Navegando de Porto Alegre a Palmares do Sul
20~22/Abr/2003
Diário de Bordo

Em 20 de abril de 2003, domingo de Páscoa, desatracamos o Phantasy (um O'Day 23) do Veleiros do Sul às 9:30h, e seguimos em direção à Lagoa dos Patos, com destino a Palmares do Sul, uma pequena cidade a 57 milhas (105km) à leste de P. Alegre. O acesso à cidade se dá pelo Rio Palmares, cuja foz está na Lagoa do Casamento. Esta lagoa é facilmente confundida com a Lagoa dos Patos com quem se comunica.

Na véspera o vento oeste havia castigado com 25 a 30 nós, mas a previsão era de pouco vento para o dia e para os próximos 2 seguintes, quando entraria frente sul.


A Lagoa do Casamento

A Lagoa do Casamento situa-se em região despopulada. A água estava bem clara e tinha um tom verde claro, muito bonito. Não vimos "sinais de civilização" nas águas. A paisagem apreciada é algo monótona, com poucas e baixas elevações nas margens.

A baixa profundidade de algumas passagens obrigatórias limita o tráfego a embarcações de baixo calado (em torno de 1 a 1,20m).
O nível da lagoa é muito sensível ao vento, podendo variar mais de 1 metro em um dia, segundo informação de pescadores.
Os meses frios, com a água mais alta, são mais indicados para a navegação naquelas bandas.

Os atrativos visuais da rota escolhida não foram significativos, com rara e bela exceção adiante relatada. Os horizontes apresentaram-se com vegetação nativa de pequeno ou médio porte. É total a ausência de civilização pelo caminho, o que enfim pode ser um atrativo.

Nossa navegada foi de duração extremamente curta para o potencial que a Lagoa do Casamento tem a oferecer aos velejadores. Nosso objetivo era conhecer o caminho para Palmares, deixando-se de visitar a maioria dos pontos de atração da lagoa. A julgar pelo que se ouve de quem já explorou a Lagoa do Casamento, pelo menos uma semana deve ser reservada para conhecê-la. São 18 milhas de norte a sul, e 12 de leste a oeste.

Os riscos da empreitada podem ser ditos como sendo a navegação de alguns trechos de 10 ou mais milhas sem abrigo, e chances de encalhe acima do comum. Em caso de emergência, as possibilidades de recursos de terceiros na região são pequenas. O VHF "não alcança" os clubes (nem mesmo o CNItapuã) e o celular não tem sinal em boa extensão da Lagoa do Casamento.


De vento em popa, de P. Alegre à Ponta do Anastácio (44 milhas)

Na ida, um vento N~NO de 15 a 20nós nos fez desenvolver 7,3nós (GPS) com a ajuda do balão, até a Lagoa dos Patos. Ao passarmos pelo Farol de Itapuã às 14h, as rajadas e a mudança na direção do vento fizeram um sutien no balão. No caça aqui e folga lá, uma cupilha mal humorada rasgou um pouco o fino tecido do pano. Encapar as cupilhas foi uma lição aprendida (fita de autofusão funciona bem).

Haviam muitos veleiros no Guaíba, a maioria já voltando depois da pauleira de 30 nós de Oeste, na véspera.

Para uma previsão meteorológica sem ventos, a velejada estava excelente: logo na entrada da Lagoa dos Patos, rumamos para a Ponta das Desertas (S30º 26,64' W50º53,82'), em asa de pomba, a 6 nós, no rumo 123º indicado pelo Knippling, mantendo-nos longe da praia por uns 200m.
Aliás, saliento que o livro dele é muito interessante. Rico em detalhes, apresenta informações que tranqüilizam a navegada. São rumos, cartas detalhadas, fotos aéreas, locais de abrigo para o vento daqui e de lá, tudo na linguagem do velejador. Eu diria que não é um livro feito para o autor ganhar dinheiro, mas sim pelo gosto de passar a informação aos outros. A qualidade da impressão do livro é também muito boa - chega a dar pena de levá-lo para o barco.

