Regata Buenos Aires - Rio de Janeiro, 1947
Um final emocionante!
Átila Böhm

05 Ago 2012
Recentemente participei de regatas em que também participaram o ALFARD e o CANGREJO, os dois veleiros que participaram da primeira regata Buenos Aires – Rio. Isto me levou a meditar sobre como teria sido a regata de 1947.
Após alguns meses de pesquisa e com a ajuda do Ricardo Galarce do Yacht Club Argentino, Francisco Billoch da Associação Argentina de Veleiros Clasicos, Fernando Pimentel Duarte (tripulante do VENDAVAL em 1947) do Iate Clube do Rio de Janeiro, Roberto Geyer do Iate Clube do Rio de Janeiro, Jonas de Barros Penteado do Iate Clube de Santos e a Biblioteca do Veleiros do Sul, consegui reunir informações sobre os barcos e como teria sido a regata.

Os destinos Rio Grande-RS e Rio de Janeiro eram conhecidos pela flotilha argentina, de modo que o litoral brasileiro começou a ser considerado como um destino natural para uma regata de longa distância. Assim sendo, em 1945, Hipolito Gil Elizalde diretor da revista Yachting Argentina e a equipe do FJORD II, lançaram a ideia de organizar a Regata Buenos Aires - Rio de Janeiro (1.200 milhas).
No Rio de Janeiro, José Candido Pimentel Duarte, diretor da revista Yachting Brasileiro, tratou de implementar a ideia da nova regata oceânica entre os brasileiros (na foto ao lado, Duarte cumprimenta Justo).

Em fevereiro de 1946, Duarte foi velejando para Buenos Aires em sua iole VENDAVAL, para consolidar a comissão organizadora que se formava. No seu trajeto de ida fez escalas em Punta del Este e Montevideo e, na volta, fundeou em Rio Grande, Porto Alegre, Florianópolis e Santos, onde alem de incentivar o iatismo, estimulou outros velejadores a participarem do grande evento.

A comissão organizadora, liderada por Hipolito Gil Elizalde e José Candido Pimentel Duarte, após 14 meses de trabalho conseguiu realizar a largada da regata. A imprensa argentina e brasileira deram amplo espaço para o evento. Houve grande apoio das Marinhas de ambos os países, tanto no patrulhamento da área da regata como no monitoramento dos participantes da regata.

No dia 4 de janeiro de 1947, às 17 horas, largaram nove dos dez barcos inscritos (foto acima). Este foi um grande dia no porto de Buenos Aires, Dársena Norte, donde se podia ver um lindo espetáculo. As primeiras horas da regata foram de vento Nordeste fraco, com contravento na saída do porto. O VENDAVAL navegava na dianteira, mas após alguns problemas com as velas de proa e o vento aumentando de intensidade, às 20 horas o EOLO assumia a liderança e o VENDAVAL em segundo. Em uma hora o VENDAVAL o ultrapassava novamente.

No dia 5, ao amanhecer, Montevidéu estava no través da flotilha, com o VENDAVAL em primeiro, seguido pelo EOLO. O décimo barco inscrito, FJORD III, ficou pronto e com autorização emitida pela comissão organizadora, fez sua largada em solitário.
No dia 6 o vento diminuía gradualmente e o VENDAVAL içava novamente a genoa #1 e a mezena.

No dia 7 pela manhã o VENDAVAL permaneceu encalmado perto a Ilha dos Lobos, em frente à Punta del Este, enquanto os barcos que navegavam próximos à terra aproveitavam um vento que soprava junto à costa, tendo assumindo a liderança o VAGABUNDO II, seguido pelo EOLO (na foto ao lado, antes da largada).

Às 14 horas entrou um vento sul e foram içados os balões. O VENDAVAL diminuía a distância do VAGABUNDO II, que assumira a liderança. O vento foi aumentando de intensidade. O VENDAVAL velejava a 10 nós, aproximando-se do VAGABUNDO II até que a malagueta onde a adriça do balão estava amarrada, quebrou soltando a enorme vela para dentro da água. Toda a tripulação se empenhou em recolher a vela sem lhe causar estragos.
Na altura do Cabo Polônio, o vento voltou para Nordeste com rajadas violentas. O VENDAVAL navegava um pouco à frente do EOLO e do ALFARD, com vento de Noroeste moderado. Desta tarde em diante o VENDAVAL perdeu o contato visual com os adversários.
No dia 8 o VENDAVAL fez 195 milhas náuticas com vento Sudoeste. Na foto ao lado, o VENDAVAL e o ALFARD na Baía da Guanabara.

