
De Cachoeira
do Sul à Barra do Ribeiro
Passando a barragem no braço
Clériston
Borges
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Comentários
do popa Somando-se o peso da tripulação ao do barco de alumínio de 120kg, e a mais 600kg de carga, o conjunto pesava uma tonelada, informou o autor do diário de bordo pelo telefone. Muito amigável e espontâneo ao falar, Clériston disse que ouviram a buzina do navio que se aproximava, já no Guaíba, e só entenderam o significado daquilo quando a inesperada marola do cargueiro ("um mar d'água", como disse) quase fez o barco virar. Quando perguntei se haviam tomado informações de pescadores para encontrar a Barra do Ribeiro, já que estavam sem carta náutica nem GPS a bordo, Clériston respondeu que foi "na gata"*. Foi a primeira vez que desceram o Jacuí a jusante de Dom Marco. Imagino que a falta de recursos de navegação, como carta náutica e instrumentos a bordo, possa ter contribuído para eventual equívoco geográfico, o que não reduz o mérito da empreitada. É possível que depois de ler o diário abaixo, você, que navega em barcos cabinados com bons recursos, considere suas indiadas meros passeios de pedalinho no lago do Parque da Redenção. Danilo. Obs.: O tráfego pelo Jacuí nas circunstâncias em que se encontrava, fora da caixa e com mau tempo, deve ser evitado por oferecer elevado risco à navegação de embarcações de recreio, principalmente na passagem pelas eclusas. _________ |
NOSSA VIAGEM
Esta
viagem foi realizada por três navegadores: Marcos Bueno Diniz (Diniz), Marcio
Diniz Borges (Marcio) e Clériston Diniz Borges (Borges).
Esta viagem era um sonho acalentado por
mais de quatro dezenas de anos pelo Diniz. Com isso, foi marcado
uma reunião na residência do Borges, para ser tratado como seria a
viagem e a data que seria feito esta aventura.
Resolvemos que o referido passeio seria feito no dia 18 de dezembro de 2003. Na data planejada partimos de Cachoeira do Sul, RS, com uma lancha (Karib 500, cinco metros, motor de 15 HP) pelo rio Jacuí, em direção a Barra do Ribeiro, já na Lagoa do Patos, RS, sem ao menos conhecer o trajeto hidroviário, pois, não tínhamos carta náutica, GPS, rádio, sinalizador ou bússola. Para piorar a situação, o rio Jacuí estava alargado por uma grande enchente.
No primeiro dia viagem acampamos às margens da barragem de Anel de Dom Marco. Quando nos aproximamos do referido local, havia uma grande e ameaçadora corredeira que pelo volume de água que emitia um estrondoso ruído, parecia aterrador. Por não conhecer o procedimento de travessia pela eclusa, e ainda mais, não havia ninguém para manobrar as comportas da eclusa, tivemos que passar o barco no braço, descarregando e carregando novamente, sendo ameaçados de perto pelo rio que rugia furiosamente, arrastando tudo pela frente, árvores, casas e até animais mortos!
Num
local seguro e alto, após ter arrastado o barco por um estreito corredor de
grama e água da enchente, que insistia em nos perseguir, colocamos nossa barraca.
Era um alto da margem esquerda do Jacuí, cercado de belas árvores e fazendo
proteção em caso de mau tempo. Lá, de nosso baluarte, podíamos contemplar
um maravilhoso pôr-de-sol multicolorido e o rio correndo furiosamente, se
espraiando nas várzeas. Durante a noite, fizemos um belo galeto com calor
emprestado das brasas de nossa fogueira, que clareava e nos aquecia e projetava
nossas silhuetas em nossa barraca. A Mãe Natureza nos agraciou com uma noite
quente, calma e repleta de estrelas cadentes sobre nossos olhares incrédulos
do firmamento. Toda essa calmaria prenunciava um terrível mal
tempo.
Como tudo era festa e novidade, partimos
em direção ao referido local. No trajeto fomos surpreendidos por um violento
temporal. A chuva era tão intensa que tivemos que encostar a embarcação diversas
vezes para retirada de água. Muitos locais de parada, eram vilas e povoados
totalmente submersos. E, como se ainda não bastasse, o Borges contraiu uma
infecção intestinal grave e com febre.
Já estava quase escurecendo quando chegamos
a barragem, numa pequena povoação histórica chamada
Santo Amaro do Sul. Essa povoação tinha um passado de glórias na Revolução
Farroupilha. Era um entreposto comercial importante para os barcos vapores
que subiam o rio Guaíba e Jacuí no século XIX. Hoje amarga um esquecimento
lamentável, a não ser pela barragem/eclusa.
Não
sabíamos como iríamos transpor, pois, estava frio e chovendo e tudo estava
literalmente encharcado dentro da embarcação. Quando tudo parecia perdido,
encontramos um pescador chamado Pedro, que sem nos conhecer, ofereceu seu
pier de atracação para podermos desembarcar e deixar
nossas coisas secando. Ele também nos informou que havia um hotel com refeições
quentes. Esse hotel em condições normais jamais seria visitado por nós. Mas
devido ao nosso precário estado, encharcados até a alma e com motor falhando, soava
como um cinco estrelas. Era muito simples, mas havia para nós algo de muito
importante: comida quente, banho de chuveiro e uma deliciosa cama seca!
Seus proprietários eram pessoas amáveis
demais, nos trataram como filhos. Nunca esqueceremos gente
tão boa e generosa, muito menos uma deliciosa lasanha de massa caseira!
Seu nome era Hotel Coqueiros.

Despedimo-nos do pessoal e partimos em
direção ao nosso objetivo. Quando passamos por Triunfo, começamos a enfrentar
um vento calmo que ocasionava pequenas ondas.
Mas, continuamos firme em nosso objetivo
apesar de todos os obstáculos. Chegamos a Porto Alegre no início da tarde
do terceiro dia, daí se descortinou o estuário do Guaíba com sua imensidão
sem fim e a bela capital de todos os gaúchos. Houve um certo receio nosso
na entrada da Lagoa do Patos. Havia o risco de vento
e formação de ondas e marolas, o que poderia colocar em risco
nossa pequena embarcação. Ao passarmos pela Ilha do Presídio às margens de
Porto Alegre, resolvemos arriscar a entrada na Lagoa dos Patos, pois o vento
era calmo. Da Ilha do Presídio até a Barra do Ribeiro, levamos aproximadamente
45 minutos. Uma grande chaminé de um engenho anunciava a direção a seguir,
pois não é difícil se perder naquela imensidão de água. Chegamos bem a
tardinha, numa alegre praia de areias grossas, cheio de curiosos com nosso
alarde, duas noites e três dias depois. Foi um alívio para todos nós.



Este diário me fez lembrar de outro:
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Da
Lagoa Mirim a Porto Alegre
Ora velejando de windsurf, ora remando o caiaque André dos Santos Issi |
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