Conta todas, vovô
Jorge Vidal

Um Audaz no Nordeste

O Dr. Ney Amaral costumava velejar com sua mulher, Eneida, e com seus filhos, Paulo, Ney Mário, Cláudio, Vinicius e Mônica, isso num pequeno veleiro ancorado no Clube dos Jangadeiros em Porto Alegre por muitos anos. Esse veleiro chamava-se Audaz. Seu filho Ney Mário, creio em homenagem ao velho barco, quando adquiriu um Trinidad 37 pés, construído pela Mariner Náutica, colocou o nome de Audaz no seu novo barco. Conheço essa gurizada do Ney Amaral desde meninos. Todos são excelentes marinheiros.
O Audaz se encontrava em Recife, Pernambuco, pois tinha participado da Regata Recife / Fernando de Noronha, e o Ney Mário estava viajando ao exterior, e queria que seu sogro, José Carlos Bohrer, o levasse para Salvador, Bahia.
O comandante Bohrer convidou o Henrique Ilha e a mim para acompanhá-lo nessa missão, pois já havíamos velejado juntos com sucesso em diversas ocasiões. Assim, em dezembro de 1995 fomos a Recife para levar o barco a Salvador.
O veleiro estava atracado nas instalações do Cabanga Yate Clube. Eduardo Scheidegger e sua esposa, Hilda, foram nossos anfitriões, ajudando-nos na preparação da viagem: combustível, compras no supermercado, etc. O casal morara muitos anos no Rio Grande do Sul, junto com seus filhos, Paulo, Jorge e Dudi. Atualmente moram em Recife, terra da família de Hilda, na localidade de Maria Farinha, numa casa à beira do rio, com um trapiche onde se encontrava ancorada sua baleeira Miraguaia, desenho de Manuel Campos e construção do Roberto Funck, de Porto Alegre.
Feitos todos os preparativos a bordo, a convite do comandante Bohrer, fomos jantar no restaurante Máxime, na Praia do Pina, cuja fundação tinha mais de 50 anos. Foi construído na época da Segunda Guerra Mundial, sendo o local de encontro dos oficiais americanos que serviam em Recife. O Máxime, que eu inclusive já conhecia mais ou menos 40 anos atrás, continuava no topo da qualidade e tradição dos melhores restaurantes de pescados do Recife. Comemos, entre outras coisas, os famosos caranguejos especialmente preparados pela casa, aqueles que você vê se mexendo no meio do lodo... Mas na panela são ótimos!
Pela manhã bem cedo, desatracamos do Cabanga Yate Clube. A saída é um pouco baixa e aproveitamos a maré alta. Passamos por toda a orla portuária de Recife, pois o clube fica no fundo dessa enseada. Quando cruzávamos por algum banco de areia e lodo, o Zeca brincava e mostrava os caranguejos de que havíamos chupado as patinhas na noite anterior...
Dobramos o farol da entrada do porto e lá nos fomos em direção ao sul, com um vento leste-nordeste de aproximadamente 15 nós. Os famosos ventos alísios. No nordeste brasileiro é muito gostoso velejar. O vento é constante, quase sempre na mesma direção, e o mar mais calmo, comparado com o mar do sul do Brasil.
Fomos acompanhando a costa e as praias de Pernambuco, um pouco por fora dos arrecifes. Passamos por Pina, Boa Viagem, Piedade, e assim por diante. Que beleza! Que clima! Que vento bom! Enfim, tudo é favorável para uma boa velejada. Chimarrão no cock-pit e dê-lhe papo. Durante os três dias que levamos até Salvador, contei todas... Henrique Ilha também esgotou seu repertório de histórias, e o Zeca, mais introvertido, lá pelo segundo dia também se soltou, se bem que com alguma dificuldade. Contou suas inúmeras viagens pelo mundo todo e as da Isabel, principalmente pelos países exóticos da África, Ásia, Oriente, etc. Todos nos deliciamos com as histórias contadas. Velejando e contando histórias...
E não estávamos sós. Era muito grande o número de jangadas que pescavam ao nosso redor, aproveitando o tempo maravilhoso e o mar piscoso.
