O Reino de Tonga
Arquipélago Vava'u

Carlos Altmayer Gonçalves Manotaço

10/Agosto/2005 – há muito planejada, a viagem a TONGA estava em andamento. De avião, seguimos até Buenos Aires, dali a Auckland-NZ, Nuku’alofa-Tonga e finalmente Neiafu-Vava’u. Total de 19 horas de vôo. Lá nos esperava “ZUBEN”, um Beneteau 443 com apenas dois meses de uso, integrante da flotilha da Moorings. A tripulação: Molecão’s, Maragato’s e Barba Negra’s.

Dados sobre TONGA
O reino de TONGA, situado no coração do Pacífico Sul, é a mais velha e última monarquia remanescente, de origem polinésia. Nunca esteve sob comando estrangeiro. Uma nação de fortes costumes morais e cristãos, onde se respeita o domingo como um dia sagrado e dedicado à família. Não se pratica esportes, natação, pesca, festas, etc. , aos domingos. Os visitantes são alertados a não perturbarem este costume. Ocupa uma área de oceano de 700.000km quadrados, enquanto que a área de terra atinge apenas 691km quadrados, espalhados em 171 ilhas. A moeda local chama-se “pa’anga” e vale cerca de 0,5 dólares americanos. A língua falada e escrita é o “TONGAN” (tonganês ?).

Sua Majestade, o rei Taufa’ahau Tupou IV, com 87 anos, filho da falecida rainha Salote Tupou III, governa desde 1.965. Quando de nossa passagem por Tonga, a população estava em clima de revolta, exigindo maior distribuição de renda para os pobres, que são a maioria.

Descobertas por James Cook em 1.777, as ilhas foram batizadas pelo desbravador inglês de “Friendly Islands” (Ilhas Amistosas), pelo comportamento de seu povo para com os ingleses. Curioso fato ocorreu então; Cook permaneceu dois meses em Tonga (o arquipélago mais ao Sul, aliás, Tonga significa Sul). Quando o rei disse-lhe que ia fazer uma visita a Vava’u, que ficava a dois dias de viagem de canoa para o NE, Cook imediatamente expressou sua vontade de acompanha-lo com o “Discovery” e o “Resolution”. O rei apressou-se a desestimula-lo de tal empresa, alegando que eram águas rasas e que não havia abrigo próprio para seus navios.

Foi a maior mentira que alguém poderia ter aplicado. Vava’u é considerado o melhor porto de todo o Pacífico Sul. Cook aceitou a opinião do rei e deixou de conhecer este belo local. O primeiro europeu a visitar Vava’u foi o espanhol Francisco Mourelle, em 1.781, apenas quatro anos após a visita de Cook. Este nunca soube do trote que lhe foi aplicado, já que foi assassinado pelos nativos do Hawaii, em fevereiro de 1.779.

O arquipélago de Vava’u é constituído pela ilha principal, Vava’u, e mais 50 ilhas menores. A profundidade entre elas varia de 30 a 100 metros. Este arquipélago ocupa uma área de aproximadamente 12 x 12 milhas. O local é escolhido pelas baleias corcundas (humpback) para procriarem. Nos 9 dias de nossa estadia, vimos baleias todos os dias, até 4 grupos de 3 a 4 indivíduos cada, em um dia. São dóceis e pode-se aproximar delas com cuidado. Nas instruções preliminares, na base da Moorings, foi-nos dada orientação sobre como proceder com elas, além de receber uma lista de não/sim sobre as mesmas, que teve de ser assinada pelo comandante. Há um forte esquema de proteção ao bem estar das baleias, que não vimos ser desrespeitado pelos inúmeros barcos que ali navegam.


Coordenadas de Vava’u – Neiafu S 18º 38’ W 174º 00’

A bordo do “ZUBEN” - Sábado, 13 de agosto de 2005
Chegamos à base da Moorings , na cidade de Neiafu, ilha de Vava’u, às 16 horas. Durante duas horas ficamos ocupados com o “briefing”, quando nos passaram informações úteis sobre a região e logo após, revisamos o funcionamento básico do barco, assim como verificamos a lista dos equipamentos de bordo.

Zarpamos da doca ao cair da tarde, indo pegar uma das poitas disponíveis, para passarmos a noite ali mesmo. A enseada é um porto espetacular, rodeado de terras relativamente altas em 360º. Jantamos, saladas, pão, etc. aproveitando para ir conhecendo o local da estiva do rancho e funcionamento do barco. Deitamos cedo, ainda sob efeito da diferença do fuso horário (8 HORAS).

A partir do dia seguinte, demos ótimas velejadas entre as ilhas que compõem este arquipélago. Velejávamos um pouco pela manhã, buscando fundear para o almoço, em algum local que permitisse descer, bem como nadar e fazer “snorkel”. As opções eram muitas.