No dia 9, o vento acalmou e com uma aragem, o VENDAVAL navegou até a Pedra do Campo Bom, a poucas milhas ao Sul do Cabo Santa Marta.

No dia 10, após montar o Cabo Santa Marta, o navio de guerra da Marinha Argentina MURATURE aproximou-se do VENDAVAL para informar que estavam a 45 milhas a frente do ALFARD e do EOLO, que navegavam lado a lado.

No dia 11, de pouco progresso pelos ventos fracos, veio a notícia de que o EOLO havia dado o bordo para o mar, estando a 65 milhas da costa, e o ALFARD escolhera o bordo de terra. Por isso a decisão a bordo do VENDAVAL foi de procurar um rumo mediano, já que não poderia marcar seus adversários, que escolheram estratégias opostas.

No dia 12, o VENDAVAL, o ALFARD e o EOLO estavam praticamente à mesma distância da chegada. O ALFARD por terra, o EOLO afastado da costa, e o VENDAVAL pelo centro. Às 22 horas, segundo reporte do navio da Marinha do Brasil BERTIOGA, o VENDAVAL (na foto ao lado chegando ao Rio de Janeiro) navegava bem com vento Nordeste.

No dia 13 o vento varia de intensidade, de fraco a moderado, e as posições se alternam.

No dia 14, na madrugada, o vento ronda pra Noroeste aumentando de intensidade. O ALFARD por terra, próximo a Ilhabela, e o VENDAVAL afastado da costa.
Fernando Pimentel Duarte, tripulante do VENDAVAL, na época com 17 anos de idade, relatou o seguinte: “Vínhamos navegando, desde o través de Ilhabela, com um noroeste forte, à velocidade de 9 nós, e sabíamos que o ALFARD navegava mais próximo a costa. Ao amanhecer o avistamos a duas milhas da nossa popa”.

No dia 15, às 04 horas, segundo o relatório do navio da Marinha do Brasil BERTIOGA, o ALFARD (foto ao lado, entrando na Baía de Guanabara) encontrava-se 5 milhas atrás do VENDAVAL, próximos ao Rio de Janeiro. Às 09 horas o VENDAVAL entra na Baía da Guanabara, seguido a 300 metros pelo ALFARD.

Escoltando os dois veleiros estavam os navios de guerra da Marinha Argentina MURATURE e o GOIANA da Marinha do Brasil.
Com todos os panos em cima, vento em popa, os dois veleiros vagarosamente avançavam para a linha de chegada.

O ALFARD diminuía a distância para seu adversário e, em uma manobra estratégica, forçaram a proa do VENDAVAL para a Ilha da Boa Viagem na costa de Niterói.

Na última manobra do percurso, o ALFARD, de 50 pés de comprimento, bem mais leve e com sua tripulação treinada em manobras de regata, executa o jibe com precisão. O VENDAVAL, com 65’ de comprimento e seu balão de quase 200 m2, executa sua manobra com dificuldade, deixando seu adversário abrir a vantagem de 1minuto e 30 segundos na linha de chegada.

Assim terminou a primeira regata Buenos Aires – Rio de Janeiro, com o ALFARD fazendo fita azul e primeiro lugar em tempo corrigido. Sua tripulação foi formada por Filipe Justo (comandante), Claudio Bincaz, Benito de la Riega, Humberto Machiavello, Jose H. Monti, Hercules Morini, Alberto Suñer, Fernando Soriano e Hugo V. Tedín (na foto ao lado, Duarte cumprimenta Justo, no Rio).

