Navegando
de Porto Alegre a Palmares do Sul
20~22/Abr/2003
Diário de Bordo
Em
20 de abril de 2003, domingo de Páscoa, desatracamos o Phantasy
(um O'Day 23) do Veleiros do Sul às 9:30h, e seguimos em
direção à Lagoa dos Patos, com destino a Palmares
do Sul, uma pequena cidade a 57 milhas (105km) à leste de
P. Alegre. O acesso à cidade se dá pelo Rio Palmares,
cuja foz está na Lagoa do Casamento. Esta lagoa é
facilmente confundida com a Lagoa dos Patos com quem se comunica.
Na véspera o vento oeste havia castigado com 25 a 30 nós,
mas a previsão era de pouco vento para o dia e para os próximos
2 seguintes, quando entraria frente sul.
A
Lagoa do Casamento
A Lagoa do Casamento
situa-se em região despopulada. A água estava bem
clara e tinha um tom verde claro, muito bonito. Não vimos
"sinais de civilização" nas águas.
A paisagem apreciada é algo monótona, com poucas e
baixas elevações nas margens.
A
baixa profundidade de algumas passagens obrigatórias limita
o tráfego a embarcações de baixo calado (em
torno de 1 a 1,20m).
O nível da lagoa é muito sensível ao vento,
podendo variar mais de 1 metro em um dia, segundo informação
de pescadores. Os meses
frios, com a água mais alta, são mais indicados para
a navegação naquelas bandas.
Os atrativos visuais da rota escolhida não foram significativos,
com rara e bela exceção adiante relatada. Os horizontes
apresentaram-se com vegetação nativa de pequeno ou
médio porte. É total a ausência de civilização
pelo caminho, o que enfim pode ser um atrativo.
Nossa navegada foi de duração extremamente curta para
o potencial que a Lagoa do Casamento tem a oferecer aos velejadores.
Nosso objetivo era conhecer o caminho para Palmares, deixando-se
de visitar a maioria dos pontos de atração da lagoa.
A julgar pelo que se ouve de quem já explorou a Lagoa do
Casamento, pelo menos uma semana deve ser reservada para conhecê-la.
São 18 milhas de norte a sul, e 12 de leste a oeste.
Os riscos da empreitada podem ser ditos como sendo a navegação
de alguns trechos de 10 ou mais milhas sem abrigo, e chances de
encalhe acima do comum. Em caso de emergência, as possibilidades
de recursos de terceiros na região são pequenas. O
VHF "não alcança" os clubes (nem mesmo o
CNItapuã) e o celular não tem sinal em boa extensão
da Lagoa do Casamento.
De
vento em popa, de P. Alegre à Ponta do Anastácio (44
milhas)
Na ida, um vento N~NO
de 15 a 20nós nos fez desenvolver 7,3nós (GPS) com
a ajuda do balão, até a Lagoa dos Patos. Ao passarmos
pelo Farol de Itapuã às 14h, as rajadas e a mudança
na direção do vento fizeram um sutien no balão.
No caça aqui e folga lá, uma cupilha mal humorada
rasgou um pouco o fino tecido do pano. Encapar as cupilhas foi uma
lição aprendida (fita de autofusão funciona
bem).
Haviam muitos veleiros no Guaíba, a maioria já voltando
depois da pauleira de 30 nós de Oeste, na véspera.
Para uma previsão
meteorológica sem ventos, a velejada estava excelente: logo
na entrada da Lagoa dos Patos, rumamos para a Ponta das Desertas
(S30º 26,64' W50º53,82'), em asa de pomba, a 6 nós,
no rumo 123º indicado pelo Knippling, mantendo-nos longe da
praia por uns 200m.
Aliás, saliento que o livro dele é muito interessante.
Rico em detalhes, apresenta informações que tranqüilizam
a navegada. São rumos, cartas detalhadas, fotos aéreas,
locais de abrigo para o vento daqui e de lá, tudo na linguagem
do velejador. Eu diria que não é um livro feito para
o autor ganhar dinheiro, mas sim pelo gosto de passar a informação
aos outros. A qualidade da impressão do livro é também
muito boa - chega a dar pena de levá-lo para o barco.
Além do livro tínhamos a carta da Marinha e a da Maptech.