Além do livro tínhamos a carta da Marinha e a da Maptech. Tínhamos também a carta do Portinho, publicada faz tempo no popa.com.br, com informações valiosas da região. Tínhamos ainda informações importantes e de última hora fornecidas pela Christina Silveiro e pelo Adriano Machado, ambos velejadores com boa experiência na região. A Tina estava um pouco adiante de nós, também rumo a Palmares, enquanto que o Adriano (Bruce Roberts "Passatempo") passou por nós, já de volta, nas Desertas.

Na imagem à esquerda, gaivotas sobrevoam barco de pescadores ao largo das Desertas, em busca de peixe. À direita, o Maquiavel e o Veneza voltando da Lagoa do Casamento.

Na Ponta das Desertas o vento diminuiu bastante. Logo a cruzamos perpendicularmente em direção ao waypoint sugerido pelo autor navegador: S30º 26,43' W50º53,58'. Chegamos motorando na Ponta do Anastácio (S30º 21,61' W50º43,47') ao pôr-do-sol, já sem vento. Às 18:15h estávamos fundeando com pouca luz junto à ilhota do Canal do Furado, um abrigo que só não funciona para ventos do norte.





As águas estavam altas, talvez apenas uns 40cm abaixo das marcas da última subida da lagoa. Sabendo disso previamente, ignoramos a recomendação de aproximação pela P. do Anastácio, rumando diretamente à entrada do canal, sem problemas. No entanto, dois outros O'Day23, o Maquiavel e o Veneza, enfrentaram problemas na ida, em orça com muita onda, batendo com o leme no fundo (nas cavas) ao cruzar a Ponta das Desertas. Aí vem eles, com pinta de quem vai pro Pólo Sul...



Comitê de boas-vindas

Havíamos deixado para trás os Morros de Itapuã e os víamos de um ângulo novo, de leste para oeste.

Os mosquiteiros do barco ainda eram pedaços de filó e cordões de chumbo dentro de uma sacola à bordo. Adiei demais para levar isso à uma costureira fazer as bainhas. Havíamos chegado bem no horário nobre dos mosquitos. Era um dia quente.
Nunca vi tantos juntos. Verdadeiras nuvens. Interessante observar que as picadas não eram doloridas nem deixaram marcas. Mosquitos light. Fechamos a cabine e improvisamos com fita adesiva. Uma meia hora mais tarde, já com o mosquiteiro armado, não havia mais mosquito algum, a não ser dentro da cabine.

Não havia também sinal para o celular. Pelo rádio, mandamos notícias para casa através do Alexandre "Nirak" Gadret (CDJ) que estava mais próximo da civilização e nos fez esta gentileza. Muito legal poder contar com ajuda de velejadores assim, mesmo sendo desconhecidos como era o caso.

Preparamos um bacalhau à Gomes de Sá, regado com um tinto chileno muy bueno. Jantamos no cockpit e ficamos charlando até tarde.

Nenhum de nós é cozinheiro que preste, mas até que nos saímos muito bem. Eu forneci o projeto, e o Dieter a execução. Repassando a receita:

Bacalhau à Gomes de Sá
(versão naval)

1. Compre bacalhau já desfiado, batata, cebola, tomate, azeite de oliva, azeitonas recheadas e um bom vinho.

2. Quando levar as tralhas da navegada para o barco, na véspera da partida, coloque o bacalhau na panela e complete com água da torneira do trapiche. Deixe-a num canto do cockpit.

3. Uma hora depois, quando as costas começarem a doer de tanto ficar curvado ajeitando os tarecos dentro da cabine, troque a água, e amarre a tampa da panela nas alças.

4. Esta panela vai ficar num canto do cockpit até a hora do jantar. Nem pense em guardá-la em outro local. Se a panela virar n'uma orça, este bacalhau será lembrado por muito tempo...

5. Somente quando a fome apertar dê início aos trabalhos, abrindo uma garrafa de um bom tinto. Deixe um gole n'água pra Netuno, e comece a função, bebendo. Estes dois detalhes são muito importantes para a correta apreciação do jantar dali a uma meia hora: a fome e aquela 'tremurinha' do vinho.