Barcos participantes e suas tripulações

ALFARD – Participou de 2 edições da BsAs/Rio. Na edição de 1950 ficou em 8º lugar no tempo corrigido.
VAGABUNDO II – Navega no Mediterrâneo com o mesmo nome e participa das regatas do calendário de clássicos.
Tripulação: Eberardo Schweizer (comandante), Martin Ezcurra, Lucas Carlos Glastra, Horacio Campi, Manuel Martinez
VENDAVAL – Participou de 3 edições da BsAs/Rio foi Fita Azul em 1950 ficando em 3º lugar no tempo corrigido.
Tripulação: José Candido Pimentel Duarte (comandante), Vitor H. Demaison, Jose Luiz Pimentel Duarte, Fernando Jose Pimentel Duarte, Francisco Alvarez, Amilcar de Garcia, George Byron Watson, Mario Ramos, Flavio Porto Barroso, João Pinto, Jose Eira
CANGREJO – Participou de 4 edições da BsAs/Rio. Foi vendido para um brasileiro que o rebatizou de Nataly e hoje navega no Brasil como nome original (na foto ao lado, em 1950).
Tripulação: Jorge Brauer, Rodolfo Rivademar, Emilio Homps
BALUMA – Navega em Buenos Aires com o mesmo nome.
Tripulação: A Rodriguez Etcheto (Comandante), Ludovico Kempter, Carlos Stabile, Marcial V. Fernandez, José Maria
EOLO – Mudou de nome para Maracaibo e foi vendido para um brasileiro. Participou de 3 edições em 47, 50 e 53 da BsAs/Rio.
Tripulação: Joan Carlos Lone (comandante), Miguel Bosh, Toribio de Achaval, Hipolito Gil Elizalde, Eduardo Casado Sastre, Carlos Ayerza, Adolfo Guido Lavalle, Jayme Llorca
GYPSY III  (na foto abaixo) - Tripulação: Antonio Recupero (comandante), Rafael Gamba, Eduardo M. Gomez, Alejandro A. Nicola, David Braisted, Antonio Llinares,
FJORD III – Participou de 2 edições da BsAs Rio em 47 ficou 8º e vencendo em 1950 no tempo corrigido. Na regata Newport Bermuda 1954 foi 1° na Classe.
Tripulação: German Frers (comandante), Arturo C. Llosa, Rodolfo Vollenweider, Amadeo Ilurralde, Marcelo Petersen
CAESAR – Dia 08 de janeiro em uma manobra para baixar a vela grande, a adriça travou, impedindo que fosse baixada. Em função dos fortes ventos, o comandante Roberto Hossman tomou a decisão de pedir ajuda ao navio da Marinha do Brasil Goiana, que o escoltou até o porto de Rio Grande. Participou de 2 edições da BsAs Rio, em 1950 com bandeira uruguaia.
Tripulação: Roberto Hosmann (comandante), Juan Carlos Ure Aldao, Joan Antonio Carlos Verges, Rodolfo E Morelli
DON PEDRITO – Dia 10 de janeiro quebrou o mastro no través de Tramandaí – RS, foi rebocado pelo navio Grajaú da Marinha do Brasil para Florianópolis – SC. Tripulação: Gustavo Eugênio de Oliveira Borges (cmte), Alberto Niquet, Franz F. Schwlbe, Benevuto Cardu
.

Resultado da Regata BsAs - Rio 1947

COL  NUMERAL BARCO LOA ANO COMANDANTE CLUBE PROJETISTA / ESTALEIRO TEMPO
1 (Fita Azul) A 22 ALFARD 51 1942 Felipe A. Justo YCA Frers 10 17 40 40
2 A 9 VAGABUNDO II 42 1945 Eberardo Schweizer YCA Frers / Astillero Domingo Cattani  11 06 35 21
3 BL 3 VENDAVAL 65 1942 Jose Candido Pimentel Duarte ICRJ S & S / Brazilian Coal Rio 10 17 42 12
4 A 115 CANGREJO - Nataly (Bra) 40 1944 Enrique Salzman YCA Frers 11 18 37 46
5 A 47 BALUMA 39 1947 A. Rodriguez Etcheto   Niel Sorensen Viale 11 19 48 16
6 A 25 EOLO - Maracaibo 47   Juan Carlos Lonne     11 08 50 30
7 A 53 GIPSY III 43 1945 Antonio Recupero YCA Frers / Astillero Domingo Cattani 11 19 51 26
8 A 141 FJORD III 50 1947 German Frers YCA Frers 11 18 51 17
DNF A 146 CEASAR 38 1946 Roberto Hosmann   Roberto Hosmann  
DNF BL 4 DON PEDRITO     Gustavo E. Oliveira Borges      

 

Disputa acirrada no litoral paulista

 

 