Tínhamos também a carta do Portinho, publicada faz
tempo no popa.com.br, com informações valiosas da
região. Tínhamos ainda informações importantes
e de última hora fornecidas
pela Christina Silveiro e pelo Adriano Machado, ambos velejadores
com boa experiência na região. A Tina estava um pouco
adiante de nós, também rumo a Palmares, enquanto que
o Adriano (Bruce Roberts "Passatempo") passou por nós,
já de volta, nas Desertas.
Na imagem à
esquerda, gaivotas sobrevoam barco de pescadores ao largo das Desertas,
em busca de peixe. À direita, o Maquiavel e o Veneza voltando
da Lagoa do Casamento.
Na
Ponta das Desertas o vento diminuiu bastante. Logo a cruzamos perpendicularmente
em direção ao waypoint sugerido pelo autor navegador:
S30º 26,43' W50º53,58'. Chegamos motorando na Ponta do
Anastácio (S30º 21,61' W50º43,47') ao pôr-do-sol,
já sem vento. Às 18:15h estávamos fundeando
com pouca luz junto à ilhota do Canal do Furado, um abrigo
que só não funciona para ventos do norte.
As
águas estavam altas, talvez apenas uns 40cm abaixo das marcas
da última subida da lagoa. Sabendo disso previamente, ignoramos
a recomendação de aproximação pela P.
do Anastácio, rumando diretamente à entrada do canal,
sem problemas. No entanto, dois outros O'Day23, o Maquiavel e o
Veneza, enfrentaram problemas na ida, em orça com muita onda,
batendo com o leme no fundo (nas cavas) ao cruzar a Ponta das Desertas.
Aí vem eles, com pinta de quem vai pro Pólo Sul...
Comitê
de boas-vindas
Havíamos
deixado para trás os Morros de Itapuã e os víamos
de um ângulo novo, de leste para oeste.
Os mosquiteiros
do barco ainda eram pedaços de filó e cordões
de chumbo dentro de uma sacola à bordo. Adiei demais para
levar isso à uma costureira fazer as bainhas. Havíamos
chegado bem no horário nobre dos mosquitos. Era um dia quente.
Nunca vi tantos juntos. Verdadeiras nuvens. Interessante observar
que as picadas não eram doloridas nem deixaram marcas. Mosquitos
light. Fechamos a cabine e improvisamos com fita adesiva. Uma meia
hora mais tarde, já com o mosquiteiro armado, não
havia mais mosquito algum, a não ser dentro da cabine.
Não havia
também sinal para o celular. Pelo rádio, mandamos
notícias para casa através do Alexandre "Nirak"
Gadret (CDJ) que estava mais próximo da civilização
e nos fez esta gentileza. Muito legal poder contar com ajuda de
velejadores assim, mesmo sendo desconhecidos como era o caso.
Preparamos um
bacalhau à Gomes de Sá, regado com um tinto chileno
muy bueno. Jantamos no cockpit e ficamos charlando até tarde.
Nenhum de nós
é cozinheiro que preste, mas até que nos saímos
muito bem. Eu forneci o projeto, e o Dieter a execução.
Repassando a receita:
Bacalhau
à Gomes de Sá
(versão naval)
1. Compre bacalhau
já desfiado, batata, cebola, tomate, azeite de oliva,
azeitonas recheadas e um bom vinho.
2. Quando levar as tralhas da navegada para o barco, na
véspera da partida, coloque o bacalhau na panela
e complete com água da torneira do trapiche. Deixe-a
num canto do cockpit.
3. Uma hora depois, quando as costas começarem a
doer de tanto ficar curvado ajeitando os tarecos dentro
da cabine, troque a água, e amarre a tampa da panela
nas alças.
4. Esta panela vai ficar num canto do cockpit até
a hora do jantar. Nem pense em guardá-la em outro
local. Se a panela virar n'uma orça, este bacalhau
será lembrado por muito tempo...
5. Somente quando a fome apertar dê início
aos trabalhos, abrindo uma garrafa de um bom tinto. Deixe
um gole n'água pra Netuno, e comece a função,
bebendo. Estes dois detalhes são muito importantes
para a correta apreciação do jantar dali a
uma meia hora: a fome e aquela 'tremurinha' do vinho.
6. Corte as batatas, tomates e cebolas em fatias. A quantidade?
Depende do tamanho da panela... Jogue as cascas de batata
n'água e veja os peixes em ação, como
as piranhas do Rio Paraguai. É uma recompensa por
estar descascando batatas. Idem quanto às cebolas.
