Velejando no pampa gaúcho 30 Mai 2015 Desta forma, tenho muita identificação com nossa região da campanha, seus campos, banhados e matos. Ao longo do tempo, tive oportunidade de desfrutar da nossa paisagem pampeana acampando para fotografar, caçando perdizes e marrecões em um passado distante, às vezes até “campereando” em fazendas de amigos e também trabalhando em projetos de irrigação e meio ambiente, porém,sempre quis, mas nunca imaginei um dia poder navegar em pleno pampa gaúcho. No entanto, esta oportunidade apareceu e para meu deleite, aconteceu. O Raio de Luar passou um ano e meio fora do Estado, navegando entre Porto Alegre e o Rio de Janeiro, juntamente com o 4Fun do Luiz Ungaretti, gostaríamos de ter navegado mais longe, mais para o norte, mas as circunstâncias e compromissos nos levaram a rever os planos e retornarmos ao Rio Grande, pelo menos por enquanto, deixando para uma ocasião futura mais favorável fazermos a costa do nordeste brasileiro, Abrolhos, Fernando de Noronha e quem sabe até outras paragens ao norte do equador. Porém, nos divertimos muito nestes 18 meses de mar, convivemos de forma sadia, transformamos em milhares os números de milhas em nossos respectivos logs, pescamos, mergulhamos, pegamos brisas suaves, mares azuis, outros nem tão azuis, alguns ventos fortes e até tempestades...uma belíssima experiência e convictos da decisão de final deste verão de voltarmos, neste outono fizemos o trecho do Rio de Janeiro a Porto Alegre, os dois barquinhos agora no Veleiros do Sul.
Um dos melhores aprendizados destas muitas milhas navegadas e nas travessias mais longas que tivemos de fazer foi a meteorologia, estudamos muito e podemos dizer que acertamos quase todas as “janelas de tempo”, especialmente as que renunciamos, pois algumas vezes tínhamos a chance de fazer determinados trechos, mas a meteorologia trazia riscos que na maioria das vezes se confirmaram, e ao adiarmos os zarpes acertamos para oportunidades mais favoráveis, inclusive o último trecho, Pelotas-Porto Alegre, onde tivemos uma janela de tempo perfeita com ventos favoráveis de E-SE, fazendo estas cento e muitas milhas náuticas em 22h ininterruptas. Ou seja, confirmação do aprendizado permanente que temos quando navegamos. Outra descoberta que acalma as famílias em terra é o Spot, equipamento sofisticado, simples e barato, pois este os faz acompanhar online nossas rotas e as notícias de avanços de posição deixam pais, mães e familiares mais tranquilos...embora eu tenha o privilégio de ter feito a maioria destas milhas navegadas com a família a bordo.
De minha parte, como conhecia a região do sul do Estado por terra pelos eventos antes citados, tinha muita vontade há muito de navegar entre as Lagoas dos Patos e Mirim pelo São Gonçalo. Assim, nesta navegada entre RJ e RS deixei o barco em Pelotas por 3 semanas, e finalmente em um fim de semana deste mês de maio fomos navegar no São Gonçalo, pois as condições de tempo eram boas, frio, mas vento nordeste e céu limpo. Primeiro para mim foi uma experiência de arrepiar, pois estávamos velejando em pleno pampa, uma sensação diferente, barquinho entre as manadas de gado hereford, como se cavalgando estivéssemos. Ao navegarmos pelo São Gonçalo, os palmípedes que antes caçava cruzavam de leste a oeste, inclusive algunsainda poucos bandos de marrecões (NettaPeposaca), já que o inverno ainda não “apertou” e eles só chegam aos montes com o frio mais intenso, portanto, deveriam ser marrecões “crioulos”, aqueles que não migram mais e se tornaram gaúchos residentes...se eram anos atrás nossa grande ambição como caçadores, hoje são nossa ambição como admiradores da natureza. Portanto, estávamos como em fantasia “campereando”, caçando e pescando, não a pé, a cavalo ou de carro, mas velejando...um espetáculo!
Fui surpreendido pela facilidade de navegar no São Gonçalo, profundo, sem riscos ou obstáculos, operacionais tanto a eclusa quanto a ponte ferroviária, pela ausência total de áreas urbanas,exceto Santa Isabel do Sul que é um pequeno aglomerado quase na foz da Lagoa Mirim, mas especialmente pela paisagem absolutamente linda e bucólica, um isolamento e paz completos. Estávamos com o barco lotado, 7 pessoas, meus amigos de infância Walter e Marcelo, hoje líderes do COA-POA com seu conhecimento de aves e equipamentos sofisticados de observação e fotografia, mais a Márcia e o Guilherme, esposa e filho do Marcelo, eu como comandante e ex-caçador muito feliz por estar entre os bichos novamente, desfrutando especialmente da companhia do meu filho Matheus e colega Miguel que moram e estudam no momento em Pelotas. O Miguel nunca tinha navegado assim e foi sua primeira noite a bordo, portanto, novas experiências para todos, mesmo dentro docotidiano de família e amizades que já estão chegando a quatro décadas.
O legal é que uma navegada diferente como esta, mesmo sendo a turma entrosada, vivida e de inúmeras experiências conjuntas anteriores, traz novidades em termos de convivência que muito nos alegram. Nosso tempo foi escasso para tanta beleza de paisagens e fauna, portanto, decidimos que na primavera voltaremos com mais tempo e com mais vontade ainda de “traçarmos” o Pampa Gaúcho velejando, indo adiante da foz do Rio Piratini, nosso limite desta vez, com tempo para paradas no caminho e visitarmos as lagoas que vimos rapidamente às margens do São Gonçalo com suas marrecas, capororocas, galinholas, garças de diferentes espécies, maçaricos, colhereiros e tantas outras aves de nossa região sul. Em outubro pretendemos ir até a Lagoa Mirim, também tentarmos a pescaria nos molhes de Rio Grande e os barcos salgarem um pouco suas quilhas novamente. Se Deus quiser...lá voltaremos...
Outras crônicas do autor: Reflexões sobre um cruzeiro de verão |
S