Sanga do Pimenta
Fomos direto à Sanga do Pimenta utilizando os waypoints do Comandante Portinho. A carta e a planilha que ele preparou são extremamente úteis (link no fim deste texto). Chegamos às 8:30h de sexta-feira e atracamos o Feitiço na barranca.
Decidimos aproveitar o dia, deixando o sono pra lá. Passeamos de bote pela sanga, velejamos até o Rio Morto, e depois cruzamos o Monjolo, a passagem entre a Ilha Grande e o continente. Voltamos à Sanga do Pimenta no meio da tarde. O sono e a fome começaram a apertar. O Cylon assou um saboroso churrasco à beira d'água, enquanto o comandante e eu subimos a sanga no bote. Às 21:30h todo mundo já tinha ido dormir.
O local tem acesso fácil por terra, não sendo por isso dos mais confiáveis quanto à segurança. No entanto, não vimos ninguém (talvez por não ser final de semana).
Atrações da Lagoa
Pio de vários bichos, canto de muitos pássaros. Diversos tons de verde, o reflexo do sol da manhãzinha na água quieta da sanga, mais pássaros, mais bichos. Bandos de quase 100 marrecas. São as atrações daquela natureza pujante. Paisagens alternadas entre os descampados e os capões na costa da lagoa. Canais e ilhotas.
Passeando com o bote na sanga do Pimenta, o Cylon deu de cara com uma família de capivaras. O Rio Morto é um curso d'água sem saída, de 1,2mn, com uma grande variedade de espécies da flora. Muitas bromélias sobre as árvores, e muitos peixes pulando na água.
Um pouco de História
Por ali onde navegamos, passou o safado do Giusepe Garibaldi em 1839, a bordo do Seival, na Revolução Farroupilha.
Anos depois, por volta de 1910, a lagoa do Casamento fazia parte da rota do comércio entre Porto Alegre e Torres. Os vapores vindos do Guaíba passavam pela Lagoa dos Patos para entrar na Lagoa do Casamento e chegar a Palmares do Sul, à beira do Rio Palmares. Dali, por estrada de ferro, iam a Osório, e daí pelas lagoas do litoral norte chegavam quase a Torres. Naquela época, conta o Comandante Portinho, o Canal do Furado era periodicamente dragado para que as embarcações dos Diehl, Dreher & Cia Ltda transportassem suas mercadorias.
Recordando Walt Disney
Encontramos diversos barcos pesqueiros, desde a saída da Lagoa dos Patos. Os pescadores, via de regra, são prestativos e amistosos. Mas nem sempre.
Na entrada NW do Monjolo encontramos o barco Lais de Guia. Os 3 pescadores a bordo estavam jogando as redes, e ficamos na dúvida se poderíamos passar por onde intencionávamos. Tentamos contato.
- Tem rede aqui?, perguntou o comandante, apontando na direção suspeita.
(sem resposta)
- Tem rede aqui?...
(nada de resposta, a 10 metros de distância, motores desligados, sem vento)
- Por aqui tem rede?
(nada)
- Dá pra passar por aqui?...
Finalmente veio resposta seca do timoneiro:
- Tem bebida?
Aquela região alagadiça da Lagoa do Casamento faz lembrar da Everglades, na Flórida, onde o vilão João Bafo-de-onça circulava nos barcos de pântano com sua típica truculência. Tudo a ver.
Armadilhas do Casamento
A Lagoa do Casamento apronta as suas. Em uma das inúmeras vezes que o Comandante Portinho velejou por lá, passou a noite atracado no Arroio Cavalhada, onde entrou com 1,20m de profundidade. O vento Nordeste bateu forte a noite toda. No amanhecer apareceu a surpresa. O arroio tinha apenas 55cm de profundidade. Ficaram 2 dias presos. Mas assim como o NE forte pode baixar muito a lagoa, o Oeste encarrega-se de enchê-la novamente. Em nossa navegada tivemos pouco vento. Usamos bastante o motor, como no Rio Morto (foto ao lado).
O Comandante Portinho chama a atenção para a saída da lagoa com o Nordeste soprando forte.
Se encalhar, é mais complicado para sair.
E dá mais uma dica: se nos pontos do Mestre Knippling das Desertas houver 1,20m, de modo geral as profundidades na lagoa estarão ótimas para um O'Day23.
Banho de lagoa nas Desertas
No retorno da Lagoa do Casamento, fundeamos o Feitiço lá na Ponta das Desertas para tomarmos um banho na Lagoa dos Patos. A água ali é muito clara.
