A Vinda do My Way para Porto Alegre
De Ilhabela (SP) a Ganchos (SC)
Texto e fotos: Cmte Antonio Joaquim Machado Tobruk
25 Jul 2004
Bem,
finalmente enfrentei o mar!
Depois de marchas e contramarchas, inclusive problemas de saúde,
fui com a turma buscar o veleiro que o Boletto havia comprado
em Ilhabela.
Éramos cinco: eu, o Pedro Boletto, o Flávio Jacobus,
o Fernando (Doca) Gadret e o João Boroni (só havia
comandantes...!).
Fomos sexta (4 de junho) à noite, de avião até
São Paulo. Chegamos sob chuva torrencial e pegamos a
perua (Van) que estava esperando para levar-nos a Ilhabela.
Com um litro de scotch a menos, chegamos já sem chuva
a São Sebastião, embora persistisse uma garoa
renitente.
Em Ilhabela, enfrentamos
de madrugada a burocracia de registro e entrada no Yatch Club
de Ilhabela e, cansados, fomos dormir no barco. Com algum jeitinho
coubemos nós cinco e a bagagem no Fast 310.
Na manhã do dia seguinte, fomos conhecer o clube, uma
maravilha, e tomar um café sensacional. Aliás,
o clube tem restaurante, pizzaria com forno de lenha e sushi-bar,
todos de alta categoria.
A
cidadezinha de Ilhabela é uma beleza, com inúmeros
restaurantes, de refinados a populares, atendendo a todas as
carteiras. Tem um centrinho com um casario antigo, ainda razoavelmente
preservado. Infelizmente, o resto da vila não acompanha
esta preservação. Inclusive mansões estão
subindo os morros, formando uma espécie de favelão
de luxo. Felizmente, essas montanhas são compostas de
rocha nua, principalmente, o que impede a construção
de mais moradias nas encostas.
Há marinas públicas
exploradas por particulares para quem não é associado
ao YCI, que é bastante caro.
Voltando ao barco: O My Way, este é o nome da
criança, tinha alguns problemas no sistema elétrico,
que foram sanados por um técnico da praça. Como
a bomba de água da pia também apresentasse problemas,
o ex-proprietário, José Misiara (grande figura)
mandou o motorista comprar uma nova na Regatta, em São
Paulo e trazer.
À
noite, mais um churrasco e pernoite na casa do José;
já estávamos nos aquerenciando....
Consultamos o boletim meteorológico: Tínhamos
uma janela de bom tempo até 5ª. Feira e não
queríamos perdê-la, por isso abortamos os outros
passeios antes programados.
A chegada dos mantimentos
ao barco foi um acontecimento no clube. O aprovisionador (casualmente
eu), muito precavido, exagerou um pouco na comida e nas bebidas,
poderíamos ficar à deriva por uma semana, sem
problemas...
Acomodadas as provisões, a tripulação e
sua bagagem, a linha de flutuação do barco afundou
consideravelmente...!
Fomos finalmente partir de Ilhabela no entardecer de domingo,
dia 6 de junho, com destino a Santos. O nosso navegador, o Boroni,
com o seu maço de cartas náuticas e três
GPS, traçou a rota e partimos quando já começava
a escurecer.
Puxa, a minha primeira vez navegando no mar e tinha que ser
logo à noite...! O céu, encoberto por nuvens escuras,
escondia lua minguante, noite fechadíssima! Passamos
o arquipélago de Alcatrazes só por instrumentos,
confiando na rota traçada pelo Boroni no GPS.
Estipulamos
que a velocidade média seria de 6 nós, com vela
ou motor. Como o vento estava insuficiente para isto, tocamos
com vela e motor juntos. Lá pelas 3 hs. da madrugada,
no meu quarto no leme (o piloto automático estava pifado)
desliguei o motor, porque o vento aumentara, e segui à
vela, numa orça cerrada para não sair do rumo
demarcado; foi a única velejada da viagem. Bom, neste
meu quarto - noite escura como breu - avistei as luzes de um
navio no horizonte. Quando ele ficou mais próximo divisei
a sua luz verde de navegação, verificando que
não estava em rota de colisão conosco, passaria
pelo nosso boreste, sem problemas, segui tranqüilo naquele
rumo. O caso é que ele passou pelo nosso boreste a uns
500 m somente e era a mancha negra gigantesca de um petroleiro,
me dando um baita susto! Bom, pensei, da próxima vez
juro que vou deixar uma lazeira de uns 5 km, pelo menos...
Fizemos
quartos de dois homens a cada três horas, o que nos deixou
mal-dormidos e cansados. Além disso, as madrugadas foram
frias e sair da cama para ir ao cockpit era uma tortura chinesa!
Este foi o único desprazer da viagem, que foi magnífica.
Na tripulação tínhamos três estreantes
no mar: Eu, o Flávio e o Boletto. O Boroni e o Doca já
tinham experiências anteriores e eram os veteranos da
turma. Devido a isso, tínhamos uma grande expectativa
quanto ao famoso mal-de-mer, engolindo DraminsB6 a dar com um
pau! Bueno, nenhum dos três enjoou; em compensação
o Boroni e o Doca...!