6. Corte as batatas, tomates e cebolas em fatias. A quantidade? Depende do tamanho da panela... Jogue as cascas de batata n'água e veja os peixes em ação, como as piranhas do Rio Paraguai. É uma recompensa por estar descascando batatas. Idem quanto às cebolas.

7. Despeje na lagoa a água da panela com o bacalhau, e observe os peixes liquidando aquela boa parte do jantar que partiu com ela.

8. Coloque o que restou de bacalhau sobre um prato, provisoriamente.

9. Cubra o fundo da panela com azeite de oliva. Menos pra quem não gosta muito disso.

10. Faça uma camada no fundo da panela com as fatias da cebola. Faça outra logo acima com tomate. Mais uma com as rodelas de batatas. Agora faça uma com o bacalhau.

11. Se ainda sobrar altura na panela, vá fazendo outras camadas, alternando. Essa parte da receita fica por sua conta. Assim você poderá dizer que seguiu mais ou menos a receita, dando um toque seu. Isso dá prestígio na hora de prozear no bar do clube, na volta. A camada mais de cima deverá ser de batatas.

12. Coloque um pouco de água sobre tudo isso. Se botar demais, vai vazar da panela enquanto estiver cozinhando dentro da sua cabine. Se de menos, as batatas de cima vão ficar duras ou vai demorar demais pra cozinhar.

13. Vá botando azeitonas recheadas com pimentão entre uma camada e outra. As azeitonas servem também como aperitivo.

14. Bote sal também, mas lembre-se de que o bacalhau pode estar ainda um pouco salgado e que as azeitonas também o são.

15. Acenda o fogão. Se falhar, verifique se a válvula do bujão está aberta, e tenha paciência para o gás chegar. Se ainda assim não funcionar, é melhor se dar conta de que esqueceu de comprar gás.

16. Não tem essa de ficar mexendo a panela. Em vez disso, abra outra garrafa de vinho. Funciona melhor.

17. Quando achar que já está pronto (e pela fome isso ocorrerá bem antes da hora, com certeza), espete as batatas de cima com um garfo - por isso a última camada deve ser de batatas. Se o garfo entrar fácil ou se as ditas começarem a se quebrar, chegou a hora!

18. O jantar estará pronto em algo como 15 minutos de fogo, por aí.



Ora direis, ver estrelas n'água

Nos três dias da nossa navegada tivemos sol forte para a época e uma temperatura muito agradável à noite. O tempo todo com pouquíssima nebulosidade. A lua ainda estava quase cheia. À esquerda, a lua que o Hoffman do veleiro Maquiavel viu na Lagoa do Casamento uns dias antes. Nós a vimos já um pouco deformada, querendo minguar.

Da completa escuridão logo depois que chegamos, passamos a ver um clarão grande e fraco a oeste dali. Era Porto Alegre, a uns 80km em linha reta. Algum tempo depois o céu começou a clarear, mas ainda não se via a lua. Logo mais surgiu o clarão forte dela por detrás do mato, bem ao nosso lado. Finalmente apareceu, poderosa.

Aos 51 anos eu nunca havia visto reflexo de estrelas n'água. A noite estava absolutamente quieta e o silêncio era quebrado apenas pelo som de alguns pássaros que lá de vez em quando se manifestavam.

Pois eu vi aquelas águas repletas de estrelas... Foi uma belíssima imagem. A que mais apreciei ver nesta navegada. Por si só, valeu por toda a empreitada.

Contei isso ao Aldo Tedesco, na volta. De troco, recebi 'uns baita' versos do grande poeta espanhol Antonio Machado, que aí vão por nós traduzidos e ajeitados, bem por cima do lugar onde se esconderam as estrelas na hora de bater esta foto.



Atalhando para Palmares

A Segunda-feira, feriado, amanheceu bonita. Acordamos tarde e esquentamos a água para o mate, sem pressa, esperando pelo vento.
Aproveitamos para dar um jeito no interior do barco e no convés.
Quando o vento entrou, suspendemos e tomamos o rumo nordeste pelo largo Canal do Furado, com umas 2 milhas de extensão.