Dávamos outra velejada à tarde, buscando um fundeio para a noite. A carta que a Moorings nos forneceu, tem 42 pontos indicados para fundeio. Os que são assinalados com âncora pequena, servem para fundeio diurno; aqueles que tem âncora grande, são os indicados para pernoite. Todos os dias, entre 4 e 6 da tarde, entravamos em contato com a base, via VHF, avisando o ponto escolhido para passar a noite.

Cuidados com o meio ambiente
Passamos nove dias nesta rotina, tendo ido duas vezes até a base para desembarcar o lixo, recarregar água e fazer algum reforço no rancho. Não há ponto de coleta de lixo nas demais ilhas, mesmo as habitadas, que são poucas. O saco de lixo tem instruções sobre separação de lixo orgânico e reciclável.

Os vasos sanitários descarregam num tanque, que tem 50 l de capacidade. Cada vaso tem seu tanque. Se o tanque lota, começa a sair pelo tubo de ventilação. A cada três dias, saíamos das águas abrigadas, dando uma volta no oceano para abrir a válvula de esvaziamento do tanque e limpeza do mesmo, através da bomba do vaso, circulando água limpa. O barco tem os bocais de sucção, para esvaziar os tanques; porém a base não possui o sugador, nem a ilha tem local para tratar dejetos desta natureza.

LUAU , com chuva
Dia 19 era a lua cheia, agendamos uma “Tongan feast” a ser realizado na ilha Pangaimotu. Tivemos a companhia duma família francesa, o casal e 4 filhos, do barco “Blue Planet”.

Pena que o tempo não ajudou, estava encoberto, com chuviscos esparsos.
O local era na beira da praia, sob coqueiros. Havia um barraco coberto de folhas de coqueiro, chão de coral moído, onde estava armada uma mesa para a refeição. Parte desta foi assada no tradicional estilo da polinésia.

O fogão é um buraco no chão, onde foi feito um fogo à tarde, para aquecer pedras. Depois do fogo apagado, coloca-se as pedras quentes no fundo do buraco e a comida, envolta em folhas de bananeira, sobre estas. Mais uma camada de folhas, outra de pedras e mais uma cobertura de coral moído (que nós temos o hábito de chamar de areia). Assistimos ao processo de abrir o fogão, que foi muito interessante.

As comidas preparadas no tal forno era muitas, identificamos algumas: peixe, porco, taro (tipo de aipim), algas, repolho. Havia outras coisas servidas à mesa, de difícil identificação. Entre as cruas, ostras, frutas como: melancia, mamão, banana, manga e coco. As comidas assadas em geral levam leite de coco em seu preparo. Havia também a gamela da KAVA, que é uma bebida alcoólica, feita pela fermentação do taro. É semelhante ao nosso cauim.
Tivemos apresentação de danças e músicas típicas, participaram crianças, jovens e adultos. Foi muito bonito.
Devido ao isolamento que este povo viveu até bem pouco tempo, a cultura dos costumes antigos ainda está preservada a nível da população.

Outra tradição de Tonga, é a fabricação de “tapas”, que são tecidos feitos a partir de casca de árvores. Depois de pronto o tecido, que tem uma coloração amarelada, fazem sobre este, pinturas com tinta preta e marrom. São trabalhos muito bonitos. São vendidos por todos os lados. As “meninas” compraram alguns nas ilhas, diretamente das produtoras, e outros no mercado de Neiafu.

 

“TA’OVALA” , a gravata de Tonga
Entre os costumes de Tonga, está a ta’ovala, que é uma esteira que eles usam enrolada ao redor do corpo, atada na cintura. Vai do meio da barriga até os joelhos. Algumas são muito enfeitadas, outras bem simples. São mantidas na família, passando de geração em geração, sendo algumas bem surradas. Estas são as mais valorizadas socialmente. Dizem que equivale à nossa gravata . Não esperávamos vê-las em uso, porém, fomos surpreendidos ao verificar que boa parte da população mantém o uso da ta’ovala.

Outra tradição é colocarem ornamentos sobre as tumbas, são panos quadrados, com desenhos, flores, os nomes dos falecidos e outras mensagens, que por estarem escritas em tonganês, não pudemos identificar.

 

The Friendly Islands
O nome dado por Cook às ilhas, em 1777, caberia hoje também. A população é toda amistosa, sorridente, cantam muito, jamais vimos alguma demonstração de mau humor.
Reparamos que as pessoas sempre se cumprimentam, quando se cruzam na rua ou noutro lugar qualquer. Expressam uma alegria verdadeira.

Outro aspecto interesante, é o tamanho das pessoas, são enormes. A aeromoça oferece extensão para o cinto de segurança, como quem oferece jornal, no início do vôo.
Estima-se que morem na Nova Zelândia, cerca de 50 mil “tonganeses”, um terço da população total. Os jovens, de tamanho avantajado, são muito cobiçados pelos times de futebol americano, que é o esporte predileto dos Kiwis (como se autodenominam os neozelandeses). Em segundo lugar é a vela.