7. Despeje na lagoa a água da panela com o bacalhau,
e observe os peixes liquidando aquela boa parte do jantar
que partiu com ela.
8. Coloque o que restou de bacalhau sobre um prato, provisoriamente.
9. Cubra o fundo da panela com azeite de oliva. Menos pra
quem não gosta muito disso.
10. Faça uma camada no fundo da panela com as fatias
da cebola. Faça outra logo acima com tomate. Mais
uma com as rodelas de batatas. Agora faça uma com
o bacalhau.
11. Se ainda sobrar altura na panela, vá fazendo
outras camadas, alternando. Essa parte da receita fica por
sua conta. Assim você poderá dizer que seguiu
mais ou menos a receita, dando um toque seu. Isso dá
prestígio na hora de prozear no bar do clube, na
volta. A camada mais de cima deverá ser de batatas.
12. Coloque um pouco de água sobre tudo isso. Se
botar demais, vai vazar da panela enquanto estiver cozinhando
dentro da sua cabine. Se de menos, as batatas de cima vão
ficar duras ou vai demorar demais pra cozinhar.
13. Vá botando azeitonas recheadas com pimentão
entre uma camada e outra. As azeitonas servem também
como aperitivo.
14. Bote sal também, mas lembre-se de que o bacalhau
pode estar ainda um pouco salgado e que as azeitonas também
o são.
15. Acenda o fogão. Se falhar, verifique se a válvula
do bujão está aberta, e tenha paciência
para o gás chegar. Se ainda assim não funcionar,
é melhor se dar conta de que esqueceu de comprar
gás.
16. Não tem essa de ficar mexendo a panela. Em vez
disso, abra outra garrafa de vinho. Funciona melhor.
17. Quando achar que já está pronto (e pela
fome isso ocorrerá bem antes da hora, com certeza),
espete as batatas de cima com um garfo - por isso a última
camada deve ser de batatas. Se o garfo entrar fácil
ou se as ditas começarem a se quebrar, chegou a hora!
18. O jantar estará pronto em algo como 15 minutos
de fogo, por aí.
|
Ora
direis, ver estrelas n'água
Nos
três dias da nossa navegada tivemos sol forte para a época
e uma temperatura muito agradável à noite. O tempo
todo com pouquíssima nebulosidade. A lua ainda estava quase
cheia. À esquerda, a lua que o Hoffman do veleiro Maquiavel
viu na Lagoa do Casamento uns dias antes. Nós a vimos já
um pouco deformada, querendo minguar.
Da completa escuridão logo depois que chegamos, passamos
a ver um clarão grande e fraco a oeste dali. Era Porto Alegre,
a uns 80km em linha reta. Algum tempo depois o céu começou
a clarear, mas ainda não se via a lua. Logo mais surgiu o
clarão forte dela por detrás do mato, bem ao nosso
lado. Finalmente apareceu, poderosa.
Aos 51 anos eu nunca havia visto reflexo de estrelas n'água.
A noite estava absolutamente quieta e o silêncio era quebrado
apenas pelo som de alguns pássaros que lá de vez em
quando se manifestavam.
Pois eu vi aquelas águas repletas de estrelas... Foi uma
belíssima imagem. A que mais apreciei ver nesta navegada.
Por si só, valeu por toda a empreitada.
Contei isso ao Aldo Tedesco, na volta. De troco, recebi 'uns baita'
versos do grande poeta espanhol Antonio Machado, que aí vão
por nós traduzidos e ajeitados, bem por cima do lugar onde
se esconderam as estrelas na hora de bater esta foto.
Atalhando
para Palmares
A Segunda-feira,
feriado, amanheceu bonita. Acordamos tarde e esquentamos a água
para o mate, sem pressa, esperando
pelo vento.
Aproveitamos para dar um jeito no interior do barco e no convés.
Quando o vento entrou, suspendemos e tomamos o rumo nordeste pelo
largo Canal do Furado, com umas 2 milhas de extensão.
Na saída
do canal, um nordeste legal de uns 15 nós nos esperava (já
na Lagoa do Casamento). Seguir pela rota recomendada implicava em
rumar para sudeste pelo Canal da Ilha Grande (veja a carta acima),
e depois rumo norte, até Palmares do Sul, pela costa leste
da lagoa - umas 20milhas.
