Confusão na hora de acertar o clima
Brasil não tem um serviço centralizado de análise climática, atrapalhando os prognósticos
Marcelo Gonzato, Zero Hora

08 Nov 2008
N
ão são apenas as mudanças no clima que desafiam a previsão meteorológica brasileira. A sobreposição de instituições e redes que coletam informações e fazem prognósticos de forma desorganizada desperdiça recursos e leva à duplicidade de funções.

Após seis anos de esforços da Sociedade Brasileira de Meteorologia para reformular o sistema, a proposta ainda tramita no Congresso. Esse desafio, que há tempos nubla o horizonte da meteorologia brasileira, foi um dos temas do 1º Encontro Brasileiro dos Meteorologistas Operacionais de Previsão de Tempo e Clima, esta semana em Brasília. Nenhuma proposta foi concretizada, mas a discussão deve se estender.

O exemplo mais significativo da falta de sintonia é a semelhança entre o trabalho do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), vinculado ao Ministério da Agricultura, e do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), subordinado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Embora o CPTEC tenha surgido com o propósito de fazer desenvolver e testar metodologias de previsão, e o Inmet de abastecer a população com prognósticos, na prática os dois órgãos acabam se confundindo.

– Há alguns anos era pior, porque as duas instituições brigavam. Uma queria a destruição da outra. Agora, pelo menos, as direções são amigas, e a briga acabou. Mas continuam sobrepondo funções de previsão de tempo – afirma um pesquisador do Inpe.

O Inmet conta com a maior rede de estações de coleta de dados meteorológicos do país, com 433 unidades automáticas e 400 convencionais, mas tem 76 meteorologistas – menos da metade do que deveria.

Existe uma proposta para organizar o sistema nacional

Já o CPTEC, que dispõe de 65 doutores e deverá receber em breve um supercomputador para rodar modelos de previsão e fazer pesquisas a um custo estimado de R$ 50 milhões, não tem recursos para manter sua própria rede de estações e está repassando-a a instituições estaduais.

– Com melhor organização seria possível otimizar os investimentos – sustenta Heloisa Moreira Torres Nunes, vice-diretora administrativa da Sociedade Brasileira de Meteorologia.

Em 2002, a Sociedade Brasileira de Meteorologia reuniu especialistas, e compôs um documento sugerindo a criação de um modelo melhor hierarquizado. Na prática, isso resulta em menor troca de informações entre os institutos, divisão dos parcos recursos governamentais e, como conseqüência, menor eficiência na previsão.

Conforme Heloisa, tramita no Congresso uma proposta permitindo ao governo federal organizar o sistema meteorológico. Depois, deve ser apresentado um projeto de lei organizando o modelo. Não há prazo determinado.

Opinião de especialistas
Capitão da Brigada Militar Luis Fernando Santos Carlos, coordenador regional de Defesa Civil do Estado
Consultamos informações de diversas agências. Não sentimos a necessidade de criar um centro estadual. Seria melhor se houvesse uma cobertura maior de radar.
José Mauro de Rezende, Inmet

O Inmet é o órgão oficial de meteorologia na área civil e agricultura. A parte da pesquisa caberia ao CPTEC, eles não deveriam fazer previsões para o público.
Maria Assunção Dias, coordenadora do CPTEC

OInmet vai para o lado da observação meteorológica. Além disso, roda modelos que não são desenvolvidos por eles. O nosso brasileiro.

Rede de previsões
INMET
Confira os principais órgãos públicos que fazem previsão de tempo no país:
> Prestes a completar um século de atividade, em 2009, a instituição foi criada pelo governo federal e fica sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
> Desenvolveu-se mais voltado ao público, com serviços para a agricultura. Hoje, tem a atuação marcada pela manutenção da principal rede de estações meteorológicas do país e coleta de dados para abastecer modelos computadorizados de previsão de tempo
> Administra 433 estações automáticas, que enviam dados sobre indicadores, como temperatura, além de 400 estações convencionais – em que a medição precisa ser feita no local
CPTEC
> Inaugurado em 1994 e vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, nasceu com a missão de desenvolver pesquisas para elevar o patamar tecnológico do Brasil no que se refere à meteorologia
> Além de fazer pesquisa, passou a realizar previsão do tempo para atender a população. Investe, ainda, em previsão de qualidade do ar e detecção de queimadas, entre outros serviços
> Contava com cerca de cem estações automáticas, mas, por falta de recursos para manutenção, tem repassado o equipamento a centros meteorológicos estaduais – embora ainda seja responsável pela transmissão dos dados via satélite
OUTROS ÓRGÃOS
> Centros estaduais: vários Estados contam com centros próprios de previsão, como Santa Catarina e Minas Gerais. Detalham as pesquisas em nível regional e administram redes próprias de estações meteorológicas – algumas cedidas pelo CPTEC
> Aeronáutica: responde pela previsão atmosférica e pela administração da maior parte dos radares atmosféricos do país, capazes de monitorar nuvens e chuva, por exemplo. Conta, ainda, com 140 estações meteorológicas terrestres
> Marinha: conta com cerca de duas dezenas de estações terrestres e responde pela previsão de tempo sobre o mar
Brasil X EUA
Confira algumas diferenças entre o modelo brasileiro e o norte-americano de meteorologia:
> Não há um órgão central de comando dos diversos centros de meteorologia. O Inmet e o Cptec ficam sob a responsabilidade de ministérios diferentes
> As diferentes instituições meteorológicas procuram trocar informações entre si, mas não há uma regulamentação oficial sobre isso
> Radares meteorológicos ficam principalmente sob responsabilidade da Aeronáutica, mas alguns Estados, como São Paulo, contam com aparelhos ligados a centros regionais de previsão ou outras instituições. Os radares não cobrem todo o país. No Rio Grande do Sul, por exemplo, não há nenhum em funcionamento
> Os centros privados de previsão meteorológica estão em expansão, alguns deles com redes próprias de estações
> Os órgãos federais de meteorologia ficam sob o comando do National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa, uma agência federal). Abaixo dele, há um serviço com perfil mais semelhante ao Inmet, e outro, similar ao CPTEC. Mas funcionam coordenados
> O Noaa regula o funcionamento de diversos outros centros dedicados a áreas específicas, como o National Hurricane Center, em Miami, para furacões, e outros voltados a pesquisas, mudanças climáticas etc., e a rede federal de estações meteorológicas
> Os radares meteorológicos ficam sob controle federal e cobrem todo o país. Há uma forte rede de centros regionais de previsão, voltados a prognósticos mais detalhados para cada Estado
Fonte: Matéria publicada no jornal Zero Hora de 08 Nov 2008

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