A largura da ponta é algo como 400m. Bem próximo dali haviam umas árvores altas, das poucas que cresceram nas Desertas. Há também animais. Uma manada de cavalos (menos, menos), aparentemente selvagens, galopava pelo areial com potrilhos. Tarrãs e outras aves compunham a orquestra.
O graxaim e a lebre
Em uma das praias que visitamos no passeio haviam pegadas e mais pegadas de bichos, na maioria aves. Cylon identificou pegadas que mostravam a perseguição havida ali na véspera. Um graxaim correu muito atrás de uma lebre que fez uma virada de bordo radical para bombordo para escapar dos dentes do perseguidor.
Volta
Na volta passamos pela praia do Tigre, sem desembarcar, e atracamos na Ilha Chico Manoel, onde permanecemos por uma hora. Navegamos 120mn (222km), em 46h. A navegação foi feita por GPS em grande parte do percurso (à noite, em redundância). O motor foi utilizado talvez na metade do percurso, pela falta de vento. Trechos a motor foram timoneados pelo piloto automático. A navegação estimada foi realizada a partir das cartas da Marinha e do Comte Portinho, e com informações do Comte Manotaço e do meu Mestre Knippling. Colaborou também com informações Christina Silveiro. Os agradecimentos da tripulação do Feitiço a toda essa gente boa.
Ao comandante Jorge Feitiço, muito obrigado pela belíssima navegada propiciada, e pela excelente companhia nesta indiada inesquecível. Ao Cylon, muito obrigado pela iniciativa e companheirismo a bordo.
Como nos velhos tempos
Um veleiro é sobretudo aquele barquinho de criança, e os tripulantes são aqueles mesmos caras que brincavam com ele. Os videogames chamam-se GPS, Eco, Plotter, mas encantam do mesmo jeito. Temos também nossos monstros marinhos para atucanar.
Embarcamos para resgatar o gosto pela aventura, em busca de atividades lúdicas. Navegamos para ter o prazer de conviver harmoniosamente com nossos pares, em contato com a natureza.
Para mim, acima de tudo, é este o significado da expressão "Navegar é preciso". E como é preciso!
-o-
Versos de cruzeiro
Tomar banho de lagoa
enquanto o canto da bicharada ressoa.
Assar carne, na beira da sanga, com fogo de lenha.
E contar histórias, e ver o pôr-do-sol enquanto convenha.
Navegar por instrumentos, na escuridão.
O sabor de encontrar o destino,
sem a visão.
Ver o sol nascer
depois de virar a noite,
por puro prazer.
A lua acompanhando a madrugada
da sexta-feira enforcada.
Tudo como na adolescência.
Prazeres quase esquecidos.
Reminiscências.
Disso tudo só resta uma certeza.
Por aquele rumo não cruzou a tal da tristeza.
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(*) Rumo Magnético
(**) trackback é um recurso do GPS que permite voltar exatamente pelo caminho da ida.
1mn = 1 milha náutica = 1.852m
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Horários aproximados
(lidos do track) |
Veleiros do Sul (Partida) |
22:15 |
quinta-feira |
Ponta Grossa |
23:15 |
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Ilha Chico Manoel |
23:45 |
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Saco de Itapuã |
01:00 |
sexta-feira |
Ponta da Fortaleza |
01:50 |
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Praia do Sítio (chegada) |
02:10 |
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Praia do Sítio (saída) |
03:30 |
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Farol de Itapuã |
03:40 |
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Travessia das Desertas |
05:45 |
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Nascer do Sol |
06:35 |
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Passagem do Manotaço (entrada) |
07:15 |
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Passagem do Manotaço (saída) |
08:00 |
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Sanga do Pimenta (chegada) |
08:30 |
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Sanga do Pimenta (saída) |
10:10 |
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Rio Morto (entrada) |
13:15 |
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Rio Morto (saída) |
13:58 |
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Passagem Monjolo NW |
14:02 |
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Passagem Monjolo SE |
14:21 |
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Passagem Monjolo NW |
14:40 |
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Ilha do Furado |
15:25 |
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Sanga do Pimenta (entrada) |
16:25 |
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Sanga do Pimenta (saída) |
09:40 |
sábado |
Passagem do Manotaço (entrada) |
09:58 |
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Passagem do Manotaço (saída) |
10:11 |
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Travessia das Desertas |
11:38 |
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Parada para banho nas Desertas |
12:00 |
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Retomada |
13:00 |
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Praia do Tigre (passada) |
14:07 |
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Retomada |
14:18 |
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Farol de Itapuã |
14:35 |
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Ilha Chico Manoel |
16:30 |
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Retomada |
17:20 |
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Veleiros do Sul (Chegada) |
19:45 |
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