Na saída do canal, um nordeste legal de uns 15 nós nos esperava (já na Lagoa do Casamento). Seguir pela rota recomendada implicava em rumar para sudeste pelo Canal da Ilha Grande (veja a carta acima), e depois rumo norte, até Palmares do Sul, pela costa leste da lagoa - umas 20milhas.

 


Decidi arriscar o rumo nordeste (13 milhas) passando sobre o grande banco mapeado. A boa altura das águas e apenas meia-bolina na orça até o destino reforçaram a decisão. Bordejamos sem problemas por umas 3horas até chegarmos nas proximidades da foz do rio Palmares.



O esconde-esconde dos rios

Nosso rumo era o waypoint dos restos de um farolete próximo à foz do rio Palmares. Avistamos a torre de telefonia celular da cidade e um silo alto.

Estávamos chegando à parte mais difícil da empreitada. Quem nunca procurou pela foz de um rio estreito em uma lagoa não entende bem isso e pensa que seja tão fácil como entrar no Guaíba vindo da Lagoa dos Patos.

Como eu já catei a foz e a nascente de diversos rios nas lagoas do litoral norte do estado, sei bem como é isso. Os rios se escondem da lagoa de tal forma que pode-se levar horas para encontrar a foz. Nas cartas náuticas os rios aparecem sempre como um "fiozinho" bem nítido, saindo direto na lagoa. Parece ser uma barbada...
O rio Três Forquilhas foi o pior de todos. O canal principal sai quase paralelo à margem da Lagoa Itapeva, em meio a um juncal cerrado. Como se está a apenas uns 2 metros acima da lagoa, o ponto de vista não ajuda muito também.

Às vezes não há dúvida alguma de que se está bem na foz. Vê-se o rio da lagoa, por detrás dos juncos. Mas aquilo que parece ser o caminho, foi caminho uma vez, e agora está assoreado. Bem como nos versos do Antonio Machado aí acima. Por vezes são como várias cortinas de juncos uma atrás da outra, obrigando-nos a fazer várias curvas reversas fechadas para alcançar o rio sem encalhar.

A foz apresenta-se, via-de-regra, com meandros junto à lagoa.
Meandragem, ou seria malandragem dos rios?

Mas desta vez eu estava tranqüilo porque, além da minha experiência com isso, eu tinha a carta do Portinho, a foto aérea, do Knippling, e os waypoints que a Tina recém me passara pelo rádio. PALM1, PALM2 e PALM3. Seria mamão com mel.

Ledo engano...

Nas proximidades do farolete há um largo curso de ligação entre a Lagoa do Casamento e a Lagoa do Araçá. A foz do rio encontra-se à direita deste curso, para quem se aproxima da costa perpendicularmente.

A foz do Rio Palmares tem um canal perpendicular à praia, "para enganar", e outro, menos assoreado, oblíquo, quase paralelo à praia. Procurando pela foz do rio, já a motor, entramos em um pequeno saco que um dia deve ter sido a foz, e encalhamos de leve, saindo facilmente. Mais adiante encalhamos novamente em meio aos juncos, tentando seguir os waypoints da Tina. Içamos a mestre para adernar e assim diminuir o calado, e saímos fácil novamente.

Nisso vimos um barco de pescadores vindo da lagoa sumir-se de repente em meio aos juncos, a pleno, e a apenas uns 50m de nós. Seguimos o rumo deles (era a foz assoreada) e finalmente entramos no rio com velocidade, aí pelas 15:30h, raspando um pouco o patilhão no fundo do rio. Êta...

Com todos os documentos, aparatos e tecnologia a bordo, acabamos descobrindo o caminho pelo método mais degradante, mas mais simples: seguir desconhecidos, cegamente.

Caso não avistem pescadores entrando no Palmares, aí vão os waypoints da Tina, indicados na foto acima:
PALM1: S30º 15,278' W50º 32,606'
PALM2: S30º 15,321' W50º 32,549'
PALM3: S30º 15,411' W50º 32,449'


Bucólico, quieto e sinuoso

O rio Palmares é estreito e cheio de meandros. Havia pouca correnteza. Logo após a foz há uma bifurcação: seguindo-se à esquerda vai-se para a Lagoa do Firoca. Seguimos pela direita, subindo o rio lentamente para poder apreciar a paisagem.