Nossa estadia não poderia ter sido mais prazerosa. O local é ideal para velejadas despretensiosas e relaxantes, durante os 9 dias que ali estivemos, a água não respingou no convés. O barco, muito bem equipado, simples de operar, era só satisfação. Tinha uma churrasqueira a gás, que armava-se no cockpit, à popa. Nela, assamos peixes, “stakes”, batatas e cebolas, aos finais de tarde.

O uniforme
A outra vez que fizemos um passeio como este, foi em 2002, no Tahiti. Naquela ocasião levamos camisetas com as cores do Brasil, que abundavam no comércio, por ser ano da Copa. Foram muito apreciadas pelos nativos, pois o Brasil é um país querido por muitos. Deixamos a maioria delas, de presente às pessoas que encontramos ao longo da viagem.

Este ano tivemos dificuldade em encontrar camisetas verde amarelas, que não fossem imitação das usadas por jogadores de futebol. Certo dia, fui ao correio e vi que o funcionário vestia uma camiseta verde, com um coração amarelo e azul no peito. Quem sabe? Moema estava encarregada desta parte. Após vários contatos com o departamento de divulgação dos Correios, foi aprovada a doação de 15 camisetas ao grupo de velejadores. A intenção era divulgar o país. As camisetas fizeram sucesso, várias ficaram por lá, como recordação nossa a pessoas queridas com quem confraternizamos. Fica o nosso agradecimento aos Correios pela gentileza do patrocínio das camisetas.

O barco
“Zuben” é um Beneteau 43’, da série Cyclades. Possui três cabines, cada uma com seu banheiro . Uma na proa e duas na popa. No salão, cozinha a BB, dinette e mesa de navegação a BE. Calado de 1,9m, duas rodas de leme, mesa no cockpit, muito espaçoso. O conjunto bimini / doghouse tem uma concepção diversa da que estamos habituados a ver, muito prática. Melhor que descreve-lo é mostrar em foto.

Bimini sustentado pelo arco dianteiro e estais de popa. O doghouse fixa-se ao arco de sustentação.

O mastro é apoiado na cabine, fuzis fixos no costado, fracionado tipo 9/10. A vela grande é generosa, com duas forras de rizo, não usa traveller, apenas dois moitões sobre a cabine. A vela de proa é uma buja 105%, muito fácil de manejar em viradas de bordo. Com 700 l d’água e 400 l de diesel, garante uma autonomia suficiente para o uso proposto.
Deslocamento leve, apenas 9 toneladas com água e óleo, garantem um bom desempenho a vela, além de tornar as manobras mais fáceis. No contravento atingíamos 6 nós e nos folgados 7,5 nós, em ventos de 10 a 15 nós. Barco ágil, prazeroso de velejar. Motor Yanmar de 4 cilindros, 54 hp, atinge 8 nós a 3 mil rpm.

A linha Cyclades, é a nova linha da Beneteau destinada a barcos de charter e privados. Nela estão empregados os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos de trabalho do renomado estaleiro francês. O objetivo desta série, que o 43’ é o primeiro, é ser simples de construir e de velejar, sem comprometer a qualidade e segurança do produto. Para isto, a Beneteau construiu uma fábrica nova, que quando a plena força, terá capacidade de produzir 1.000 barcos por ano, de 4 tamanhos.

“Zuben” veio da França para Auckland de navio, em maio/2005. Após, velejou 1.200 milhas até Vava’u, aonde chegou em 10 de junho/2005, dois meses antes de nosso charter.

Porque TONGA?
A escolha de Tonga foi devida ao fato de ser um local onde as tradições culturais ainda permanecem em uso. O turismo de massa inexiste, em terra há poucos hotéis, todos muito precários. É o destino preferido dos velejadores da Nova Zelândia, para os meses de inverno, bem como dos “live-aboard” que circulam pelo Pacífico. Tivemos a recomendação de visitar Tonga, por uma velejadora franco-portuguesa, Dominique, que conhecemos no Tahiti. A partir de sua sugestão, buscamos informações sobre os aspectos diversos que nos interessavam (condições para velejar, cultura, disponibilidade de barco de aluguel, custos, vôos, etc...).

Não nos arrependemos da escolha. Valeu a pena o trabalho de pesquisa, reservas, e-mails para lá e para cá, acertar as datas convenientes para todos, etc...
Ficará na nossa lembrança, como um lugar maravilhoso onde vale a pena retornar.

 

Na carta a seguir, estão assinalados, com um “rabo de baleia”, os locais onde as avistamos.

 


Porto Alegre, 02 de setembro de 2.005

Carlos Altmayer Gonçalves


 

06 Set 05 Visentini
Maravilhosa reportagem. Meus parabéns. Sinto inveja. Os paraísos existem e estão aqui na terra mesmo. Um abraço bem chinchado a todos os participantes deste feito.
G. V. Visentini

14 Set 05 JATCampello CDJ Aventura
Muito bem descrito, arquipélago paradisíaco, exótico e encantador. Mais uma experiência ímpar que transvaza as janelas do Popa. Quero prestar minhas saudações aos autores pelo prazer desfrustado.
Abraços e muito boas descobertas, sempre.
Campello

 

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