Chegamos a Santos de manhã,
seguindo diretamente ao Iate Clube de Santos.
Ao entrarmos no canal de acesso ao porto, o Boletto foi ao rádio
solicitar a permissão de acesso ao clube. Solicitado
a identificar a embarcação, encheu o peito e comunicou:
"Aqui é o Cmte Boletto do veleiro My Way, um Fast
310 !" Quando chegamos ao clube verificamos, constrangidos,
que o menor barco ancorado tinha 40 pés e a maioria tinha
mais de 60, 80, 100 pés...! Nos recolhemos à nossa
insignificância no trapiche flutuante e ficamos admirando
a exibição de opulência dos lancheiros paulistas.
Havia apenas 5 veleiros e o resto eram lanchas e trawlers, às
dezenas, todos de grande porte. Ferretis, então, tinham
a perder de vista...
Fomos
tratados com toda a cortesia no Iate Clube de Santos durante
nossa estada. O clube tem instalações luxuosas,
magníficas, mas o seu entorno urbano é horroroso
(zona portuária...). O canal de acesso é bem protegido,
mas é um mangue mal-cheiroso, com muito esgoto sendo
lançado ali. Este canal segue adiante, servindo a pescadores
e outras empresas. Por tudo isso, o enorme patrimônio
ancorado no clube é protegido por um bando de seguranças
que circula 24 hs. por todos os trapiches.
Chamamos um mecânico
para checar o sensor de temperatura do motor que teimava em
acionar o alarma de aquecimento, trabalho que levou o dia todo
(mais uma conta para o bom José...)
À noite, fomos à Guarujá para jantarmos.
Como era segunda-feira, simplesmente não havia restaurantes
abertos! Perambulamos pelo centro atrás de uma pizzaria
e nada... Quase 9 hs. da noite, encontramos um restaurante aberto
que nos serviu a tão esperada janta. Voltamos ao barco
para dormir, nos preparando para a perna maior da viagem, direto
a Ganchos.
Saímos na manhã
da terça, motorando no canal. Ao chegarmos no canal principal
(que dá acesso ao porto), o Boletto, em vez de guinar
à esquerda, rumo à saída, guinou para a
direita. Com a nossa gritaria e a aproximação
de um cargueiro, acelerou e fez um "cavalo-de-pau",
mudando o rumo para a mar. Após este "racha"
, apelidamos o My Way de Fast 3100!
Cuidamos o intenso tráfego
de navios e pegamos o rumo de Ganchos, em Santa Catarina. O
rumo que o Boroni plotou consistiu numa linha reta, colocando
o barco diretamente dentro da baía de Ganchos, passando
entre as ilhas da Galé e do Amendoim.
O tempo continuou bom, apenas com pouco vento, seguimos com
vela e motor. No meio do trajeto, o rádio transmitiu
notícias do desaparecimento de um pesqueiro. A Marinha
e a comunidade pesqueira da região estavam atrás
de sobreviventes.
Naquela noite o movimento
de barcos foi intenso. Víamos suas luzes ao longe, pois
estávamos em nosso ponto mais afastado da costa, em torno
de 50, 55 milhas. No meu quarto no leme, de madrugada, novamente
avistei as luzes brancas de um barco no horizonte. Na verdade
eram as luzes de dois barcos que avançavam juntos. Mais
próximos, notei a luz de boreste de um deles. Ok, pensei
novamente, estão em rota paralela a nós, sem problemas...
Mais perto, avisto as luzes de boreste e bombordo de um deles,
que tinha guinado em nossa direção! Bom, não
sei quem é, não sei de suas intenções...
acelerei o motor e virei para um rumo perpendicular à
sua rota, me afastando rapidamente. Quando suas luzes ficaram
bem pequenininhas, voltei ao rumo original. Sei lá...!
Nesta
mesma noite, um fato curioso: um morcego, surgido não
se sabe de onde, agarrou-se à vela grande. Permaneceu
o dia seguinte todo apegado à ela, só nos abandonando
na noite seguinte, quando nos aproximávamos da costa
de Ganchos.
Embora houvesse gente que tenha ficado meio cabreira com a presença
deste novo tripulante, a sua chegada coincidiu com o retorno
do bom funcionamento do piloto automático...
Neste dia, quarta-feira,
avistamos alguns poucos destroços, que poderiam ser do
infortunado pesqueiro, o que nos deixou um pouco consternados.
Os corpos não foram achados, pelo menos naqueles dois
dias.
Navegada tranqüila,
chegamos à Marina de Ganchos à 1:30 h. da madrugada
de quinta-feira, passando exatamente entre as ilhas já
mencionadas, numa escuridão total, já que a Lua
estava encoberta, novamente. Ancoramos o barco com uma sensação
de alívio e de missão cumprida. Imediatamente
fomos ao banheiro da marina e tomamos aquela ducha quente.
Ao nascer do dia, começou uma chuvinha fina que precedeu
a frente de instabilidade prevista nos boletins meteorológicos.
A previsão do tempo havia sido precisa (um milagre!)
e tínhamos chegado no momento exato, após 300
milhas navegadas.
Nosso batismo de mar não poderia ter sido melhor!