O silêncio no rio era quebrado volta e meia por um barco passando. A grande maioria é de pesqueiros doble-proa como o da filha do seu Teixeira, aí ao lado..

 

 







Há vários trapiches rio acima e muitos barcos de pescadores. Ainda assim, no folheto recebido, a pesca não consta como uma atividade econômica do município.

 

 

 

 

 

 

A poucas milhas rio acima está o velho trapiche do seu Teixeira, onde atracamos.
O Forest, com a Tina e o Nando, haviam atracado poucas horas antes.

Seu Teixeira é um homem simples, já de idade, e mora quase à beira do rio. Hospitaleiro, ofereceu-nos extensão para energia elétrica e banho quente, logo de chegada. Depois acompanhou o Dieter até a "venda" para comprar verduras e peixe para a janta.

 

As fitas adesivas se descolaram do mosquiteiro com o sereno da noite anterior. Refizemos as "bainhas".
Na ponta do trapiche, bem ao nosso lado, um cachorro velho montava guarda.
Foi um dia de muito sol. Jantamos violinhas com legumes e vinho tinto, indo dormir às 21h desta segunda-feira, 21 de abril. Que coisa!... (horário de criança ir pra cama).

 

 

 


Mudança de planos

Madrugamos na terça-feira. A Tina soube que no dia seguinte entraria mesmo uma frente do sul. Permanecer ali significaria, pelo menos, mais 3 dias em Palmares.

Decidimos assim voltar a Porto Alegre do que ficar por lá esperando a passagem da frente. Com o sul na cara seria uma volta desagradável.

Às 9h desatracamos com destino à Praia do Sítio (Parque de Itapuã, município de Viamão) onde pretendíamos passar a noite. Tínhamos 40litros de gasolina, céu limpo e aquele solaço.

O vento? Ainda não havia se anunciado. E não se anunciou o dia todo, em contraponto aos ventos tão favoráveis da vinda. Veja como o rio estava espelhado, aí à direita.

Saímos do rio seguindo os waypoints que a Tina havia marcado na véspera. Desta vez foi fácil.

 

 


A longa motorada da volta

Continuamos motorando lagoa afora a 6 nós, sem imaginar que seria assim pelas próximas 12horas. A brisa suave rondava de três-quartos à popa, mal enfunando os panos.

Uma hora e meia depois chegamos ao Canal do Furado e em seguida saímos da Lagoa do Casamento, no rumo da Ponta das Desertas.

Quase 2h mais tarde cruzamos a Ponta das Desertas em navegada monótona e barulhenta com o piloto automático dando conta do recado. Veja o longo rastro da motorada, à direita.

Naquele solaço e com a água verde claro, o Dieter resolveu se refrescar. Caiu n'água com a bóia salva-vidas e veio no reboque a uns 2 nós por algum tempo.

 

 

 

 

 


Praia do Tigre

Ainda com as Desertas no través, propuz uma parada na Praia do Tigre para quebrarmos a monotonia da motorada.

É uma prainha bem pequena mas muito bonita, com rochas nas duas extremidades.

Há uns 200m da praia, já corrigindo o rumo para o fundeio, o motor parou por falta de gasolina, como já vínhamos esperando ocorrer.

Eram quase 15:30h. Havíamos navegado 30NM durante 6,5h com 20l de gasolina a 5,3 nós na maior parte do trecho (parada p/banho e trechos a menor velocidade mascaram a velocidade média calculada). Veja tabela de consumo mais abaixo.

 

 

Dali a 15 minutos fundeamos com água pela virilha. O cabo da âncora nem esticou durante a meia hora em que estivemos por ali, tal a falta de vento.

A Praia do Tigre faz parte do Parque de Itapuã e o desembarque (não o fundeio) é proibido.

É uma pena impedir que velejadores que vêm carregando seu lixo por onde andam, sejam impedidos de acessar locais assim, em nome da proteção ambiental. A extrapolação da conduta do cidadão despreocupado com o meio-ambiente é um equívoco.


Nova mudança de planos: dormir em casa

Na continuação da navegada cruzamos pelo Farol de Itapuã e novamente alteramos os planos, decidindo dormir nas nossas casas.

