A técnica de desencalhe do Andreas
Usando o dingue para se safar
D
anilo Chagas Ribeiro


14 Set 2007
V
elejando no Canibal, do Comte Andreas Bernauer, sempre que possível visitamos algum lugar novo para nós, no Guaíba e na Lagoa dos Patos. Às vezes, lugar novo significa detalhe novo, conhecimento novo. Ou surpresa velha: já encalhamos várias vezes por andarmos seguidamente em águas rasas. E aqui não me refiro a uma praia necessariamente, mas a baixios, bancos, coroas, alfaques e afins. É a nossa "especialidade". Tudo em busca de novas paisagens.

Neste domingo encalhamos ao aproximarmo-nos da praia do Saco do Pinho ou "Faxina" (onde estão as Baleias do Salgado), no Rio Guaíba. O ecobatímetro vinha sendo observado atentamente na chegada à praia a partir de 2,60m (este Delta36 cala 1,60m). Rotação reduzida, 2,40m. O alarme Shallow (raso) disparou a 2,00m e logo em seguida sentimos aquela desacelerada típica da encalhada. Mais uma...

Fundo de areia. A quilha tem bulbo. Água completamente parada. Absolutamente nada de vento. Motor à ré, e nada. De novo. Outra vez. Por mais tempo. Com o leme virado prum lado. Pro outro. No centro de novo. Nada! O barco nem se mexia. Medi 1,70 a 1,80m na popa, com o croque. A profundidade da praia diminui bastante, bem ali.

Andreas utilizou uma técnica de desencalhe tão interessante, que resolvi relatar. Enquanto eu acelerava o motor do veleiro à ré, ele encostou a proa do inflável a 45º da proa do Canibal. Na primeira vez não deu certo porque o hélice do Canibal gerava tanta correnteza lá na proa que ele não conseguia encostar o dingue (3,5m x 3,5 HP). Então cortei o motor e ele passou a pressionar o inflável contra a proa do Canibal, a 45º. Se ficar mais atravessado em relação ao veleiro, a correnteza afasta o bote. Voltei a acelerar e a dar leme pra ajudar o barco a girar sobre a quilha.

Quando o Canibal parava de girar, sem desencostar o inflável e sem cortar o motor do veleiro, Andreas fazia o dingue girar 90º pra ficar a 45º pelo outro lado da proa do Canibal. Assim foi levando a proa pra lá e pra cá. O veleiro girava muito pouco a cada vez, mas a cada empurrada o giro era maior.

Funcionou como um bow thruster (hélice transversal junto à proa, para manobras) ou como um empurrador no porto. Numa dessas (umas 6 ou 8 vezes, se tanto), o Canibal soltou-se do fundo e saiu à toda de ré. Claro que logo em seguida a roda do leme disparou à velocidade "supersônica" e deu nos dedos. Acidente do trabalho.
Enfim o "Método Bernauer de Desencalhe" resolveu a parada em poucos minutos, com apenas 3,5HP. Mas muito bem aplicados.

Variações desta técnica sem dingue podem ocorrer por conta de âncora unhada para um lado e para outro, ou de um pequeno barco tracionando a proa, ou de um pequeno veleiro puxando ora pra lá e ora pra cá.

Desencalhando com tripulação

Na falta de um dingue, mas com tripulação "de peso", cabe experimentar outra técnica de desencalhe, apresentada ao Grupo Popacombr pelo Comte Nelcides (Koca), de Paraty. Diz ele:

"Trave o amantilho da grande deixando a retranca perpendicular ao mastro.
Baixe a adriça da grande uns 30 a 40 centímetros, para fazer uma bolsa junto a retranca .
Abra a retranca a 90º da linha de centro (ou eixo longitudinal) do barco .
Mande um cururu, o mais pesado e ágil que houver disponível, deslizar por esta canaleta na vela junto à retranca em direção a ponta da retranca.
Você vai ter de 80 a 100 quilos a 3 ou 4 metros da linha de centro do barco. Os outros tripulantes disponíveis ajudam junto aos brandais. Se não for suficiente vc manda outro pra retranca. Se a inclinação do encalhe for muito grande (Vc bobeou e a maré baixou ainda mais) sobe mais o amantilho da retranca.
Neste caso não tire no motor de centro, tire empurrando ou puxando por uma âncora ou coisa parecida .
Já com uma quilha asa (Spring 25 por ex.) a coisa é bem diferente".

O Comte Felipe, de Florianópolis, recomenda cuidado com este método:
"Nelcides, essa é interessante, mas tem que cuidar que o amantilho não é preparado para agüentar o peso de um marmanjo, mas apenas da retranca. Tenho um amigo que foi fazer essa, deixando apenas o amantilho, e mandou um ou dois para a ponta da retranca; o amantilho rebentou e o peso ficou todo no burro (que era de mola). Com o impacto, a retranca dobrou naquele ponto e ficou torta. Sem falar no camarada que deve ter magoado a costela antes de escorregar para o banho".

Método Frednaiti-98


Consta de deslocar o comandante para a ponta da retranca a 90º, de onde terá, inclusive, posição privilegiada para comandar a operação.

O comandante é o tripulante mais indicado, principalmente se pesar 98kg (não que seja o caso do Delta36 Friday Night, do Comte Fred Roth). Em se tratando do comandante, em vez de ficar pendurado na ponta da retranca, vai sentado na cadeirinha.

Gennaker - método não comprovado

Há quem diga que armar o gennaker, ou mesmo um balão como se fosse um gennaker, possa contribuir para adernadas mais radicais e assim "levantar" a quilha. Recomenda-se cautela.

Genoa por Barla - o método Shogun

Este método, apresentado pelo Comte Marcelo Caminha Shogun, implica em aquartelar a genoa. "Encalhei no contravento e não tinha motor nem pra tentar o desencalhe. O velho Volvo tinha "dado os doces", como sempre. Vento de 30 nós, o barco entrou no banco adernado (contravento) e assim ficou. Note: o banco também estava a contravento, óbvio.

Solução: cace a genoa por barlavento. Ela vai arrancar o barco do banco, se tiver vento suficiente, é claro. Se o encalhe for no popa com um vento desses, aí acho que só chamando a mãe".

 

Outros métodos

Usar o vento para desencalhar parece ser a técnica mais comumente empregada por velejadores. Ao adernar-se o barco caçando todos os panos, a extremidade da quilha "sobe", isto é, afasta-se do fundo. A tripulação deve ficar o mais próximo da borda de sota para aumentar a inclinação.

O método mais penoso pode ser o de carregar a âncora à pé e unhá-la a uns 20 ou 30m do barco, e dar braço na catraca da escota. Dois cabos na âncora podem acelerar pelo uso de 2 'catraqueadores' ao mesmo tempo. Repetir o processo até vencer o baixio... Pior ainda que este é desembarcar a tripulação para empurrar no lôdo.

Sem dúvida que o método mais confortável para desencalhar é ter uma outra embarcação de porte compatível para simplesmente rebocar.

 

Descreva outras técnicas de desencalhe ao Popa: info@popa.com.br

 

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