Diário de Bordo
Comentários do Comandante Rodrigo Beheregaray

Diário de Bordo. André Magalhães Homem de Mello. 2004. Editora Clio. 240 pgs. Ilustrado.


CONTRA-CAPA:

Alguns velejadores se dedicam a aprimorar a técnica da velocidade, da estratégia, da tática e das manobras para vencer seus oponentes em regatas. Outros se dedicam não só a isso, mas também a vencer a solidão, o medo, a natureza e a imensidão do mar. O André é um desses navegadores que nos enchem de orgulho por sua bravura e dedicação. Sua história é, sem dúvida, um grande exemplo e uma grande aventura.

Lars Grael

O mar levou André a realizar um sonho. A energia do mar deu a ele forças para suplantar todos os desafios. Só quem já sentiu as forças do mar sabe o quanto nós somos pequenos neste mundo. O feito de André, de navegar em solitário nas latitudes dos fortes ventos, é um feito grandioso.

Vilfredo Schürmann

Navegar sozinho pelos mares mais tempestuosos do planeta é um feito para poucos. Sua trajetória é um exemplo de amor ao mar e à navegação solitária.

Torben Grael

ORELHA:

O livro narra um dos maiores feitos da vela oceânica brasileira: a volta ao mundo em solitário, sem escalas, pelo Oceano Austral. A viagem empreendida por André Magalhães Homem de Mello durou seis meses e foi feita através da região mais perigosa para navegação do planeta. Em sua rota, André passou pelo Cabo da Boa Esperança - também conhecido como Cabo das Tormentas, pelo Cabo Leeuwin, na Austrália, pelo sul da Nova Zelândia e pelo temido Cabo Horn, no extremo sul da América do Sul. Foram 19.390 milhas náuticas navegadas. Diário de Bordo não se limita à narrativa da volta ao mundo. André também conta duas outras importantes viagens que empreendeu antes de se aventurar pelo Oceano Austral.

A primeira foi de San Francisco, na Califórnia, a Ilhabela, no litoral paulista: um ano e cinco meses de viagem, com muitas paradas para visitar lugares, conhecer gente e atravessar o Canal do Panamá. Nessa viagem ele começou a escrever o seu Diário de Bordo, q deu origem a este livro.

O outro feito foi a viagem comemorativa aos 500 anos do descobrimento do Brasil. André foi de Ilhabela a Portugal, e de lá, no dia 9 de março de 2000, partiu junto com outras 36 embarcações, que, fazendo a rota de Cabral, atracaram no país em 22 de abril. Na ocasião, ele recebeu um prêmio da Associação Portuguesa de Vela por ter sido o único velejador a completar a viagem sozinho.

Depois dessas duas viagens, André se sentiu preparado e em 30 de setembro de 2001 partiu para a realização de seu grande sonho: dar a volta ao mundo, em solitário e sem escalas. Diário de Bordo empolga da primeira à última página, e leva ao leitor muito mais do que emoção. Leva também uma lição de determininação e da capacidade de superação do homem frente às adversidades. Um livro para ser lido e vivido.

André Homem de Mello, natural de Campinas, em São Paulo, é formado em Administração de Empresas, com pós-graduação em Marketing. Atualmente, dá palestras, presta serviços de consultoria e cursos de vela oceânica e ainda atua no ramo de aluguel e revenda de embarcações. Como velejador solitário, já percorreu mais de 40.000 milhas náuticas, o equivalente a 72.000 km.

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COMENTÁRIOS:

O título do livro é sugestivo e apropriado porque é daqueles em que se "convive" e se embarca na mesma viagem, pois vai-se vivendo dia-a-dia o que está acontecendo em cada trecho.

O livro traz belas fotos e é bastante "enxuto" para as três histórias independentes que narra (EUA-Brasil; Brasil/Portugal/Brasil; Brasil/volta ao mundo austral/Brasil). Poderia, tranquilamente, enriquecendo cada uma das partes com mais detalhes, tornar as histórias em três livros independentes. Porém, parece-me que a personalidade de André é um tanto humilde para os grandes feitos. Por mais que a tecnologia facilite a vida a bordo nos dias de hoje, trazendo segurança e conforto, as viagens que empreendeu são dignas de livros e, mais que tudo, de orgulho, respeito e admiração do povo brasileiro. A falta de recursos não foi párea para a concretização de um sonho acalentado desde a muito. Talvez, em alguns pontos, essa falta de recursos na aquisição de uma embarcação mais preparada, da aquisição de mais e melhores equipamentos e talvez mesmo de planejamento tenha precipitado o seu lançamento no projeto de volta ao mundo e que, em tantos momentos, contou com sorte para não ter sucumbido. Mas ele venceu. Se foi todo mérito seu com a garra e deteminação para se lançar ao mar com os recursos que tinha - "A viagem só começa com o primeiro passo dado..." -, se foi por sorte e acaso, se foi simplesmente pelos ventos e mares terem permitido que passasse ou se foi uma grande mistura de tudo isso talvez nunca saibamos. Fica a história, ficam as lições, fica o pioneirismo e a admiração desse brasileiro simples e determinado.