Traçamos um rumo único do farol à Ponta Grossa, passando sobre o banco ao largo da Ponta Escura.
Se algum dia eu trocar o Phantasy por um barco de maior calado, vou sentir falta destas barbadas que ele me oferece...

Logo veio o pôr-do-sol.

 

 

Havia sempre uma brisa do leste que mantinha os panos enfunados, mas o motor continuava roncando. A uns 100m antes da Ponta Grossa, já à noite, com o piloto automático operando e naquela monotonia, uma rajada mais forte de leste nos surpreendeu fazendo o barco entrar no vento. Um pouco mais adiante, junto às pedras, isso poderia ter sido complicado.

Na Ponta da Serraria o vento começou a soprar a uns 15 nós. Desligamos o motor e mantivemos 6 nós até a Ponta dos Cachimbos. Dali em diante, ronco de novo. Chegamos ao Veleiros do Sul às 21:00h, depois de 12 horas de navegada, tendo navegado 57milhas náuticas (105km) naquele dia.



Tabulando Informações

Local
Data/Horário
Dist. aproxim. do Trecho (MN)
Velocidade
Máx.(nós)
Panos
Vento
Observações
P. Alegre
20 - 9:30
0
0
G1
N~NO 10'
Partida
Farol de Itapuã
20 - 14:00
24
7.3
Balão
N~NO 15'
Popa ou 3/4
Ponta do Anastácio
20 - 18:15
20
6
G1
N~NO 15'
Asa Pomba
Ponta do Anastácio
21 - 11:00
0
0
motor
NE 15'
Pernoite/Partida
Norte da I. do Furado
21 - 11:30
2
6
motor
NE 15'
Travessia do canal
Foz do Rio Palmares
21 - 16:00
9
6
G1
NE 15'
Travessia L. Casam.
Trapiche do Teixeira
21 - 16:30
2
6
motor
-
Rio acima
Trapiche do Teixeira
22 - 09:00
0
0
motor
-
Pernoite/Partida
Sul da I. do Furado
22 - 11:30
10
6
motor
-
Travessia L. Casam.
Ponta das Desertas
22 - 13:45
13
6
motor
-
Trechinho a 2'
Praia do Tigre
22 - 15:30
8
6
motor
-
Parada 15min reab
Praia do Tigre
22 - 16:00
0
0
motor
-
Suspend praia
Veleiros do Sul
22 - 21:00
26
6
motor
-
trechinho a pano

 

Dados de consumo de motor de popa Evinrude 15HP em O'Day 23
navegando 30 milhas por 6,5 horas, abastecido com gasolina comum.
Obs.: A média calculada para estes dados é de 4,5', mas desconsidere esse valor porque houve paradas e velocidade bem reduzida em alguns trechos.
Na maior parte da navegada a velocidade
lida no GPS foi de 5,3 nós.
1,5 milha náutica/litro
3 litros/hora
Tanque de 20litros = 30 milhas = 6,5 horas
Obs.: Estranhei o alto consumo desse motor. Vou checar para ver se isso é normal!

 

Acrescentado a este diário em Ago 03:

Olá Danilo;

É exatamente onde v. colocou em sua resposta que é nosso local de descanso, entre as Desertas e o Pontal do Abreu, e como bem observado um local maravilhoso e de aguas despoluídas. Notei em seu diário uma preocupação quanto a falta de comunicação na região, um fato preocupante aos navegadores, pois vai aí uma relação de companheiros que estão frequentemente em QAP no VHF pela area:

*PRAIA DA VARZINHA - CANAL 70 - SOLICITAR CONDOMINIO ESMERALDA
*PRAIA DA VARZINHA - CANAL 16, 68 ou 70 - SOLICITAR MEDINA, PROF. JORGE, ALAIR
*COSTA DO OUVEIRO - CANAL 16 ou 70 - SOLICITAR LECO
*PALMARES DO SUL - CANAL 16 - SOLICITAR PAULO (BARCO ARUANÃ)

UM ABRAÇO,

CESAR MEDINA



"Estamos encalhando essa encrenca!!!!!!"