Decidi arriscar o rumo nordeste (13 milhas) passando sobre o grande
banco mapeado. A boa altura das águas e apenas meia-bolina
na orça até o destino reforçaram a decisão.
Bordejamos sem problemas por umas 3horas até chegarmos nas
proximidades da foz do rio Palmares.
O esconde-esconde
dos rios
Nosso rumo era
o waypoint dos restos de um farolete próximo à foz
do rio Palmares. Avistamos
a torre de telefonia celular da cidade e um silo alto.
Estávamos
chegando à parte mais difícil da empreitada. Quem
nunca procurou pela foz de um rio estreito em uma lagoa não
entende bem isso e pensa que seja tão fácil como entrar
no Guaíba vindo da Lagoa dos Patos.
Como eu já
catei a foz e a nascente de diversos rios nas lagoas do litoral
norte do estado, sei bem como é isso. Os rios se escondem
da lagoa de tal forma que pode-se levar horas para encontrar a foz.
Nas cartas náuticas os rios aparecem sempre como um "fiozinho"
bem nítido, saindo direto na lagoa. Parece ser uma barbada...
O rio Três Forquilhas foi o pior de todos. O canal principal
sai quase paralelo à margem da Lagoa Itapeva, em meio a um
juncal cerrado. Como se está a apenas uns 2 metros acima
da lagoa, o ponto de vista não ajuda muito também.
Às vezes
não há dúvida alguma de que se está
bem na foz. Vê-se o rio da lagoa, por detrás dos juncos.
Mas aquilo que parece ser o caminho, foi caminho uma vez, e agora
está assoreado. Bem como nos versos do Antonio Machado aí
acima. Por vezes são como várias cortinas de juncos
uma atrás da outra, obrigando-nos a fazer várias curvas
reversas fechadas para alcançar o rio sem encalhar.
A foz apresenta-se,
via-de-regra, com meandros junto à lagoa.
Meandragem, ou seria malandragem dos rios?
Mas desta vez
eu estava tranqüilo porque, além da minha experiência
com isso, eu tinha a carta do Portinho, a foto aérea, do
Knippling, e os waypoints que a Tina recém me passara pelo
rádio. PALM1, PALM2 e PALM3. Seria mamão com mel.
Ledo engano...
Nas proximidades
do farolete há um largo curso de ligação entre
a Lagoa do Casamento e a Lagoa do Araçá. A foz do
rio encontra-se à direita deste curso, para quem se aproxima
da costa perpendicularmente.
A foz do Rio Palmares tem
um canal perpendicular à praia, "para enganar",
e outro, menos assoreado, oblíquo, quase paralelo à
praia. Procurando pela foz do rio, já a motor, entramos
em um pequeno saco que um dia deve ter sido a foz, e encalhamos
de leve, saindo facilmente. Mais adiante encalhamos novamente
em meio aos juncos, tentando seguir os waypoints da Tina. Içamos
a mestre para adernar e assim diminuir o calado, e saímos
fácil novamente.
Nisso vimos um barco de pescadores
vindo da lagoa sumir-se de repente em meio aos juncos, a pleno,
e a apenas uns 50m de nós. Seguimos o rumo deles (era a
foz assoreada) e finalmente entramos no rio com velocidade, aí
pelas 15:30h, raspando um pouco o patilhão no fundo do
rio. Êta...
Com todos os documentos,
aparatos e tecnologia a bordo, acabamos descobrindo o caminho
pelo método mais degradante, mas mais simples: seguir desconhecidos,
cegamente.
Caso não avistem pescadores
entrando no Palmares, aí vão os waypoints da Tina,
indicados na foto acima:
PALM1: S30º 15,278'
W50º 32,606'
PALM2: S30º 15,321'
W50º 32,549'
PALM3: S30º 15,411'
W50º 32,449'
Bucólico,
quieto e sinuoso
O
rio Palmares é estreito e cheio de meandros. Havia pouca
correnteza. Logo após a foz há uma bifurcação:
seguindo-se à esquerda vai-se para a Lagoa do Firoca. Seguimos
pela direita, subindo o rio lentamente para poder apreciar a paisagem.
O silêncio
no rio era quebrado volta e meia por um barco passando. A grande
maioria é de pesqueiros doble-proa como o da filha do seu
Teixeira, aí ao lado..
