Entendendo a Navegação Astronômica
Plínio Fasolo

21 Nov 2012
A navegação astronômica é um processo de localização que caiu em desuso. Com o surgimento do GPS, que permite o conhecimento da posição com precisão extrema e com rapidez quase instantânea, o posicionamento através da observação dos astros tornou-se “peça de museu”. No entanto, ainda existem aqueles que, por curiosidade, ou mesmo por interesse histórico, têm o desejo de saber como funciona essa antiga tecnologia.

Inicialmente contarei uma pequena história que, penso, poderá ajudar o leitor a entender a essência do processo. Anos atrás estava trabalhando com uma turma de professores na cidade de Caxias do Sul. Nos finais de semana deixava Porto Alegre e meus alunos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul para dirigir-me a Caxias. Lá tinha encontros periódicos com os professores de Ciências da rede estadual de ensino. Os meus alunos de Porto Alegre eram estudantes da Faculdade de Física da PUCRS e com eles trabalhava a disciplina “Astronomia”. Foi então que surgiu a ideia de propor uma atividade conjunta, com ambos os grupos, coletando dados simultaneamente, mas distanciados por 111 km, que corresponde à distância em linha reta entre as duas cidades. Em atividade anterior, os participantes já haviam construído seus astrolábios de transferidor. Saiba como construir um Astrolábio

Também já haviam treinado a sua utilização e, portanto, já estavam aptos para medir a altura de um astro. Combinou-se que todos iriam medir a altura de uma mesma estrela, numa mesma data e no mesmo instante (horário). A estrela escolhida deveria estar no mesmo alinhamento da linha que une as duas cidades. Como Caxias do Sul está praticamente ao norte de Porto Alegre, a estrela eleita deveria ser observada ao norte ou ao sul (azimutes 0° ou 180°). Lembro que na ocasião a escolhida foi uma estrela do Sul, a alfa do centauro. Todos conseguiram realizar a medida. Pequenas diferenças foram observadas entre as medidas realizadas pelos participantes de um mesmo grupo. Foi calculada a média das medidas obtidas em Caxias do Sul: aCS O mesmo foi feito com as medidas obtidas em Porto Alegre: aPA. Comparados os resultados, constatou-se ser de 1,0° a diferença entre as duas médias. Como os raios de luz da estrela são praticamente paralelos (devido à imensa distância que separa a estrela da Terra) essa diferença de um grau deve-se à diferença entre os dois planos horizontais. Isto é, devido à esfericidade da superfície da Terra, o horizonte de Caxias do Sul se inclina 1° relativamente ao horizonte de Porto Alegre.
O esquema abaixo não obedece a uma escala:


Observem que tipo de raciocínio esses dados permite:
- se são necessários 111km para que o horizonte se curve de um grau, quantos quilômetro são necessários para que o horizonte se curve 360° ?
111km x 360 = 40,0 mil quilômetros, ou seja, o comprimento da circunferência da Terra.
- Onde se encontraria alguém que estivesse no mesmo alinhamento dado pelas cidades e que medisse aPA-0,2° ( ou seja, dois décimos de grau menor do que a altura da estrela medida em Porto Alegre)?
Uma regra de três daria:
1,0° corresponde a 111km 0,2° corresponde a X
X =( 111 x 0,2 ) = 22 km
Portanto, ele estaria 22 km ao norte de Porto Alegre.
Se a medida resultasse em aAP+0,2 ele se encontraria 22km ao sul de Porto Alegre.
No esquema abaixo ao são as alturas observadas e ae é a altura estimada.

 j = são as respectivas latitudes.
No caso da estrela estar sendo observada no sul, com o deslocamento do observador para o Sul o ângulo da altura ( a ) aumenta . Se o deslocamento for para o Norte o ângulo diminui.


Para melhorar o entendimento do processo, passamos a discutir questões que nos aproximarão um pouco mais da navegação astronômica.
Supondo que a medida da altura da estrela realizada por um observador às 19h 32min tenha sido 33,0° acima do horizonte norte e que, naquele instante, essa estrela se observada desde Porto Alegre (latitude de 30,1°) apresentava uma altura de 32,6°, qual seria a posição do observador? E qual seria a sua latitude?
Nesse caso os dados sobre Porto Alegre constituem a chamada “posição estimada”. Portanto a posição estimada é um local de coordenadas geográficas conhecidas, onde também se sabe as coordenadas horizontais do astro observado naquele instante.


Portanto, o observador está mais ao norte de Porto Alegre, já que mediu uma altura maior (do astro que está no norte,) do que a medida da altura do mesmo astro em Porto Alegre.
Latitude estimada (  j e : 30,1° )
Altura do astro na posição estimada ( ae : 32,6° )
Altura observada (ao : 33,0°)
Diferença: 0,4°
Latitude do observador: 29,7°, ou seja, 44,4 km ao norte de Porto alegre.