O ecobatímetro funcionava intermitentemente, prejudicando informações de calado, mas em nenhuma situação houve sequer suspeita de encalhe. A não ser as duas encalhadinhas nos brejos à volta da foz do Palmares, mas ali já nem tinha água - era só umidade.

Mas minto. Por um momento achei que estávamos encalhando, sim. E v
ou contar esse mico que paguei:

Ainda não estou acostumado com a companhia do piloto automático. Estávamos terminando a travessia da Lagoa do Casamento, já na volta. O piloto vinha no comando. Foram umas 2h de total bobeira ouvindo o ronco do motor no solaço. Ao nos aproximarmos do banco ao norte do Canal do Furado, eu estava preocupado com a possibilidade de um encalhe.

Com o ecobatímetro louqueando, de vez em quando eu me levantava para tracionar o cabo da bolina (deixada um pouco arriada) para verificar a tensão. Sem tensão significaria raspando o patilhão no fundo.
Em uma dessas "sondagens" resolvi alterar o procedimento e, em vez de puxar a bolina, balancei um pouco o leme lateralmente - se estivesse raspando no fundo, estaria pesado.

Pior do que pesado, o leme estava trancado, não se mexia para os lados!!!

Ihhhh @a#$%&*!!!
Estamos encalhando essa encrenca!!!!!

Nem bem terminei de dizer os impropérios e já percebi que o "pretão" é que estava no comando. O leme não podia mesmo mexer... Consciência pesada é fogo...


Palmares do Sul

Palmares do Sul viveu seus dias mais progressistas na época em que fazia parte da rota P.Alegre-Litoral. Havia um trem dali a Osório. A cidade é pequena e o povo extremamente acolhedor.
O município tem 12.000 habitantes e, por terra, está a 86km de Porto Alegre (RS-040). A economia baseia-se na cultura do arroz, na plantação de pinus e de eucaliptos, e na pecuária.

Quando perguntei ao seu Teixeira por um taxi para buscar gasolina, Pinduca, genro dele, logo se prontificou a me levar com a sua Belina.

Com os camburões já cheios, me levou a um rápido city tour que terminou no Centro de Atendimento ao Ecoturismo, uma casa à beira do rio (Atenção: Não vá até lá, navegando: está à montante dos fios de alta tensão que cruzam o rio!). Lá fui muito bem recebido e presenteado com saquinhos de arroz e folhetos turísticos.

De volta à barranca do rio, o homem "quase brigou comigo" pela minha insistência em lhe pagar a corrida. Acabei deixando para ele um bom charuto que eu esperava fumar após o jantar, mas foi a única coisa que achei a bordo para presenteá-lo.


Garibaldi na Lagoa do Casamento


Há 164 anos, mais precisamente em Julho de 1839, Giuseppe Garibaldi subiu a Lagoa dos Patos com os Farroupilhas, vindo do Rio Camaquã, em cujas barrancas, no lugarejo Cristal, seu barco Seival foi construído.

Passando sobre o Banco das Desertas, Garibaldi atravessou a Lagoa do Casamento e, junto à foz do Rio Palmares, entrou na Lagoa do Araçá, de onde navegou até a foz do Rio Capivari. Ali camuflou o mastro, hoje exposto no Museu da Anita em Laguna, para se esconder dos Imperialistas.

Dali em diante o barco foi rebocado por bois até o Tramandaí, por cuja foz se foi ao mar para alcançar Laguna, SC, onde pegaram o inimigo de total surpresa.
Tempos depois da peleia, o Seival foi para o transporte marítimo e, mais tarde, já com a determinação do governo da Itália de reconstituí-lo, foi incendiado.


Vejam as Estrelas nas Águas da Lagoa do Casamento

Aos meus amigos velejadores que sabem o quanto e por quanto tempo namorei navegar pela Lagoa do Casamento, deixo este diário de bordo como um incentivo a explorarem esta região, ainda tão virgem.

E de tudo o que vi, o que mais desejo que vejam, são as estrelas nas águas da Lagoa do Casamento.

Danilo Chagas Ribeiro, 1º/Mai/03.


Galeria de Fotos da navegada

 

-o-