Há vários trapiches rio acima e muitos barcos de pescadores.
Ainda assim, no folheto recebido, a pesca não consta como
uma atividade econômica do município.
A poucas milhas
rio acima está o velho trapiche do seu Teixeira, onde
atracamos.
O Forest, com a Tina e o Nando, haviam atracado poucas horas antes.
Seu
Teixeira é um homem simples, já de idade, e mora quase
à beira do rio. Hospitaleiro, ofereceu-nos extensão
para energia elétrica e banho quente, logo de chegada. Depois
acompanhou o Dieter até a "venda" para comprar
verduras e peixe para a janta.
As
fitas adesivas se descolaram do mosquiteiro com o sereno da noite
anterior. Refizemos as "bainhas".
Na ponta do trapiche, bem ao nosso lado, um cachorro velho montava
guarda.
Foi um dia de muito sol. Jantamos violinhas com legumes e vinho
tinto, indo dormir às 21h desta segunda-feira, 21 de abril.
Que coisa!... (horário de criança ir pra cama).
Mudança
de planos
Madrugamos
na terça-feira. A Tina soube que no dia seguinte entraria
mesmo uma frente do sul. Permanecer ali significaria, pelo menos,
mais 3 dias em Palmares.
Decidimos assim
voltar a Porto Alegre do que ficar por lá esperando a passagem
da frente. Com o sul na cara seria uma volta desagradável.
Às 9h desatracamos
com destino à Praia do Sítio (Parque de Itapuã,
município de Viamão) onde pretendíamos passar
a noite. Tínhamos 40litros de gasolina, céu limpo
e aquele solaço.
O vento? Ainda
não havia se anunciado. E não se anunciou o dia todo,
em contraponto aos ventos tão favoráveis da vinda.
Veja como o rio estava espelhado, aí à direita.
Saímos
do rio seguindo os waypoints que a Tina havia marcado na véspera.
Desta vez foi fácil.
A
longa motorada da volta
Continuamos
motorando lagoa afora a 6 nós, sem imaginar que seria assim
pelas próximas 12horas. A brisa suave rondava de três-quartos
à popa, mal enfunando os panos.
Uma hora e meia
depois chegamos ao Canal do Furado e em seguida saímos da
Lagoa do Casamento, no rumo da Ponta das Desertas.
Quase 2h mais tarde cruzamos
a Ponta das Desertas em navegada monótona e barulhenta com
o piloto automático dando conta do recado. Veja o longo rastro
da motorada, à direita.
Naquele
solaço e com a água verde claro, o Dieter resolveu
se refrescar. Caiu n'água com a bóia salva-vidas e
veio no reboque a uns 2 nós por algum tempo.
Praia
do Tigre
Ainda com as Desertas
no través, propuz uma parada na Praia do Tigre para quebrarmos
a monotonia da motorada.
É uma prainha
bem pequena mas muito bonita, com rochas nas duas extremidades.
Há uns
200m da praia, já corrigindo o rumo para o fundeio, o motor
parou por falta de gasolina, como já vínhamos esperando
ocorrer.
Eram quase 15:30h.
Havíamos navegado 30NM durante 6,5h com 20l de
gasolina a 5,3 nós na maior parte do trecho (parada p/banho
e trechos a menor velocidade mascaram a velocidade média
calculada). Veja tabela de consumo mais abaixo.
Dali
a 15 minutos fundeamos com água pela virilha. O cabo da âncora
nem esticou durante a meia hora em que estivemos por ali, tal a
falta de vento.
A Praia do Tigre faz parte do Parque de Itapuã e o desembarque
(não o fundeio) é proibido.
É uma pena impedir que velejadores que vêm carregando
seu lixo por onde andam, sejam impedidos de acessar locais assim,
em nome da proteção ambiental. A extrapolação
da conduta do cidadão despreocupado com o meio-ambiente é
um equívoco.
Nova
mudança de planos: dormir em casa
Na
continuação da navegada cruzamos pelo Farol de Itapuã
e novamente alteramos os planos, decidindo dormir nas nossas casas.
Traçamos
um rumo único do farol à Ponta Grossa, passando sobre
o banco ao largo da Ponta Escura.
Se algum dia eu trocar o Phantasy por um barco de maior calado,
vou sentir falta destas barbadas que ele me oferece...
