01 Agosto 2004
Largar tudo e sair a velejar mar afora. Sem data para nada. Sem compromisso algum, nem mesmo o de chegar a algum lugar pré-determinado. Este é o sonho de muitos velejadores, que começará a ser realizado nesta semana por um experiente velejador gaúcho.

O Capitão Amador Felipe Loss, também conhecido por Susto, está desatracando neste domingo, 8 de agosto, do Clube dos Jangadeiros. O Rumo é sul. Arroio São Miguel, o ponto mais meridional do Brasil em águas doces, nos confins da Lagoa Mirim, no Chuí, bem na divisa com o Uruguai. De lá volta até Rio Grande, de onde vai a Florianópolis, na perna mais difícil do Brasil. De Florianópolis seguirá pela costa brasileira até o Oiapoque. Estes são os planos do experiente navegador em um pequeno veleiro (21' ou 6m).

Navegar em solitário: coisa de ermitão?
Felipe, que já navegou 16.500 milhas náuticas no mar, desta vez vai navegar só. Quem pensa que navegar em solitário seja coisa de eremita, à moda Amyr Klink, engana-se redondamente. A cada 2 ou 3 dias, Felipe estará atracando em um novo porto onde certamente fará muitos amigos e amigas nesta viagem. Mesmo confiante e seguro do que está fazendo, Felipe é uma pessoa modesta, "na dele", e não é de fazer alarde.

Na proa, sobre o "beliche", as velas e containers com roupas e acessórios.

Este engenheiro mecânico de 32 anos, especialista em logística, demitiu-se de um emprego estável e resolveu realizar seu sonho.

Felipe já atravessou a Europa de bicicleta, já participou de várias regatas de médio e longo curso, já deu aulas na Escola de Vela do Jangadeiros, e já foi medidor de barcos para regata.

Esta velejada poderá ser uma boa preparação para a TranSat 2007, uma regata de travessia do Atlântico em solitário para barcos de pequeno porte, mais um sonho de Felipe, velejador desde os 15 anos.

Recursos escassos
Se por um lado Loss esbanja recursos técnicos e experiência, por outro, até o momento não conseguiu obter patrocínio para a viagem. Mesmo assim, não desistiu. Vendeu o carro para custear as despesas da navegada. Estima gastar até mil reais mensalmente entre despesas com o barco, alimentação e outras. Durante o percurso, poderá fazer trabalhos como skipper, deixando seu veleiro atracado enquanto conduz outros veleiros pela costa brasileira.

Felipe com o refletor de radar (à esq) que logo instalaria no stai de popa. O molinete deverá ajudar a garantir peixe a bordo.

A falta de patrocínio apenas valoriza a tenacidade e força de vontade do Felipe. Enaltece a realização do sonho. Sair mar afora com um 21' já é uma empreitada de primeiríssima categoria. Fazer isso sem patrocínio, é outra.

Equipamento a bordo
Além do chart plotter, o barco está equipado com ecobatímetro, speedometer, rádio VHF e piloto automático. Felipe leva ainda um telefone celular e um GPS portátil de reserva. Com um jogo de 4 velas (grande, genoa3, gennaker e storm), e motor de popa de 15HP para situações de emergência, leva ainda as cartas do litoral e muitos livros para passar o tempo com ventos folgados.
Um fogão à gás de uma boca e um pequeno container para gelo auxiliarão no preparo e conservação dos alimentos, basicamente massas, cereais e frutas, e lingüiça e charque para manter um mínimo de proteínas.

Sono x Segurança
Como o veleiro do Felipe é Classe II, não poderá afastar-se mais do que 20 milhas da costa. Isso fará com que navegue em uma faixa do mar entre a utilizada pelos barcos pesqueiros que trafegam junto à rebentação, e a faixa dos navios de transporte. Mas isto não é uma delimitação, é mera expectativa. Ele vai enfrentar algum tráfego, com certeza.

Em um veleiro de pequeno porte, o tempo médio entre avistar um navio no horizonte e ser alcançado por ele é de 20 minutos (sim, claro que varia). Este é o tempo que Felipe pretende dormir sem interrupções durante a noite. A cada período desses, sairá da cabine, dará uma olhada no horizonte, e dormirá novamente.

Caso o barco fosse equipado com radar, dormiria tranqüilo, despertando apenas quando o alarme soasse.
Será mesmo?
Não. Mesmo que o barco tivesse mais baterias (e um carregador) para manter um radar operando, não poderia dormir tranqüilo, salvo com vento em popa. Quando em orça o barco aderna e o radar não oferece cobertura adequada. A barlavento detectaria aviões, e à sota, nada.

Felipe está instalando um refletor de radar. É uma peça metálica presa ao stai de popa, que reflete a onda emitida pelos radares dos navios nas proximidades. É uma forma de ser visto na tela do radar dos outros.
O maior receio do Felipe na navegada? Ser abalroado.

Objetivos
Além de velejar, são objetivos da navegada o turismo, um preparativo para a Transat 2007 (La Rochelle - Salvador), e trabalhar como Skipper no Norte/Nordeste, onde a mão de obra especializada é muito bem-vinda. Dentro de, no máximo, 1 ano deverá estar de volta ou refazer os planos.

Felipe timoneando o Auguri II

Pré-requisitos
Para lançar-se em uma aventura dessas é preciso ser algo especial.

Um romântico, talvez, para sonhar tão alto e acabar realizando o sonho. Diferente de um sonhador, que vive de devaneios, sem realizar o sonho.

Um aventureiro, claro.

Um corajoso. Diferente de irresponsável. Quem conhece o mar e já enfrentou tempestades, como o Felipe, sabe o que poderá ter que encarar.

Um precavido. Felipe teve que adaptar o barco para a empreitada. Originalmente a vela Grande tinha apenas 1 rizo. Como não existe no mercado retranca deste barco para 2 rizos, teve que adaptar com roldanas. E fez a genoa rizável também. Como essas, outras adaptações e alterações precisaram ser feitas para garantir o padrão requerido pelo navegador.

Candidatos a tripulante
O sonho do Felipe pode ser o mesmo de outros velejadores sonhadores, mas será que todos topariam esta parada, de verdade?
Não faltam candidatos para tripular o barco do Felipe.

Falei com o Comandante Pedro Chiesa, do Clube dos Jangadeiros, amigo do Felipe:
"Conheço o Susto desde que ele iniciou na vela. Sempre foi um cara tranqüilo, com um ótimo bom senso e conhecimento de vela.

Cmte Pedro Chiesa no centro, e Felipe Loss na popa

Tive o prazer de convidá-lo há dois anos atrás para fazer parte da tripulação do Auguri II no retorno de Floripa, o que ele prontamente aceitou.

Foi um tripulante exemplar em todos os sentidos. Ele tem plenas condições de fazer esta empreitada.

Já me convidei algumas vezes para ir com ele de Rio Grande a Floripa (nesta navegada).
Desejo bons Ventos e vou ficar torcendo daqui."

Perseguindo o sonho
Felipe percebeu que o momento ideal para a realização do seu sonho é este. Está em uma idade ótima, em excelente condição física, com saúde, experiência, disposição, sem dívidas, e com excelentes condições de tentar viver fazendo o que mais gosta. Pois aí vai ele, perseguindo seu sonho.

A torcida é tua Felipe! Um Brasil inteiro torcendo pelo teu sucesso.
Acompanhando a realização do teu sonho, estaremos todos nós realizando também um pouquinho do nosso.

Bons ventos! Sempre.

Danilo.