Uma vez que o feito e o livro é lançado posteriormente ao feito do Amyr Klink, é impossível deixar de fazer uma comparação. Amyr Klink foi o primeiro brasileiro a fazer a circunavegação polar em altas latitudes mas há várias diferenças entre os dois feitos, sem desmerecer aquele ou esse. O primeiro planejou cada detalhe e, aparentemente, conseguiu concretizar cada etapa desse planejamento detalhadamente: o projeto ideal do barco, a sua construção com mateial mais adequado, os equipamentos ideais, o suporte, cada etapa e suas datas, etc. Também foi uma circunavegação com escalas onde pode recuperar fôlego e suporte de materiais, contato com pessoas, etc. André M. Homem de Mello, já de início, usou uma embarcação de construção em série com um material menos resistente (fibra de vidro) e feita para longos cruzeiros mas certamente não atestada de fábrica paras os piores mares do mundo durante tanto tempo e, como se não bastasse, foi adquirida de segunda mão estando, na época da circunavegação, já com 12 anos de uso. André nunca tinha estado antes nos mares polares e muito menos navegado em condições extremas, sendo assim que sua experiência nestas condições eram puramente teóricas adquiridas de relatos de livros ou contatos com navegadores que estiveram lá. Precisou estar lá para ver o que tinha q fazer de fato e se a teoria se confirmava.

Essa falta de estrutura, suporte e riscos com pouco material, material inadequado ou falta de experiência o deixou várias vezes contando com a sorte para se safar. Infelizmente uma parada técnica (considerada sem escalas por não ter ancorado e nem aportado) foi necessária na Tasmânia para obter comida e água (e uma peça do enrolador de genoa q se tornou inútil por ser diferente do que precisava). Sem essa parada talvez tivesse sucumbido. Outro problema foi ter q parar em Florianópolis sem ter chegado de onde partiu, Ilhabela, por já não ter motor, energia, velas e nem ao menos água. Estava captando água do sistema hidráulico para beber e rezando por chuva... O leitor pega-se pensando se foi azar, infortúnio ou falta de planejamento. Talvez, simplesmente, falta de recursos. Mas logo após a parada em Florianópolis por 6 dias, rumo a Ilhabela, sofre novamente com a falta de água, velas, motor, energia, etc. e nos pegamos pensando se cometeu um erro primário de abastecimento ou se qualquer um de nós, após tantos meses no mar e chegando em casa após um grande feito em condições tão sacrificantes, estaria com a cabeça tão presente em pensar nos detalhes para não sofrer novamente pelas privações de quem não teria parado como ele parou. Ao mesmo tempo, André relata todos esses detalhes q servem não apenas para ilustrar e registrar sua história, mas também para nos alertar e nos ensinar à fim de que não passemos o que ele passou.

André tem uma escrita boa, didática, onde escreve relaxado e traz detalhes convidando o leitor, mesmo o leigo, a acompanhar não apenas a viagem e a história como também o seu próprio aprendizado na vela. Isso é muito bom para um crescimento na história, e as surpresas que sofre são sentidas por quem lê naturalmente. André, pelo que dá a entender na descrição de sua ficha da orelha do livro, nunca tinha escrito nenhum livro, porém tem o dom e certamente os futuros serão melhores. Mas do ponto de vista puramente literário, há algumas coisinhas que poderiam ser melhoradas numa edição futura. Ele repete muito os tipos e qualidades de vento, do que é temporal e tempestade ao longo do livro, mesmo que há um anexo no final com cada grau da escala Beaufort e comentários. Também, por vezes, mescla trechos de seu diário de bordo com a descrição do mesmo sem fazer uma peneirada, o que acaba por repetir muitas coisas como impressões e sensações para o mesmo trecho. Fica cansativo. Há momentos que também escreve diálogos em inglês e depois faz a tradução para o português, o que acredito serem desnecessários. Uma tradução basta para acreditarmos q está correto. Ao mesmo tempo, no final do livro, há um pequeníssimo glossário de termos náuticos onde encontramos em cada palavra a sua correspondente em inglês. Isso nem sempre é visto nos livros nacionais publicados e, para quem navega e costuma ler livros náuticos, pode ajudar muito para esclarecer um ou outro termo. Também encontrei uma ou outra palavrinha escrita errada como "cálcio hidráulico" (pg. 206), que na verdade deveria ser "calço hidráulico".

O livro merece ser lido e degustado por todos os aficcionados da náutica e tenho certeza q irá no futuro para a coleção dos clássicos. Apenas mais uma dica para os que pretendem adquirir a obra: aproveitem e entrem em contato com o Autor, adquirindo a obra diretamente pelo site dele e obtendo um exemplar autografado. Os sites (q vão para as mesmas páginas) são: www.sailingadventures.com.br e www.andrehm.com.br. Não deixem de conferir também no site três filmes curtos feitos durante a circnunavegação austral onde aparecem os famosos Roaring Forties (os querenta rugidores, nome dado aos fortes ventos do paralelo 40º sul). Também pode-se encontrar o livro, se preferir, através da rede de livrarias da Siciliano.

Boa leitura!

Asterix
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Rodrigo Beheregaray