Logo veio o pôr-do-sol.
Havia sempre uma
brisa do leste que mantinha os panos enfunados, mas o motor continuava
roncando. A uns 100m antes da Ponta Grossa, já à noite,
com o piloto automático operando e naquela monotonia, uma
rajada mais forte de leste nos surpreendeu fazendo o barco entrar
no vento. Um pouco mais adiante, junto às pedras, isso poderia
ter sido complicado.
Na Ponta da Serraria
o vento começou a soprar a uns 15 nós. Desligamos
o motor e mantivemos 6 nós até a Ponta dos Cachimbos.
Dali em diante, ronco de novo. Chegamos ao Veleiros do Sul às
21:00h, depois de 12 horas de navegada, tendo navegado 57milhas
náuticas (105km) naquele dia.
Tabulando
Informações
Local |
Data/Horário
|
Dist.
aproxim. do Trecho (MN)
|
Velocidade
Máx.(nós)
|
Panos
|
Vento
|
Observações
|
P. Alegre |
20 -
9:30
|
0
|
0
|
G1
|
N~NO
10'
|
Partida
|
Farol de Itapuã |
20 -
14:00
|
24
|
7.3
|
Balão
|
N~NO
15'
|
Popa
ou 3/4
|
Ponta do Anastácio |
20 -
18:15
|
20
|
6
|
G1
|
N~NO
15'
|
Asa
Pomba
|
Ponta do Anastácio |
21 -
11:00
|
0
|
0
|
motor
|
NE 15'
|
Pernoite/Partida
|
Norte da I.
do Furado |
21 -
11:30
|
2
|
6
|
motor
|
NE 15'
|
Travessia
do canal
|
Foz
do Rio Palmares |
21 -
16:00
|
9
|
6
|
G1
|
NE 15'
|
Travessia
L. Casam.
|
Trapiche do
Teixeira |
21 -
16:30
|
2
|
6
|
motor
|
-
|
Rio
acima
|
Trapiche do
Teixeira |
22 -
09:00
|
0
|
0
|
motor
|
-
|
Pernoite/Partida
|
Sul da I.
do Furado |
22 -
11:30
|
10
|
6
|
motor
|
-
|
Travessia
L. Casam.
|
Ponta das
Desertas |
22 -
13:45
|
13
|
6
|
motor
|
-
|
Trechinho
a 2'
|
Praia do Tigre |
22 -
15:30
|
8
|
6
|
motor
|
-
|
Parada
15min reab
|
Praia do Tigre |
22 -
16:00
|
0
|
0
|
motor
|
-
|
Suspend
praia
|
Veleiros do
Sul |
22 -
21:00
|
26
|
6
|
motor
|
-
|
trechinho
a pano
|
Dados
de consumo de motor de popa Evinrude 15HP em O'Day 23
navegando 30 milhas por 6,5 horas, abastecido com gasolina
comum.
Obs.: A média calculada para estes dados
é de 4,5', mas desconsidere esse valor porque houve
paradas e velocidade bem reduzida em alguns trechos.
Na maior parte da navegada a velocidade
lida no GPS foi de 5,3 nós.
|
1,5
milha náutica/litro
|
3 litros/hora
|
Tanque
de 20litros = 30 milhas = 6,5 horas
|
Obs.:
Estranhei o alto consumo desse motor. Vou checar para ver
se isso é normal!
|
Acrescentado
a este
diário em Ago 03:
Olá
Danilo;
É
exatamente onde v. colocou em sua resposta que é nosso
local de descanso, entre as Desertas e o Pontal do Abreu,
e como bem observado um local maravilhoso e de aguas despoluídas.
Notei em seu diário uma preocupação quanto
a falta de comunicação na região, um
fato preocupante aos navegadores, pois vai aí uma relação
de companheiros que estão frequentemente em QAP no
VHF pela area:
*PRAIA
DA VARZINHA - CANAL 70 - SOLICITAR CONDOMINIO ESMERALDA
*PRAIA DA VARZINHA - CANAL 16, 68 ou 70 - SOLICITAR MEDINA,
PROF. JORGE, ALAIR
*COSTA DO OUVEIRO - CANAL 16 ou 70 - SOLICITAR LECO
*PALMARES DO SUL - CANAL 16 - SOLICITAR PAULO (BARCO ARUANÃ)
UM ABRAÇO,
CESAR MEDINA
|
"Estamos
encalhando essa encrenca!!!!!!"
