.

Em fase de larva, nada livremente pelo oceano até encontrar um pedaço de madeira, seja um tronco, uma pilastra ou mesmo o casco da caravela. Aí fixa-se e começa a perfurá-lo. Como ferramenta, usa as duas diminutas conchas que o caracterizam como bivalvo (duas valvas). Dependendo da espécie, pode viver vários anos e crescer até 18 cm. É um furo de respeito. Além da própria madeira, que digere com auxílio de bactérias, o Teredo também se alimenta de plâncton, filtrando a água do mar. Conforme o nível de infestação, a madeira acaba por virar um queijo-suíço, permitindo ampla passagem de água, além de perder resistência estrutural.

Devido a este probleminha, na Portugal das grandes navegações, as madeiras mais duras eram especialmente destinadas para a fabricação de cascos. Eram protegidas por lei, tendo permanecido a alcunha de “madeiras de lei”. Estas, em função das altas concentrações de lignina, eram mais duras: difíceis de perfurar e difíceis de digerir; a única defesa contra este “amável” animal.

Mas como tudo tem dois lados, o Teredo também presta os seus serviços: se todas as toras que chegassem ao mar permanecessem intactas por anos, maiores seriam os riscos à navegação. Além de perfurar a madeira, o Teredo secreta em seu tubo um invólucro calcário. Com o tempo, a quantidade de madeira diminui e a de calcário aumenta. A tora fica mais densa e vai ao fundo. Viva o Teredo.

 

O Comte Nelson Ferreira Fontoura é doutor em zoologia, e professor do
Departamento de Biodiversidade e Ecologia, da Faculdade de Biociências da PUCRS.

 

Estragos do Teredo no Rio Grande Yacht Club

 

 

Teredo

 

 


Fotos: Guto Vieira da Fonseca

 

 

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