Selado e Seguro

 

Tradução do artigo “Sealed for Safety” do veterano circunavegador Aussie Bray.
Publicado na revista Sail, Volume 35/Número 5, Maio de 2004.

Tradução de João Carlos Jungmann

Figuras e fotos scaneadas da revista.

 


Em situações como esta, o velejador cruzeirista ficaria mais tranqüilo se o mastro fosse selado.

A grande maiora dos mastros modernos é constituída de tubos ocos com algumas aberturas para as adriças e encaixes de stais, ovéns e brandais. Em uma capotada, a parte imersa de um mastro pode inundar-se em questão de segundos e com isto, não ajudar em nada ao Momento de Endireitamento que todo veleiro lastreado possui. Um veleiro se recuperando de uma capotada (completa ou parcial) estaria em uma situação dinâmica de movimento, e a água dentro do mastro, terá efeitos bem significativos.

 

Para ângulos de adernamento maiores que 90 graus, A água que penetrou no mastro se concentrará mais no top do mesmo, aumentando significativamente a inércia rotacional da mastreação, e diminuindo a velocidade de recuperação à posição normal. Como muito bem sabem os velejadores de Dingues e outros barcos não lastreados, o peso da água retida no topo de uma longa alavanca, tende a contrabalançar o endireitamento normal do barco, que nestas situações de ângulos extremos, já é bem reduzido.

Mastros que flutuam

 

A selagem de um mastro faz muito mais que impedir que a água penetre em seu interior – ela os torna flutuantes. Novamente, as forças são multiplicadas pelo comprimento da alavanca, porém neste caso, aumentando favoravelmente o Momento de endireitamento do barco.

 

O meu interesse em mastros selados começou em meados dos anos 80, enquanto construía o Starship, meu veleiro de Alumínio de 44 pés. Naquela época, o projeto de Max Riseley era considerado radical; possuía uma quilha retrátil de 2 ton e podia levar mais 1 ton de lastro d`água móvel. A quilha só é levantada para ancoragem ou motoração em águas rasas, nunca quando velejando ou motorando no mar. Porém eu queria saber o que aconteceria se de repente um vagalhão virasse o barco, ou se a quilha se desprendesse do barco.

 

A área de seção transversal do mastro do Starship, possui aproximadamente 277 cm², fornecendo assim um deslocamento de imersão de 27,7 Kg por metro. Se inundado, ele conteria 25,6 litros de água por metro. Se o barco capotasse a 95 graus em águas calmas, aproximadamente 12 metros de um total de 17 ficariam submersos.

 

Decidi então selar o meu mastro e torna-lo estanque, o que resultou em um adicional de 3152 Kgf-metro de momento de endireitamento – equivalente a cerca de 4 ton de lastro no lado da quilha, a cerca de 90 cm do centro de gravidade. Mesmo com a quilha totalmente recolhida (ou perdida), isto já seria suficiente para impedir que o barco capotasse completamente (180 graus). No mar, mesmo que uma onda quebrando rolasse o barco mais para dentro ainda, o comprimento da alavanca seria diminuído e mais partes do mastro ficaria submersas. Mesmo com 150 graus de adernamento, o mastro selado ainda contribuiria com cerca de 2200 Kgf-metro para o endireitamento do barco.

 

Ou seja, comparando contra um mastro com água retida em seu interior, o mastro selado proporciona um enorme benefício à estabilidade (ver figura 1). No caso de uma capotada, o mastro do Starship aumenta em mais 25 graus o ângulo de neutralidade entre a estabilidade positiva e a negativa, e diminui esta última quase à metade, entre os ângulos de 145 e 180 graus.

 

                                                                  Figura 01

 

O “Everest Horizontal”

 

A rápida capotada do Open 50 Everest Horizontal na última regata Bermuda 1-2,  ocorreu quando o barco perdeu o seu bulbo lastreado na sua quilha tipo fin. Após certo tempo, o barco virou completamente, porém foi só depois deste certo tempo, que foi crítico e fundamental, que a coisa aconteceu.

Ao contrário dos mastros da maioria dos barcos de corrida, o do Everest Horizontal era selado.

 

Segundo o Skipper Tim Kent, com suas próprias palavras, “Não temos dúvida alguma que foi o mastro selado que salvou nossas vidas”, e continuou, “Os cerca de 90 segundos que tivemos enquanto o barco ia virando, nos permitiu pegar nossos coletes, EPIRB, flares e o mais importante, disparar o flare que atraiu quem nos resgatou, antes do barco capotar completamente”.

 

O Everest Horizontal foi construído originalmente para participar da regata Vendée Globe, e o seu projetista, Jim Antrim, especificou a selagem do mastro como uma forma de aumentar as chances de auto-adriçamento no caso de uma capotada no mar (Ver Projetado para endireitar-se).

