Passeio à Lagoa do Casamento
Abril/Maio 2006
Danilo Chagas Ribeiro

Queria navegar a um destino mais agreste, incomum, e escolhi a costa oeste da Lagoa do Casamento, a nordeste da Lagoa dos Patos. Quem a vê na carta náutica com suas 18mn de extensão, tem a impressão de que faz parte da Lagoa dos Patos.

Na primeira parte do passeio, de Porto Alegre a Itapuã (24mn), naveguei sozinho no Phantasy, um O'Day23 (foto abaixo, em Itapuã).

Na segunda parte, de Itapuã à Lagoa do Casamento (75mn), tive o Comte Plinio Fasolo Bumerang como tripulante. Christina Silveiro, a Tina, acompanhou-nos a bordo do Forest, também um O'Day23.

Na terceira parte (volta de Itapuã) o Comte Jorge Zaduchliver Feitiço veio timoneando o Phantasy. Os dois amigos navegam em barcos de 32 pés. Foi divertido vê-los percebendo as diferenças em relação a um 23 pés. A boa companhia a bordo é fundamental e eu sou um cara de muita sorte por ter os amigos que tenho.

Encontro em Itapuã
Desatraquei na manhã de 28 de abril de 2006, uma sexta-feira, em direção a Itapuã.
Seguindo para o sul, entre a Ilha Chico Manoel e o continente, avistei o casal de amigos Luiz e Carmen Morandi no trapiche da Ilha. Convidei-os para seguir com a lancha até a Lagoa do Casamento, mas tinham planos de voltar a P. Alegre no dia seguinte.
Atraquei no Clube Náutico Itapuã no meio da tarde, onde já estava o Forest da Tina. O Plinio chegou de P. Alegre à noite, no Brasília32 Bumerang. Logo depois do churrasco fomos dormir.

A caminho da Lagoa do Casamento
Acordamos antes do sol nascer. O Plinio embarcou no Phantasy e logo desatracamos em direção à Lagoa dos Patos, com destino à Lagoa do Casamento. A Tina navegava no Forest perto de nós. Acostumada a navegadas em solitário, esta velejadora inveterada é muito safa.

Passamos pelo Farol de Itapuã às 9h da manhã e seguimos velejando no rumo sudeste, costeando as monótonas 10 mn das Desertas. Havia pouco vento, o que nos permitiu, quase às 11horas, cruzar sobre a raiz do Banco das Desertas e assim evitar o contorno de suas 7 milhas. De lá velejamos duas horas no rumo nordeste até a Lagoa do Casamento.

Passamos pela Ponta do Abreu com o trackback que eu havia gravado no veleiro Feitiço há alguns meses. Em seguida encalhamos a proa propositalmente contra uma prainha e desembarquei para unhar a âncora mais lá para dentro da praia. A água estava muito fria. Assim que a Tina chegou com o Forest, assamos uma picanha no Phantasy. Lembro do que me disse um velejador médico, meu amigo, e com certeza mais amigo do que médico: o colesterol não se altera com o que se come a bordo.

Pôr-do-sol com música
Uma semana é pouco para conhecer os diversos pontos de interesse da região. Dentre os rumos possíveis na Lagoa do Casamento, preferimos a Sanga do Pimenta, o abrigo mais próximo, onde chegamos às 16:30h.

Esperamos pelo belo pôr-do-sol, com música. Estava muito divertido. Com o barco amarrado a uns tocos em um barranco da sanga, Plinio mostrou seu repertório no teclado. Tentei acompanhá-lo com a gaita de boca. Plinio tocou antigas canções, dentre elas "Três Apitos", do Noel Rosa, que lá pelas tantas diz "...você que atende ao apito de uma chaminé de barro, por que não atende ao grito tão aflito da buzina do meu carro?".

Foram bons momentos na quietude da paisagem agreste e com o sabor do Jameson no final do dia. Mais uma picanha foi assada a bordo. Que dieta... Fomos dormir muito cedo. O Plinio se entregou às 19:00h, dizendo que daria só uma "descansada". Ahã... Eu tinha planos de brincar com o Ozi no notebook, mas resisti apenas até as 21:00h, e com muita dificuldade. Que cansaço!

Um sudoeste legal
Desatracamos às 7:30h da manhã de domingo. Em seguida tive que desembarcar em um barranco na foz da sanga para desamarrar uma rede dos pescadores que obstruía nosso caminho. Na véspera eles haviam nos avisado sobre ela. Puxaram a rede que eu soltei, lá na outra margem, mas sem nada de peixe.

No que entramos na Lagoa do Casamento vimos que um vento de boa intensidade vindo do sudoeste estava à nossa espera. Estimamos em 20 a 25 nós. Na Lagoa dos Patos havia ainda mais onda, de frente, em relação ao nosso rumo para cruzar o banco.