Muitas pessoas me perguntam sobre os temporais que já enfrentei. Como foram? Que aconteceu? Respondo: nós nos lembramos mais das coisas lindas acontecidas. Nós gostamos de falar das coisas bonitas que vivemos. Os temporais a gente procura esquecer. É o lado ruim das velejadas. Lembramos apenas para acumular experiências, mas vamos recordar mesmo é o que houve de bom e divertido. Eles existem, é certo, mas, quando aparecem, nós os respeitamos, nos preparamos, acomodamos tudo a bordo, diminuímos as velas, enfim ninguém no mar está a fim de enfrentar temporais. Alguns são mais longos, mas a maioria passa depois de algumas horas. Os barcos são sempre muito fortes, mas necessitam que a tripulação também seja forte.
Mas, voltemos às coisas boas. Continuamos nossa velejada bem pela costa, saboreando a vista das belas praias.
Passamos por Maceió e, ao cair da noite, por Aracaju. Mais tarde fomos surpreendidos pelas inúmeras plataformas de petróleo que existem na costa de Sergipe. São realmente muitas, e algumas estavam sem sinalização, sem luz alguma, o que dificultou nossa passagem por aquele campo de petróleo. Para se ter uma idéia do tamanho, entramos naquele paliteiro por volta das 8 horas e saímos lá pelas 11 da noite. O Bohrer acompanhava pelo radar. O Ilha timoneava. Eu estava de vigia na proa. No final, cruzamos bem, apesar dos fininhos que tiramos de alguns.
Após, o Zeca preparou um delicioso jantar, regado a vinho, e determinou os quartos de serviços para cada um, de duas em duas horas. É nordeste brasileiro, sim, mas fazia frio lá fora. À noite, dentro do mar, com os alísios soprando a 15 a 18 nós, faz frio. Era a vez do chimarrão e da garrafa térmica com café quente para passar o tempo e esquentar.
No outro dia, por volta das 9 horas, passamos pela foz do rio São Francisco. Paisagem bonita: os inúmeros bancos de areia criam verdadeiras praias selvagens, com água limpa e transparente entre o seus diversos braços. Impressionava também o grande número de jangadas.
Continuamos pela costa da Bahia, onde predominam também as praias de areias muito brancas e os milhares de coqueiros. Uma infra-estrutura de loteamentos, hotéis e boas estradas que estão sendo construídas naquela costa. Uma boa rede de antenas de comunicação por celulares nos mantinha em contato com todo o mundo, até um afastamento de aproximadamente 50 milhas.
Na noite do terceiro dia contornamos o farol da barra e entramos na Baía de Todos os Santos, não sem antes passar pelas inúmeras praias de Salvador.
Assistimos na TV de bordo, instalada no cock-pit, ao jogo final do campeonato brasileiro entre Santos e Botafogo, vencido pelos cariocas.
A entrada da Baía de Todos os Santos à noite foi fácil, pois tanto o Zeca como o Ilha já a conheciam. Zeca com o próprio Audaz, enquanto o Ilha havia andado por lá com o Coralzinho, do saudoso Ernesto Neugebauer.
Ancoramos à meia-noite na marina do centro de Salvador, no antigo atracadouro, entre os molhes, em frente ao elevador Lacerda. Depois de verificar que o ferro havia unhado perfeitamente, fomos à janta. Preparei uma massa carbonara, abrimos um vinho e depois, cama, ou melhor, beliche. O Trinidad 37 é um veleiro muito cômodo que tem um camarote individual para casal na popa, destinado, é claro, ao comandante. Eu e o Ilha ficamos muito bem acomodados na cabine central. Eta, vida simples!
No outro dia, levamos o Audaz para a Marina do Sampaio, no Saco da Ribeira, onde o deixamos. Seguimos de avião de volta para Porto Alegre, isso não sem antes passearmos um dia inteiro pela bela Salvador.
Filmamos essa velejada, para recordação dos tripulantes. Passados alguns dias, projetamos o filme num churrasco na clínica da Beatriz e do Ney Mário. Estavam todos lá.

Recepcionando o Tamboti

 

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