De caiaque no Brasil central
Mais uma indiada do aventureiro incorrigível
André Issi

15-07-05
São Simão, GO
Olá amigos, parti de Itumbiara  no dia 10/07 pronto para enfrentar um rio repleto de sucuris, com punhal no antebraço e fé em Deus.
Parei num bar e falei com o dono e ele explicou que tem sucuris enormes mesmo, mas que não tem notícias de que elas atacam. Explicou que elas tem tocas nas barrancas (onde eu durmo) mas que elas saem a noite.
Então fica assim: eu com o rio de dia elas com ele de noite.
As margens são tomadas por um capim muito alto e impenetrável (capim de sucuri), florestas e campos mais ao fundo.
Comecei uma rotina de remar tres horas, para, almoça, rema mais duas horas, descansa, duas horas e procura lugar para acampar.
Finalmente achei uma clareira no capim de sucuri e armei a barraca em campo aberto, dormindo como bicho pronto pra reagir se atacado.
Aqui na natureza é assim: muita beleza mas sempre alerta, tem que permanecer vivo.
No dia seguinte o rio alarga, vento mais ou menos favorável, chego na barragem de cachoeira Dourada, os caras são legais e arrumam um caminhão caçamba para me largar abaixo das turbinas.
Os caras acham que é muita coragem dormir nas barrancas junto as sucuris, mas botei na cabeça que elas não atacam de dia, é melhor pensar assim.
Final de dia e nada de lugar para dormir, cruzo com um bando de macacos prego, papagaios e outros bichos.
Achei lugar no alto de um barranco que desmoronou, o caiaque ficou lá embaixo.
Estou dormindo e escuto barulho de folhas na árvore ao lado.
- Fica aqui seu metido! Vai me arrumar confusão!
- Cara pode ser macacos fazendo seu ninho na árvore, vai lá filmar com o infra vermelho.
-Que cara desgraciado, não me deixa dormir e fica procurando sarna.
Ao sair da barraca no escuro e me encaminhar para a árvore do barulho, sinto bater de asas e vento no rosto. Ligo a lanterna e vejo dezenas de morcegos passando na frente do facho da lanterna.
-Pronto, satisfeito seu metido?
No dia seguinte remo por sete horas, encontro um acampamento abandonado e uma floresta escura, é meio baixo astral mas que fazer.
Chega um pescadore, ele diz que o nacampamento era dele, mas que parou de vir aqui porque uma enorme jararacuçu (uma enorme jararaca do banhado de uns 2 a 2,5m) muito agressiva lhe atacou duas vezes e que em outra oportunidade quase morreu queimado quando a lamparina virou e ele estava dormindo...
-Legal, que belas informações ele me dá com a barraca já montada e anoitecendo.
Diz ele que uns 15 min para frente há um terminal de balsa e que lá tem luz, banheiro e água...
Gozado, apesar de jararacuçus e sucuris fico mais a vontade no mato.
Agradeço e digo que vou ficar.
No dia seguinte começam as longas travessias de 2 a 3 horas, chega numa ponta outra travessia.
Muitas consultas no meu mapa rodoviário e na bússola, assim vou seguindo no rumo W-SW.
É meio difícil, mas no geral estou acertando o rumo, às vezes, consulto com o binóculo.
Parti na manhã do dia 14/07 escutando as caturritas e os papagaios, longas travessias, brigas histéricas com o caiaque que teima em mudar o curso por causa das ondas e do vento:
-Não é pra lá seu @0$&0, é pra onde eu quero que tu vás!
E remava furiosamente, percebendo que cada vez mais a dor nas costas diminui.
O tempo passa, tu ali passando as horas sozinho começa a viajar em pensamentos, lembrando das pessoas que se foram, dos amigos, de passagens alegres e tristews e começa a rir sozinho, ou de repente, começa a remar furiosamente quando lembra coisas que te deixam brabo.
Isto sempre acontece, seja de bicicleta nos Andes, de moto pela América ou de Windsurf pela Lagoa dos Patos ou de Caiaque pelo mar.
Depois de tres horas descanso sob a sombra de uma frondosa gameleira que envolveu um pé de bacuri.
Sigo em frente e encontro um pessoal acampado com uma estrutura de dar inveja: Três possantes lanchas, caminhão baú, gerador, mesas e tudo o mais.
Ney, Èzio, Walter, João, Conceição, Wesley, Maurício, Cesar e Didi me convidam para chegar.
Almoço com eles, são gente boa demais. Vamos de lancha pescar tucunarés, bebemos muita cerveja e de noite churrasco de picanha e linguiça.
Muito legal mesmo, um pessoal bom e amigo demais.
Hoje vim com o Ney e o Wesley até aqui, São Simão para mandar notícias, de lancha demorou 50 min, mas para vir de caiaque vou demorar uns dois dias, talvez um, fica quase ao lado da represa de São Simão.
É isso aí, um baita abraço amigos e até a próxima, André!

 

André já fez várias façanhas. Em uma delas navegou da Mirim a Porto Alegre, rebocando um windsurf com um caiaque e vice-versa

Sucuri

Foto: Polícia Militar SP

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