Desafiando as Leis da Física
Velocidade de Casco
Nelson Ferreira Fontoura

15 Dez 2007
Os mais familiarizados com o meio náutico já ouviram falar de casco planante, casco deslocante e velocidade de casco. Quando um casco deslocante se move na água, empurra a água para os lados e para frente. Na medida em que se aumenta a velocidade, uma espécie de onda se forma na proa do barco, limitando a sua velocidade. Não adianta acelerar mais. A proa levanta, a popa afunda na água, o consumo de combustível aumenta, mas a velocidade não. O barco fica contido pela onda que ele mesmo produziu. A velocidade máxima, nestes casos, depende unicamente do comprimento da linha d'água, sendo calculada pela expressão:

Velocidade máxima (em nós) = 1,34 x (comprimento da linha d'água, em pés)1/2

Para o Tiza, meu veleiro de 27 pés (linha d'água de 22 pés), a velocidade máxima é de 6,3 nós. É claro que esta velocidade pode ser eventualmente ultrapassada, especialmente quando surfamos com vento pela popa. Entretanto, alguns veleiros de regata e lanchas não são condicionados obrigatoriamente por esta regra, pois apresentam cascos planantes e excelente razão peso/potência, de forma que conseguem vencer a onda de proa e planar sobre a água.

Mas este assunto veio à tona em função de uma conversa de trapiche. Comentava com um amigo sobre o Cruzeiro do Bugio, em que na ida, os veleiros tiveram que enfrentar ventos de proa de até 22 nós. Disse-me o amigo que quase desistiu, pois seu O'Day 23 apresentava desempenho sofrível no contravento, mesmo à motor, tendendo a caturrar e tirando a rabeta da água.
Quem me conhece há mais tempo, sabe que o Tiza navegou por três anos exclusivamente à motor, inicialmente um Mariner 25 e depois um Yamaha 15. Foram 700 milhas navegadas só no motorzinho, dando para acumular certa experiência. O primeiro aprendizado foi de que se deve aproveitar o próprio comportamento do barco para evitar que caturre. Quando há onda, deve-se acelerar ao máximo, afundando a popa na água. De início o barco até reluta um pouquinho, mas quando ganha velocidade, funciona muito bem. Como o Tiza é um projeto já antigo, de popa estreita, isto tem dado certo comigo. Não sei se haveria o mesmo desempenho com os projetos mais modernos de popa larga.

Bueno, depois de preparar o leitor, agora vou chegar ao ponto: vai parecer até mentira. O Tiza consegue andar mais, no motor, com vento forte pela proa do que em calmaria. Pode? A minha experiência prática diz que sim. Primeiro, 15HP é bastante potência para um casco deslocante de duas toneladas. Segundo, tenho um hélice de quatro pás e passo reduzido, de forma que consigo aproveitar bem a potência do motor. Terceiro, o barco não tem muitos penduricos, reduzindo o arrasto aerodinâmico. E o mais importante: quando o vento é forte, há muita onda no Guaíba, ondas baixas e uma em cima da outra. Navegando-se contra as ondas, não chega a se formar a clássica onda de proa do casco deslocante, condição típica de águas calmas. Assim, rompe-se a lógica da fórmula do casco deslocante. Neste caso, a velocidade fica limitada pela potência do motor, descontado o arrasto aerodinâmico, o atrito do casco na água e a perda de potência pelo choque direto das ondas. Assim fica a sugestão: quando apertar o contravento e o objetivo for chegar logo, botem a roupa de tempo, fechem as gaiutas e despejem potência no motor. Vocês vão se surpreender com os resultados, mesmo com motorzinho de popa.

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16 Dez 2007
Danilo Chagas Ribeiro
Há uns 20 anos eu não sabia nada de velocidade máxima do casco. Nosso veleiro "jangadeiro" com 5,40m de madeira escamada e patilhão de chumbo mandado construir pelo meu Velho já não dava mais pra ele. Motorizamos o veleiro com um Yanmar de 1 cilindro pra o pai poder dar umas voltinhas. Não andava nada, mesmo depois de trocado o hélice por outro de mais velocidade. Apesar de lento, o Estrela ainda fazia pose: motorava sempre “de nariz em pé”. Esperava-se que com o novo motor de popa de 25HP andasse mais, mas que nada! A proa subia mais ainda, deixando 1/3 do casco fora d’água e não passava daqueles poucos nós que o diesel dava. Quase indo à loucura, fizemos um teste radical: colocamos cunhas de madeira para mudar exageradamente o ângulo do motor em relação ao espelho de popa (uns 30º), forçando assim a popa a levantar, na marra. O problema continuou o mesmo, desafiando nossa persistência e ignorância. Um cara sugeriu que era maldição da alma do veleiro, indignada que estaria com a motorização. Palpite nunca nos faltou.
Num avião para São Paulo comentei o assunto com o Ernestinho Neugebauer. Foi quando fui apresentado à maldita lei do comprimento da linha d’água, inimigo desconhecido de nós contra quem vínhamos brigando há tempo, sem saber.
Tempos depois o janga foi rebocado por uma lancha no Rio Tramandaí. Claro que no reboque de um motor potente o janga andou como nunca antes, mas quanto mais a lancha acelerava, mais a proa do veleiro se erguia. Todos nós sentamos sobre o convés de proa, mas ela não baixou nada. Andava a uns 30 ou 40 graus em relação à horizontal. E isso que o cabo de reboque forçava a proa do janga pra baixo. Era como se a lancha estivesse rebocando para a frente e para baixo, tal a altura da proa do veleiro, de onde se via a lancha “lá embaixo”.
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Como se sabe, um casco bem polido anda mais que outro idêntico com cracas. Este é apenas um exemplo de interferências que podem impedir um barco de atingir a velocidade máxima de linha d’água.