 

Prós e Contras

 

A necessidade de guiar as adriças pelo lado de fora do mastro, parece ser a principal desvantagem deste sistema. Porém vale lembrar que antes dos mastros tubulares, a maioria dos mastros era de madeira e com adriças externas.

 

Em um mastro novo, é muito fácil deixar as driças, amantilhos e a fiação, no lado de fora, especialmente com estes novos cabos sintéticos pré-esticados que substituem os cabos de aço, com o uso de moitões de pequenos diâmetros. Estes moitões se alinham com a carga e não oferecem o desgate que as polias fixas sofrem. Para evitar que as driças fiquem batendo no mastro, basta colocar guias na base das cruzetas.

 

Os encaixes dos estais e ovéns, podem ser selados de forma simples para pequenas imersões e combinado com uma cobertura mais rígida de selante. Um furo para drenagem de água pode ser feito na base do mastro de maneira a esgotar qualquer água de chuva que por ventura venha entrar no mastro. (Nota do tradutor: Existem alguns mastros que já são preenchidos com PU).

 

Para imersões mais profundas em uma capotada mais séria, os stais e ovens devem ser bem resistentes, e as selagens devem ser feitas com calafetagem completa para impedir a entrada da água. Isto não é difícil de fazer, porém adicionaria peso onde se deveria ter o menos possível.

 

Uma vantagem significativa de ter as driças e os conduites de fiação externos é a facilidade com que podem ser acessados para manutenção. Recolocar uma adriça, não será mais um problema, nem desenrolar um enroscamento, e nada de “bang bangs” quando velejando em águas calmas ou balançando em uma calmaria. A selagem também mantém fora a umidade, o sal e a sujeira, ou seja, diminui consideravelmente as chances de corrosão e falhas dentro do mastro.

 

Um barco com mastro selado é menos dependente do seu lastro para impedir uma capotada completa. Mastros selados também podem ser considerados como dispositivos de segurança para barcos com quilhas lastreadas retráteis, móveis ou que sofrem grande estresse.  A perda de um lastro é rara o suficiente para que seja levada em consideração em um projeto, porém qualquer veleiro pode capotar por ação do vento, ou ser rolado por ondas em quebração. Os barcos cruzeiros fazem a maioria das suas velejadas sem pressa e a favor do vento, assim, um pouquinho mais de peso no barco, devido a selagem do mastro, não deveria nem ser levado em consideração.

 

Projetado para endireitar-se

 

Um mastro selado é logicamente a alternativa óbvia para uma pronta recuperação em uma capotada.  A curva vermelha na figura abaixo, mostra o GZ do Everest Horizontal, com um mastro normal; A curva azul é para o mastro selado. O ângulo de estabilidade neutra (ângulo no qual o momento de endireitamento é zero) é de cerca de 160 graus, com uma pequeníssima área de estabilidade negativa. Qualquer ondinha retornaria o barco para a zona de estabilidade positiva, e o barco se endireitaria novamente. Notar que este gráfico foi plotado para com os tanques de lastro de água, vazios. Velejando com o lastro d`água cheio, o barco não teria nenhuma região de estabilidade negativa, ele apenas rodaria por completo e voltaria a se endireitar.

 

Inicialmente eu fiquei até surpreso em saber que o Everest Horizontal só ficou um minuto e meio sem capotar por completo quando perdeu a quilha lastreada. O que aconteceu foi o seguinte: Quando o barco ultrapassou o ângulo de adernamento de 90 graus, o lastro móvel d'água, inicialmente a barlavento, ficaria bem alto a sotavento, tendendo a contrabalançar a flutuabilidade do mastro. Além disto, o vento e as ondas estavam empurrando o barco a sotavento, com as velas submersas agindo como hidroplanos, empurrando mais ainda a mastreação para baixo. Aqui entre nós, meus cálculos sugerem que se as válvulas de transferência de lastro tivessem sido abertas, permitindo que o lastro móvel de água trocasse de lado, o barco ficaria emborcado apenas sobre o costado, indefinidamente.

 

 

Gentilmente traduzido e enviado ao popa.com.br pelo Comandante João Carlos Jungmann, Recife

 

 

[popa]
Contraponto
: o fabricante de mastros Niels Rump, da Farol Náutico, Porto Alegre, informa que os barcos devem ser construídos para voltar à posição normal mesmo com o mastro cheio d'água (momento adrissante calculado para o mastro cheio). Na dúvida se a recomendação do Niels foi levada em conta no projeto do seu barco, considere o artigo enviado pelo Cmte João Carlos Jungmann.