25 Set 2009
Ventos em torno de 35 nós danificaram vários veleiros durante a realização de regata no Rio Guaíba, em Porto Alegre, em 19 de setembro de 2009. O catamarã Charlie Bravo V, de 43 pés, não foi o único a ser desmastreado. Outros barcos tiveram panes importantes, como a perda do leme. "Quando vi que até o Charlie Bravo andava adernado, percebi que o vento estava forte mesmo", disse a velejadora Maxi de Paula, que observava a competição no Iate Clube Guaíba.
O Charlie Bravo V, construído em madeira há 15 anos, fez inúmeros cruzeiros pela Lagoa dos Patos e costa do Brasil. Tem 3 cabines com acomodação para casal, 2 banheiros, 2 motores, gerador, ar condicionado e até secadora de roupas. Contudo, participa ativamente de competições no Rio Guaíba. É aperfeiçoado e mantido com esmero pelo comandante e idealizador de seu projeto de construção, Comandante Paulo Hennig.
O robusto mastro do catamarã partiu-se ao meio e imediatamente foi para a água, felizmente sem causar danos à tripulação. O veleiro tinha contornado a bóia luminosa 120 do Canal do L eitão, a mais distante da linha de largada, quando, após o impacto de duas ondas sucessivas, "o mastro foi e o barco ficou". O mastro construído em alumínio, de seção aproximadamente retangular e pesando 13kg/m, tinha 18 metros de comprimento. Incluindo estaiamento, velas, cabos, ferragens e outros acessórios do mastro, o peso total era de aproximadamente 400kg. Em que pese o prejuízo, considerando velas e acessórios agregados, a embarcação praticamente nada sofreu em decorrência da desmastreação.
Logo após o ocorrido, com o veleiro chacoalhando nas ondas, foram retirados os pinos de fixação do estaiamento junto ao convés, para soltar o mastro da embarcação. O peso do mastro exercia tensão nos pinos, exigindo muito cuidado na sua retirada.
O mastro submerso ficou sinalizado por bóias, e as coordenadas do ponto foram registradas. A profundidade do rio no local é de 5 metros. No dia seguinte o vento continuava forte, desfavorecendo o resgate do mastro. Na segunda-feira, 21 de setembro, último dia do inverno, a operação foi realizada com sucesso graças ao trabalho de competentes profissionais contratados e de amigos do comandante, além do apoio do Veleiros do Sul, o clube náutico em que o veleiro é hospedado.
Uma operação nada corriqueira para velejadores foi montada para resgatar o mastro do fundo do rio. O ideal seria talvez, dispor de uma cábrea com guincho, mas na falta deste recurso, a operação foi realizada com embarcações leves, mão de obra e, principalmente, técnica e boa vontade. Participaram da operação um total de 7 embarcações, incluindo 3 botes infláveis.
Trazendo o mastro à supe rfície
O objetivo da missão, plenamente alcançado, era levar o mastro para o Veleiros do Sul. A empreitada compreendeu 4 etapas: içamento do fundo do rio, embarque, transporte e desembarque.
Para executar a primeira parte do plano, o Comandante Paulo Hennig contratou o Comandante Pedro Sidou, engenheiro mecânico, velejador, piloto de avião e ultraleve, e mergulhador com larga experiência em mergulhos profissionais, dentre outras especialidades não triviais. É um MacGyver bigodudo e de boa paz, dono de interessantes histórias vivenciadas em suas missões. Sidou [Sidú ] levou ao local uma parafernália de equipamentos.
A aproximação ao ponto marcado no dia do incidente foi orientada por GPS a bordo do Charlie Bravo. Mesmo com o rio ainda calmo pela manhã, seria difícil encontrar as bóias de sinalização do mastro sem o auxílio do GPS: o Rio Guaíba tem largura entre 3 e 4 milhas náuticas naquela região.
Após o fundeio no local, Sidou mergulhou para inspecionar o mastro, utilizando a técnica "narguilé", em que o mergulhador respira através de máscara conectada à uma mangueira que traz ar de um cilindro pressurizado, a bordo da embarcação de apoio.
Em seguida, o mergulhador amarrou cabos às bombon as (reservatórios) de plástico de 200 litros e outras menores, e as encheu com água. Mergulhou novamente e amarrou as bombonas ao mastro. Voltando à superfície, Sidou apanhou cilindros de ar comprimido e desceu novamente para encher as bombonas com ar. Assim, aos poucos o mastro foi subindo. A densidade do alumínio é tal que, mergulhado, pesa em torno da metade do peso na superfície, disse o comandante mergulhador.
A água do rio estava bem marrom, por conta da grand e precipitação na região nas últimas semanas. As velas estavam fixadas ao mastro submerso, como também os estais e os cabos. Com a visibilidade zero da água, havia uma "armadilha submersa" à espera do mergulhador. Safo na faina, Pedro Sidou fez o tope do mastro do Charlie Bravo aparecer em apenas uma hora e meia após o primeiro mergulho. O trabalho é aparentemente muito simples, mas oferece risco, e requer técnica, experiência e equipamento adequado.
Embarcando o mastro
O Comandante Alexandre Rimoli, empresário de manutenção de embarcações, preparou o embarque do meio-mastro trazido à tona, com destacada participação em toda a operaçã o.
Participaram também da missão, a bordo da baleeira, o Comandante Astélio dos Santos e o Marinheiro Joel, dentre outros.
Mas como suspender o mastro acima da borda da baleeira, sem um guincho?
A operação contou com a experiência e comando do Comandante Niels Rump, fabricante de mastros, inclusive do mastro em questão. Niels manobrou seu veleiro Haithabu e guinchou o tope do mastro do Charlie com uma adriça. A es sas alturas, o vento de sudeste fazia ondas que balançavam a baleeira, dificultando o embarque. Niels resolveu então rebocar o meio-mastro semi-submerso até a costa norte da Ponta Grossa, abrigada do vento, para lá então embarcá-lo.
Neste meio tempo a cozinha do catamarã tentava dar conta da fome daquele povo todo. Carla Aaron, Imediata do Charlie Bravo, preparou sanduiches e cachorros quentes, distribuídos ao pessoal nos infláveis.
Com uma segunda a driça baixada do mastro do Haithabu foi possível embarcar a primeira metade do mastro do Charlie na baleeira. A outra metade, que veio arrastada até a Ponta Grossa presa à metade emergida, foi embarcada também. A faina exigiu técnica e muito esforço físico. O mastro subiu com vela e tudo o mais, a não ser a antena do radar que, aliás, já tinha 14 anos de boas varreduras.
Amarrado o mastro no convés da baleeira, a vela foi passada para o barco de apoio do Veleiros e o estaiamento preparado para o transporte. As embarcações retornaram ao clube no final da tarde.
A imagem do imponente Charlie Bravo V desmastreado no ventão durante a regata, impressionou. Alguns participantes desistiram quando viram a cena, como o Comandante João Daniel Nunes, do Delta 26 Jodan. "Querem uma desculpa para justificar a desistência?", indagou ele à sua tripulação. "É porque uma vaca bateu na cruzeta", brincou.
Como mero assistente da operação, apreciei a técnica e a garra do pessoal envolvido. No entanto, o que mais me chamou a atenção foi a grande capacidade de resignação do Comandante Paulo Hennig e seu bom senso de humor diante da adversidade.
Que em breve o Charlie Bravo V esteja novamente velejando, ainda melhor.
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