Depois de 1.200MN navegadas, a vitória por 1 minuto e meio

Rio - Buenos Aires 1950

Comentários recebidos

27 Mai 2013
Victor R. Demaison

Caro Átila,
Só tomei conhecimento desta reportagem hoje. Mas faço questão de te parabenizar, mesmo que tardiamente.
Abs,
Victor R. Demaison
C

12 Mar 2013
Jurandir Moraes

belissima reportagem, ou melhor excelente peaquisa.
um abraço

06 Fev 2013
José Carlos Lodovici

Prezado Átila,
Meus comprimentos pela ótima pesquisa, sobretudo fotográfica. Gostaria de saber qual foi o brasileiro que comprou o Eolo e se vc tem alguma fotografia (mais abrangente) do barco primitivo, antes da reforma pela qual passou, nos anos 70, no Brasil.

04 Set 2012
José Candido Pimentel Duarte
Caro Átila, muito me emocionou ler seu detalhado relato da regata, belo resultado de uma pesquisa minuciosa. Cresci escutando as histórias desta regata e da repercussão entre os argentinos do gesto de esportividade de meu avô, que foi cumprimentar o comandante do Alfard em seu barco assim que apoitaram. O Yacht Club Argentino afixou uma placa "A un grande hombre de mar" em seu túmulo. Abraços José Candido Pimentel Duarte

04 Set 2012
Ivan Gelabert
Parabéns! Trabalho perfeito, elogiável e impecável no resgate desta história.

03 Set 2012
Andreas Dierberger
Átila, muito bem pesquisado e colocado em linhas de forma emocionante! Admiração e respeito pelo trabalho!

18 Ago 2012
joão luiz sokolnik
De Skipper a reporter
parabens Átila
Abraço
Queijo

15 Ago 2012
Gustavo Rato Pacheco
Muito bacana o resgate dessa parte da estória da nossa vela de competição e recreio. Parabéns pelo trabalho. Agora falta a nossa (velejadores) parte dar continuidade a esta estória, participando das próximas edições...

08 Ago 2012
Great Classic
Como es su direccion  de email. saludos

08 Ago 2012
Emilo Oppitz
Parabéns Átila.
Excelente trabalho de pesquisa da história da vela.
Continue com este trabalho.
Abração.
Emilio

06 Ago 2012
Lars Grael
Parabéns Átila,
Devemos aos irmãos argentinos, uma representação brasileira digna dos anos de glória. Temos que resgatar nossos laços de amizade e prestigiarmos os 200 anos da Marinha Argentina.
Lars Grael

06 Ago 2012
benjamin haymes biedma
Muy lindo te felicito en enero nos vemos en punta del este

06 Ago 2012
jonas penteado
Atila:
Parabens pelo ótimo trabalho de pesquisa.
forte abraço
jonas penteado

06 Ago 2012
Ronaldo
Muito legal, a pesquisa riquíssima e o ótimo artigo. Parabéns!

06 Ago 2012
Paco Billoch
Excelente tu articulo , te felicito!
Un abrazo

06 Ago 2012
Miguel V Petkovicz
Átila,
Ótima descrição da regata e pesquisa.
Faz um grande resgate da historia destas regatas de veleiros clássicos e vintages!!
Espero que o pessoal que tem material destas regatas clássicas te envie para que possamos ter mais reportagens como esta.
Parabéns e abraço

06 Ago 2012
Fernando Pimentel Duarte

Átila, fiquei feliz em ter colaborado com Vc. na recordação desta memorável regata, que é, sem dúvida, o início da vela de oceano no Brasil. Até a década de 1980, se não me engano, ela teve muito relevo entre argentinos e brasileiros. Com esse seu incentivo vamos ver se podemos reavivá-la.
Mais uma vez parabéns. Um forte abraço do
Fernando Pimentel Duarte - 06 ago 2012

06 Ago 2012
Julio

muy bueno Atila!!
te felicito por la pesquiza.
grande abraco.
Julio Labandeira ( atual proeiro do Alfard)

05 Ago 2012
Roberto Geyer
Parabéns Átila
A reportagem ficou perfeita retratando bem a regata.
Será guardada por todos nós como mais um registro da história do iatismo brasileiro.
Abraços
Roberto Geyer

05 Ago 2012
Eduardo Secco Hofmeister
Parabens Átila,
Grande reportagem, bela pesquisa.
Um abraço
Ferrugem


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