Conta todas, vovô
Jorge Vidal
O Mokay no caminho do cometa Halley
Há muitos anos, em Belém Novo, bairro de Porto Alegre, ele construiu seu
primeiro veleiro. Uma belíssima baleeira, doublé-proa, desenho de Manuel Campos, chamada Maracaibo. Toda branca, com a cabine envernizada, mastro de frejó, uma lindeza... Além do Maracaibo, teve, anos depois, quando retornou dos Estados Unidos, o Mokay I, antigo Nanico. Com esse barco, cujo nome diz tudo do seu tamanho, velejou ao Rio Grande, Pelotas, São Lourenço, e andava seguidamente pelo Guaíba e pela Lagoa dos Patos. Fiz diversas navegadas com o Mokay II, mas a mais interessante foi uma ida à cidade do Rio Grande, junto com o Henrique Ilha. Sempre o Henrique Ilha! Realmente, é um grande amigo e companheiro. Aliás, quem tem um Ilha a bordo, tem um verdadeiro combination, como se dizia antigamente na aviação comercial. Um piloto e um mecânico. Ele era tudo isso. Um tripulante completo. Sempre calmo e disposto. Nessa velejada, após um pernoite na ilha Chico Manuel, subsede náutica do Veleiros do Sul, no estuário do Guaíba, pegamos um leste bem forte, e lá fomos nós com um vento de través, voando pela Lagoa. Novo pernoite, dessa vez no través do Capão da Marca. As comidas que o Venturella fazia a bordo eram de excelente paladar, graças aos misteriosos temperos que usava. Durante a janta e boa parte da noite, o comandante contava suas histórias. Não era pessoa acanhada. Conversa era o que não faltava. No outro dia suspendemos âncora e fomos para o Rio Grande, isso não sem antes fazermos uma escala no Cocoruto, uma prainha na costa de São José do Norte, para o relaxante banho de mar, cervejinhas geladas, aqueles camarões no bafo, que havíamos trocado com os pescadores. Um balde cheio por duas garrafas de caninha e algumas latinhas de cerveja era o preço que eles cobravam por um balde de camarão. Recordo-me que, quando guri, fomos muitas vezes, de canoa à vela, tomar banho de mar na prainha do Cocoruto, junto com meus pais e minhas irmãs. Bons tempos! Passado algum tempo, o Venturella levou o Mokay III a Santos para vendê-lo. Na ida o Mokay teve um problema de motor, ainda na costa do Rio Grande do Sul, tendo que entrar em Torres, na barra do rio Mampituba, façanha que poucos haviam conseguido até então com um veleiro daquele tamanho. Foi recepcionado pelo companheiro Jorge Northflet, que cedeu espaço para atracagem na sua marina. Ficou lá durante aproximadamente um mês, pois o problema era bem mais sério do que se imaginava, mas acabou saindo da barra do Mampituba com muita destreza. Houve época em que o comandante andava desesperado tentando achar o cometa Halley nos céus de Porto Alegre. Pois na madrugada do dia 22 de março de 1986, encontrava-me dormindo a bordo do meu Arpège, quando fui despertado pelo Venturella, que, juntamente com os guardas-noturnos do clube Veleiros do Sul, de Porto Alegre, tinha avistado o Cometa! Eram exatamente 4h30min. Avistamos com eles, no rumo 110 graus, a um ângulo de aproximadamente 35 a 40 graus, o cometa Halley. Estava lá, bem visível, numa noite estrelada e relativamente limpa. O cometa podia ser visto de binóculos ou a olho nu. Tratava-se de uma estrela, menos brilhante que as demais, com uma cauda em forma de nebulose, apontando para a parte superior do mesmo. Logo abaixo do Halley, encontrava-se uma pequena constelação de estrelas em forma de uma flecha, colocada na posição sul / norte. Estávamos, tanto o Arpège quanto o Mokay III, atracados no terceiro trapiche do Veleiros do Sul, em Porto Alegre. A posição do cometa visto desse ângulo se encontrava entre os mastros dos veleiros Igaraçu e Nômade, no trapiche do meio. O Halley pôde ser visto desde aquela hora até aproximadamente 5h10min, com nitidez. Faz-se este registro com ênfase, pois somente 76 anos após aquela data poderá este cometa ser novamente observado, e até lá... Não era mesmo o comandante Gilberto Venturella uma pessoa extraordinária? |
O Miraguaya nas belas prainhas da Lagoa dos Patos