O ecobatímetro funcionava intermitentemente, prejudicando
informações de calado, mas em nenhuma situação
houve sequer suspeita de encalhe. A não ser as duas encalhadinhas
nos brejos à volta da foz do Palmares, mas ali já
nem tinha água - era só umidade.
Mas minto. Por um momento achei que estávamos encalhando,
sim. E vou contar esse
mico que paguei:
Ainda não estou acostumado com a companhia do piloto automático.
Estávamos terminando a travessia da Lagoa do Casamento, já
na volta. O piloto vinha no comando. Foram umas 2h de total bobeira
ouvindo o ronco do motor no solaço. Ao nos aproximarmos do
banco ao norte do Canal do Furado, eu estava preocupado com a possibilidade
de um encalhe.
Com o ecobatímetro
louqueando, de vez em quando eu me levantava para tracionar o cabo
da bolina (deixada um pouco arriada) para verificar a tensão.
Sem tensão significaria raspando o patilhão no fundo.
Em uma dessas "sondagens" resolvi alterar o procedimento
e, em vez de puxar a bolina, balancei um pouco o leme lateralmente
- se estivesse raspando no fundo, estaria pesado.
Pior do que pesado,
o leme estava trancado, não se mexia para os lados!!!
Ihhhh @a#$%&*!!!
Estamos encalhando essa encrenca!!!!!
Nem bem terminei de dizer os impropérios e já percebi
que o "pretão" é que estava no comando.
O leme não podia mesmo mexer... Consciência pesada
é fogo...
Palmares
do Sul
Palmares do Sul viveu
seus dias mais progressistas na época em que fazia parte
da rota P.Alegre-Litoral. Havia um trem dali a Osório. A
cidade é pequena e o povo extremamente acolhedor.
O município tem 12.000
habitantes e, por terra, está a 86km de Porto Alegre (RS-040).
A economia baseia-se na cultura do arroz, na plantação
de pinus e de eucaliptos, e na pecuária.
Quando perguntei ao seu Teixeira por um taxi para buscar
gasolina, Pinduca, genro dele, logo se prontificou a me levar com
a sua Belina.
Com os camburões
já cheios, me levou a um rápido city tour que
terminou no Centro de Atendimento ao Ecoturismo, uma casa à
beira do rio (Atenção: Não vá até
lá, navegando: está à montante dos fios de
alta tensão que cruzam o rio!). Lá fui muito bem recebido
e presenteado com saquinhos de arroz e folhetos turísticos.
De volta à
barranca do rio, o homem "quase brigou comigo" pela minha
insistência em lhe pagar a corrida. Acabei deixando para ele
um bom charuto que eu esperava fumar após o jantar, mas foi
a única coisa que achei a bordo para presenteá-lo.
Garibaldi
na Lagoa do Casamento
Há 164 anos, mais precisamente em Julho de 1839, Giuseppe
Garibaldi subiu a Lagoa dos Patos com os Farroupilhas, vindo do
Rio Camaquã, em cujas barrancas, no lugarejo Cristal, seu
barco Seival foi construído.
Passando sobre
o Banco das Desertas, Garibaldi atravessou a Lagoa do Casamento
e, junto à foz do Rio Palmares, entrou na Lagoa do Araçá,
de onde navegou até a foz do Rio Capivari. Ali camuflou o
mastro, hoje exposto no Museu da Anita em Laguna, para se esconder
dos Imperialistas.
Dali em diante
o barco foi rebocado por bois até o Tramandaí, por
cuja foz se foi ao mar para alcançar Laguna, SC, onde pegaram
o inimigo de total surpresa.
Tempos depois da peleia, o Seival foi para o transporte marítimo
e, mais tarde, já com a determinação do governo
da Itália de reconstituí-lo, foi incendiado.
Vejam
as Estrelas nas Águas da Lagoa do Casamento
Aos meus amigos
velejadores que sabem o quanto e por quanto tempo namorei navegar
pela Lagoa do Casamento, deixo este diário de bordo como
um incentivo a explorarem esta região, ainda tão virgem.
E de tudo o que vi, o que mais desejo que vejam, são as estrelas
nas águas da Lagoa do Casamento.
Danilo Chagas
Ribeiro, 1º/Mai/03.