Mudança involuntária de rumo
Tentamos cruzar as desertas na raiz do banco, como na vinda, mas quebrava onda alta sobre o baixio. Era uma linha de ondas de 7 milhas de extensão sobre o baixio. Uma arrebentação. Mesmo assim tentei, mas a bolina bateu no fundo.

Tivemos que ir então até o farolete, contornando todo o baixio, e aumentando o trajeto em 14mn de velejada "molhada": o impermeável ficou encharcado o tempo todo, de tanta onda quebrando na proa. O vento agora era mais forte, e constante. Talvez 25 a 30 nós. Usávamos a segunda forra de rizo e genoa 3.

Influências do ciclone
A origem do vento era o "rabo" do ciclone extratropical que estava chegando e que durou quase uma semana. O ciclone estava sobre o mar, e se formou a umas 300 milhas a sudeste da divisa Brasil-Uruguai. No gráfico acima a encrenca já em "estado de decomposição" mas ainda incomodando bastante. Observe as setas indicando o vento onde estávamos (ponto vermelho). Um fenômeno meteorológico lá longe, a sudeste, gerando um ventão do Oeste.

Perigo nas Desertas
A poucos metros do Farolete das Desertas vimos o que sobrou da estaca por ele substituída (à esquerda na foto ao lado).

Trata-se de um obstáculo importante a uns 30 ou 50cm acima do nível da água (S30º32,3862 W50º50,4606), entre o farolete e o banco, como mostra o detalhe da carta náutica 2140, abaixo.

Do farolete das Desertas até o farol de Itapuã foi uma velejada tranqüila, em orça folgada, a 5,5nós. Com o entardecer o vento foi diminuindo. Após a passagem pelo Farol de Itapuã armei a asa de pomba e assim velejamos até o canalete da vila.

Painel borrado
Na chegada a Itapuã há um farolete com bateria e painel solar. A tecnologia é boa, mas o pessoal reclama que seguidamente o farolete pára de piscar. Também, pudera... Faltou talvez algo menos tecnológico para espantar os biguás pelo que se vê aí na foto. O painel não deve estar rendendo nem a metade.

Abelha na escota
Chegando em Itapuã senti uma ferroada ao pegar a escota no cockpit. Tirei o ferrão em seguida. Foi a primeira picada de abelha que levei na vida. E como a picada doía mais que meu ceticismo, apliquei fumo de cigarro com saliva assim que me veio à mente essa receita popular que conheço há décadas e que sempre achei estúpida. Mas o que mais poderia fazer ali a bordo para resolver?

Não sei se foi o fumo, ou a saliva, mas garanto que em menos de 30 segundos eu já não sentia mais nada e a mancha avermelhada em volta que logo surgiu após a picada, sumiu também. Acredite se quiser. Se acontecer de novo, aplico a mesma "receita".

Pau de vento
Aí pelas 22:30h de domingo o Cmte Astélio, a bordo do Gigi (Benneteau 46), chamou-nos pelo rádio. Estavam subindo a costa gaúcha rumo ao Rio de Janeiro, num mar muito agitado, com ondas altas e o tal ventão do sudoeste. Navegavam bem na altura da Lagoa do Casamento, onde Astélio sabia que estávamos.

Isolada
A Tina resolveu ficar na L Casamento quando voltamos para Itapuã. E teve que permanecer isolada lá, com o barco amarrado a sarandis junto a uma sanga, sem condições de voltar (37 milhas), tal o vento contra pra sair. Segundo avaliação da Tina, o vento chegou a 30 ou 40 nós, de não dar para ficar em pé no convés. Acabou ficando lá uma semana esperando o ciclone se acomodar.

Homem ao mar
Na noite de sábado ouvia-se com freqüência pelo VHF o Aviso de Homem ao Mar com as coordenadas prováveis do ocorrido no mar. Pelo que entendi, descobriram a falta do tripulante bem depois do acidente. Com aquele frio e mar bravo, o pior deve ter acontecido...

De táxi
Na segunda-feira pela manhã vários barcos estavam em Itapuã à espera de um vento mais ameno para voltar a Porto Alegre. Liguei de lá para o Cmte Emilio, de Tapes, que me passou a previsão. O vento iria aumentar. Repassei pra Tina pelo rádio. Decidimos assim interromper nosso passeio em Itapuã, voltando de táxi para o Veleiros do Sul.

De Itapuã ao Veleiros do Sul
No outro final de semana, eu, o Plinio e o Jorge fomos a Itapuã, de taxi novamente. Churrasco no Bumerang regado com o que restou do Jameson. Desatracamos no sábado bem cedo. O Plinio no Bumerang, e o Jorge e eu no Phantasy. A Tina circulava pelo CNI, mas sem o barco, que ficara no Condomínio Esmeralda (Beco Roma). Foi uma semana de castigo de Netuno, que ela diz ter sido maravilhosa. Que bom!

Ao largo do Morro do Côco pegamos uma rede de superfície bem pequena, sem sinalização. Logo depois o Bumerang pegou a mesma rede. Na verdade era um pedaço de rede solto, que boiava por ali. Não tivemos maiores dificuldades.