Os exemplos até agora apresentados foram limitados à coleta de dados sobre uma mesma linha norte, sul. Ou seja, as posições e os astros estavam alinhados ao longo de um mesmo meridiano. Então, apenas a latitude foi alvo de descoberta.

Sabemos que para definir, ou conhecer uma posição na superfície da terra, necessitamos saber as coordenadas geográficas desse local, ou seja, a latitude e a longitude.
Para tanto devemos escolher no mínimo três astros que, ao contrário do caso anterior, não estejam no mesmo alinhamento.

Por exemplo: um navegador, a bordo de um barco no mar, escolhe três astros (1,2 e 3), não alinhados, para medir suas coordenadas horizontais A e a, ou seja, o azimute e a altura de cada um.


O instrumento utilizado para medir com boa precisão a altura de um astro é o sextante.
Para determinar o azimute de um astro, uma alidade é um instrumento adequado, mas poderá ser utilizada a própria bússola do barco, colocando a sua proa na direção do astro.
O procedimento deve ser antecedido de alguma preparação.

Normalmente uma navegação se realiza com o acompanhamento de um navegador que registra os rumos e distâncias percorridas pelo barco permitindo que, em qualquer momento, se tenha alguma ideia ou uma estimativa da posição do barco.
Essa posição estimada é marcada em uma carta náutica. Na figura abaixo é o ponto vermelho.


Em seguida, por um dos processos que o navegador escolher e que serão descritos na sequencia deste texto, verifica-se quais seriam as coordenadas horizontais (A, a) de três astros visíveis, não alinhados, no momento em que o barco está na posição estimada.
Por exemplo: na carta que está servindo de ilustração a este texto, o ponto vermelho marca a posição estimada na latitude de 27° 35,65’ S e longitude 47° 36,86’ W.
Processos para obter as coordenadas horizontais de um astro observado de uma posição dada por suas coordenadas geográficas, em uma data e um instante determinado.
1- Consultando o almanaque náutico e tábuas de navegação. Fazendo interpolações, correções e cálculos.
2- Utilizando fórmulas da trigonometria esférica. (Fórmulas Úteis)
3- Verificando em qualquer planetário online ou software de Astronomia, entrando com os dados conhecidos.
Obviamente, o processo mais antigo, difícil e demorado é o primeiro. O processo mais fácil e rápido é o terceiro.
Continuando com o exemplo da carta acima ilustrada e utilizando o processo 3 ( software: “Stellarium”, baixa gratuito na Internet) chegamos ao seguinte resultado:
Por hipótese, a data e horário das medidas com o sextante e a alidade seriam realizadas dia 16/10/2012, ás 21h 35min.
As três estrelas escolhida devido às suas posições no momento e no local de observação foram: Achernar, Rigil Kent e Altair.
Verificando com o software Stellarium as coordenadas horizontais, obtivemos:
Achernar : A1= 148° a1= 50° 34’
Rigil Kent: A2= 203° a2= 8° 13’
Altair: A3= 300° a3= 29° 22’

Realizando as medidas com a alidade e o sextante resultou:
Achernar: A1= 148° a1= 50° 23’
Rigil Kent: A2= 203° a2= 8° 19’
Altair: A3 = 300° a3= 29° 40’

Geralmente, se a posição estimada não é muito distante da posição real, os azimutes não apresentam diferenças significativas.
Então se traçam na carta linhas radiais desde a posição estimada, marcando os azimutes dos três astros. Na figura essas linhas estão na cor azul.
Ao longo dessas linhas, cada minuto de diferença angular na altura de um astro corresponde a uma milha náutica.

No azimute 148° de Achernar, houve uma diminuição de 11’ na altura medida em relação à altura estimada. Logo o barco está mais afastado 11MN da posição estimada.
No azimute 203° de Rigil Kent, houve um aumento de 6’ na altura medida em comparação à altura estimada. Logo o barco está mais avante 6 MN da posição estimada.
No azimute 300° de Altair, também houve um aumento de 18’ na altura medida, comparada com a altura estimada. Logo o barco está 18 MN mais avante da posição estimada.
Marcam-se essas medidas com origem na posição estimada obedecendo a escala da carta. Elas são chamadas de “determinantes” no vocabulário náutico.


Como deslocamentos laterais, perpendiculares às linhas de azimute não modificam a altura observada, no final de cada determinante traçam-se linhas ortogonais transversas que corresponderão às posições em que o astro correspondente seria observado com a mesma altura. São as chamadas “retas de altura” do astro. Na carta náutica estão em amarelo.

Observação: por questões dimensionais das figuras, os determinantes não estão obedecendo a escala da carta, mas apenas a proporcionalidade entre eles.

Finalmente, a posição mais provável do barco, no momento das medidas tomadas com o sextante, encontra-se no interior do triângulo vermelho constituído pelas três retas de altura, a quase vinte milhas a oeste da posição estimada.

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Sobre o Comte Plínio Fasolo
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