Tirando o limo das bóias
Comemos um churrasco na Chico e, depois de uma sesta, rumamos para Porto Alegre, em uma velejada noturna muito boa, com vento em popa da Ponta Grossa até Porto Alegre.
Vínhamos no trackback, isto é, pelo caminho da ida mostrado na tela do GPS. Perto do Jangadeiros lembrei que, na vinda, passei bem perto da bóia verde do meio do canalete do clube. Neste trecho o Jorge fez o Phantasy navegar exatamente sobre o trackback, com o zoom da tela todo ampliado para melhor precisão. No local esperado, na escuridão, a silhueta da bóia "apareceu do nada" bem ao nosso lado, como previsto. Foi bonito de ver.

Além de muito bom parceiro, Jorge é igualmente bom timoneiro. Muito concentrado, o track da velejada com ele no timão parece feito por piloto automático. E veleja sempre de olho nas velas, trimando constantemente na busca do melhor rendimento, como se estivesse em regata. Jorge e eu temos sempre assunto além do tempo disponível.

Assoreamento na ligação Casamento x Patos
Até o início do século passado era habitual o tráfego de embarcações de carga e de passageiros entre a Lagoa dos Patos e a Lagoa do Casamento. A rota fluvial era garantida pelas dragas do governo já que não havia alternativa rodoviária para o transporte de mercadorias para o litoral norte do estado.

O local tem história. Bem antes do transporte fluvial, passou por ali o safado do Garibaldi na Revolução Farroupilha, no século XIX. Atualmente apenas pequenos barcos de pesca circulam na região devido ao assoreamento na interligação das lagoas.

O Canal do Furado, que até poucos anos permitia a passagem de veleiros de baixo calado, está com a extremidade nordeste cada vez mais assoreada. Além disso o canal está repleto de troncos submersos oferecendo risco à navegação. A passagem pela Ponta do Abreu é o caminho mais indicado.

Torneira a bordo, como em casa
Depois de vários cruzeiros nos barcos maiores dos meus amigos, passei a sentir falta de alguns itens de conforto no meu barco. O mais importante deles é a água encanada a bordo. Ser cruzeirista sem água na torneira é mais difícil. Eu tinha uma pia em que se bombeava com uma mão para lavar a outra. Outros barcos têm um pedal para bombear a água. E alguns ligam e desligam uma chave elétrica para acionar e interromper o fluxo d'água.

Isso que temos em casa, de abrir a torneira e ver a água sair, é "mágico" a bordo. Afinal, não temos uma caixa d'água no mastro. No entanto, as bombas de pressurização resolvem isso de forma muito eficiente. Ao abrir a torneira, cai a pressão na saída da bomba e ela começa a funcionar. Fechando-se a torneira, a pressão aumenta e a bomba desliga-se. Funciona exatamente como em casa. Instalei ainda, ligada à mesma bomba, uma ducha com 2 metros de mangueira no cockpit, de mil e uma utilidades.

Um flange no casco e mais alguns registros permitem optar entre a água do tanque e a água do rio. Instalei uma bomba pequena (1,1 galão por minuto) porque o tanque é pequeno também. A bomba tem um preço, sim, mas abrir a torneira e ver a água jorrar no barco da gente, não tem preço. À venda na Equinautic. Instalação pelo Alexandre Rimoli.

110 volts a bordo
Outro item que me acostumei a ver a bordo de barcos com mais de 30 pés é o inversor de corrente. É um aparelho que transforma 12V (corrente contínua) em 110V (corrente alternada).

Alguns inversores têm potência para ligar um forno de microondas a bordo, apesar de "esvaziarem" a bateria bem depressa. Instalei um inversor de 300W para ligar o notebook e outras coisas de baixa potência.

O notebook conectado ao GPS roda o Ozi Explorer, um programa para navegação que plota a posição do barco sobre a carta náutica. É algo como o chart plotter, mas com maior precisão e mais recursos.

O Comte Plinio Fasolo Bumerang (foto acima) inaugurou a navegação digital "on line" no Phantasy. É com ele que tenho aprendido os truques da navegação digital há alguns anos. Professor de astronomia da PUC, Plinio me ensinou também a enxergar as constelações no céu. É um parceirão.

Foi um belo passeio desfrutando a companhia de bons amigos e paisagens bonitas em um clima, acima de tudo, muito divertido. E ainda acalmei os ânimos do meu barco, que há tempo precisava de uma velejada como essa.

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Outros itens sobre a Lagoa do Casamento

17 Maio 2006
Augusto Chagas Gaudério VDS
Alo Danilo
Vibrei com a velejada de voces, bom tempo aquele em que a gente botava o barco a pastar na praia, que saudade de um abriguinho a prova de tudo. Ainda tenho a esperanca de ter um barco de pouco calado, so que nao da para esperar muito.
Um abracao.
Augusto.